Centros de saúde da Grande Lisboa criam rede contra a mutilação genital

Foram registados 265 casos em quatro anos. Análise da Direcção-Geral da Saúde mostra que registos só têm sido feitos na região onde há profissionais especializados.

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Projecto foi negociado entre a secretarias de Estado da Cidadania e Igualdade, tutelada por Rosa Monteiro, e da Saúde, a cargo de Raquel Duarte Daniel Rocha

Mais articulação, mais contacto com a comunidade, uma intervenção em rede: é o que prevê o projecto Práticas Saudáveis – Fim à Mutilação Genital Feminina, que vai ser apresentado na manhã desta quarta-feira pela secretária de Estado da Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, e a sua congénere da Saúde, Raquel Duarte.

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Mais articulação, mais contacto com a comunidade, uma intervenção em rede: é o que prevê o projecto Práticas Saudáveis – Fim à Mutilação Genital Feminina, que vai ser apresentado na manhã desta quarta-feira pela secretária de Estado da Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, e a sua congénere da Saúde, Raquel Duarte.

Em Portugal, estima-se que 6576 mulheres com 15 ou mais anos tenham sido vítimas de mutilação genital, e que 1830 meninas com menos de 15 anos já tenham sido submetidas à prática ou estejam em risco de o ser. Entre Abril de 2014 — quando a Plataforma de Dados de Saúde começou a registar casos — e Junho deste ano, foram identificadas 265 mulheres que foram vítimas de mutilação genital feminina (MGF) nalguma altura das suas vidas. E apesar de vários projectos, apoios a associações de base comunitária e formação especializada a profissionais, os contactos entre diferentes instituições — da saúde, educação, justiça, segurança social, entre outras — ainda não estão devidamente formalizados.

É neste contexto que surge o projecto-piloto para a região de Lisboa e Vale do Tejo, para criar uma rede de prevenção e acompanhamento de casos de mutilação genital feminina “com epicentro nas questões da saúde”, descreve a secretária de Estado para a Igualdade. Em foco estão cinco agrupamentos de saúde que englobam os concelhos com estimativas mais elevadas de mutilação genital feminina entre a população residente: Alcochete, Almada, Amadora, Barreiro, Loures, Moita, Montijo, Odivelas, Seixal e Sintra.

As unidades de saúde são chamadas a integrar a temática da MGF nos planos locais de saúde, na intervenção a nível da saúde escolar e também a nível do contacto com outras entidades nos municípios, como as forças de segurança e a segurança social. O protocolo prevê ainda a “capacitação de profissionais de diversos sectores-chave”, como a saúde, educação, justiça, forças de segurança e segurança social.

Casos sinalizados muito depois

Rosa Monteiro sublinha que este não é apenas um problema de saúde — é também “uma questão de direitos humanos, de violência contra as mulheres”. Estão previstas, por isso, iniciativas coordenadas que criem pontes com a comunidade, tanto através de organizações não-governamentais e lideranças religiosas como através de actividades que envolvam os projectos do programa Escolhas.

A implementação desta rede fica a cargo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) e o Alto Comissariado para as Migrações (ACM). Os resultados do projecto devem ser avaliados “ao fim de dois anos”, assegura a secretária de Estado.

De acordo com um relatório publicado em Setembro pela Direcção-Geral da Saúde, todos os 237 casos sinalizados entre 2014 e 2017 foram registados em unidades de saúde de Lisboa e Vale do Tejo. Esta é a região com mais concentração de migrantes vindos de países onde se pratica a MGF, mas a discrepância pode ser explicada também pela falta de formação de profissionais noutras zonas do país onde há mulheres em risco desta prática, como Faro ou a Área Metropolitana do Porto. O relatório aponta que “apenas na região de Lisboa e Vale do Tejo existem profissionais sensibilizados para a importância dos registos quer em consulta, quer em internamento”.

A análise aos casos ocorridos até 2017 revela que a idade média da realização da mutilação é aos sete anos de idade. Nenhum dos casos registados terá acontecido em Portugal, salienta o relatório, indicando que a prática é realizada maioritariamente na Guiné-Bissau e Guiné Conacri. Muitos casos são sinalizados anos depois — a média de idades das mulheres no momento do registo é de 31 anos, variando entre os 14 e os 64 anos.

Entre os casos registados, foram identificadas 88 mulheres com uma ou mais complicações decorrentes do corte genital, seja de ordem psicológica, obstétrica, a nível da resposta sexual ou do sistema urinário.