Há uma porta das privatizações que ficou por fechar
Não se percebe o que é que correu mal na venda da CP Carga, e que continua por resolver.
O Orçamento do Estado para 2019 é o quarto deste Governo e o último de uma legislatura que fica marcada por várias razões, entre as quais o facto de não contemplar nenhuma privatização. Ora isso é algo inédito numa legislatura completa, se não me falha a memória, desde que o Estado começou a diminuir a sua presença na economia, no final da década de 80/início da década de 90.
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O Orçamento do Estado para 2019 é o quarto deste Governo e o último de uma legislatura que fica marcada por várias razões, entre as quais o facto de não contemplar nenhuma privatização. Ora isso é algo inédito numa legislatura completa, se não me falha a memória, desde que o Estado começou a diminuir a sua presença na economia, no final da década de 80/início da década de 90.
É certo que já há pouco para vender, e se foi questionável a alienação de empresas como a REN, acho que ninguém, excepto o PCP e o BE, se iria incomodar com a venda do capital que o Estado ainda detém na Inapa, uma papeleira onde está também o BCP e outros privados. Mesmo as duas únicas concessões que estiveram previstas no primeiro Orçamento do executivo liderado por António Costa, a da Silopor e a da IP Telecom, acabaram por não acontecer.
Não coloco de fora a hipótese de terem sido inscritas apenas para preencher um vazio de receitas necessárias, com uma previsão de encaixe conjunto de 130 milhões, mas o certo é que estiveram em cima da mesa e não se concretizaram.
Do lado dos partidos de esquerda que apoiam o Governo no Parlamento a mensagem, desde o início, foi a de que não haveria mais nenhuma concessão ou privatização de empresas públicas após o Governo PSD/CDS liderado por Passos Coelho. Numa retrospectiva, percebe-se que a estratégia teve sucesso, porque as únicas concessões que avançaram foram as de imóveis públicos para projectos turísticos ao abrigo do Revive.
Houve, aliás, reversões de subconcessões, como as dos transportes públicos em Lisboa e Porto - cuja factura ainda está por conhecer -, o Estado subiu a sua fatia na TAP para 50% do capital e manteve-se na Galp, onde é o segundo maior accionista.
No meio de tudo isto, o Governo PS foi executando algumas iniciativas que já vinham do anterior executivo, como a Oferta Pública de Venda (OPV) da Empresa Geral de Fomento, cuja privatização foi ganha pela Mota-Engil. O PS não reverteu a venda e concretizou a alienação de 5% do capital aos trabalhadores, selando assim a reprivatização em Junho de 2017, dois anos depois de a Mota-Engil ter assegurado a empresa de tratamento de resíduos.
Aqui, importa reter o que é que o PS não fez, e devia ter feito: a OPV da CP Carga. A OPV é algo que está previsto na lei das reprivatizações, e obriga a que uma parte do capital da empresa em questão fique disponível para os trabalhadores (associada a um desconto face ao preço pago por quem ganhe o processo). Não há nada na lei que diga o período em que a OPV tem de ser feita, mas há também um período temporal tido como aceitável e os dois anos da EGF já foi um prazo esticado.
No caso da CP Carga, o vencedor, a MSC, foi escolhido em Julho de 2015. Em Janeiro de 2016, já com o Governo PS, o processo foi concluído numa cerimónia à porta fechada. Hoje, quase três anos depois, os 5% destinados aos trabalhadores ainda estão na órbitra da CP, à espera que o Governo conclua a alienação com a OPV.
Até é provável que os trabalhadores não queiram ficar com as acções, mas não só a OPV é um direito que lhes assiste como é parte indispensável da privatização. Nestes casos, quando as acções ficam por colocar é o vencedor do processo quem tem de assegurar a compra, pelo que a MSC reforçaria a sua presença na CP Carga, rebaptizada de Medway (em várias situações as empresas tomam a iniciativa de adquirir, após a OPV, as acções aos trabalhadores).
Quando foi escolhido o vencedor, em 2015, explicou-se que a aquisição da CP Carga implicava 53 milhões por parte da MSC, dos quais 51 eram dívida da CP Carga à CP e outras entidades. O negócio incluia ainda a transferência para a CP Carga de várias locomotivas que lhes estavam até então alugadas.
É fácil perceber que já passou tempo de mais, embora não haja ilegalidades de calendário. Quando questionado sobre o processo no início deste ano, o Governo alegou apenas que não havia “condições de consensualização do avanço do processo”. Resposta algo burocrática da qual não houve desenvolvimentos conhecidos.
Assim, não se percebe o que é que correu mal nesta privatização, e que continua por resolver. Tanto pode ter a ver com a montagem da operação, e o preço, como não. Fica a dúvida, e isso não deve acontecer. A CP Carga era uma empresa pública, e foi vendida pelo anterior executivo. O actual Governo manteve a operação, ao mesmo tempo que mudava ou revertia outras. Compete-lhe agora fechar o processo, ou explicar de forma clara porque é que tal não pode ser feito, antes do fim da legislatura. Não é pelo encaixe, certamente insignificante. É porque processos como este têm de ser transparentes, corram bem ou corram mal.