Carga ao mar
O estreante Bruno Gascon quis fazer um filme sério sobre o tráfico humano, mas cai em todas as armadilhas do tema.
Não se pode acusar o português Bruno Gascon, em tempo de estreia na longa-metragem, de falta de ambição: o tema de Carga é o tráfico humano, tratado através da história de uma jovem russa forçada a prostituir-se pela rede que a traz para Portugal. É um tema que já inspirou a Teresa Villaverde um dos seus filmes mais misteriosos, Transe (2006); Gascon parece querer tratá-lo numa lógica mais mainstream de thriller dramático — mas acaba por fazê-lo, ao mesmo tempo e de modo aparentemente contraditório, com excessiva sisudez e excessiva leviandade. Excessiva leviandade porque tudo é previsível, desde a música redundante a sublinhar o que o espectador é suposto sentir a uma narrativa cheia de reviravoltas que o filme nunca sabe tornar verosímeis. Excessiva sisudez, porque tudo é pomposo e patudo, da grandiosidade procurada de uma encenação cuidada e de uma fotografia luxuosa em modo “que bem que eu filmo” (e, de facto, filma) àquele cartão final que dedica o filme às vítimas do tráfico humano com um “podias ser tu”.
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Não se pode acusar o português Bruno Gascon, em tempo de estreia na longa-metragem, de falta de ambição: o tema de Carga é o tráfico humano, tratado através da história de uma jovem russa forçada a prostituir-se pela rede que a traz para Portugal. É um tema que já inspirou a Teresa Villaverde um dos seus filmes mais misteriosos, Transe (2006); Gascon parece querer tratá-lo numa lógica mais mainstream de thriller dramático — mas acaba por fazê-lo, ao mesmo tempo e de modo aparentemente contraditório, com excessiva sisudez e excessiva leviandade. Excessiva leviandade porque tudo é previsível, desde a música redundante a sublinhar o que o espectador é suposto sentir a uma narrativa cheia de reviravoltas que o filme nunca sabe tornar verosímeis. Excessiva sisudez, porque tudo é pomposo e patudo, da grandiosidade procurada de uma encenação cuidada e de uma fotografia luxuosa em modo “que bem que eu filmo” (e, de facto, filma) àquele cartão final que dedica o filme às vítimas do tráfico humano com um “podias ser tu”.
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Um realizador mais experiente teria despachado em 20 minutos o que Gascon leva toda a primeira hora a contar; preocupar-se-ia mais em construir personagens em vez de bonecos que existem apenas porque a história precisa deles e que entram e saem, ou em trabalhar o argumento para que a sua narrativa frágil sustentasse duas horas de filme. E, sobretudo, teria evitado filmar graficamente as violações e os abusos e os assassinatos que o filme faz questão de mostrar. Que sim, são parte integrante do problema do tráfico humano, mas que surgem paredes-meias com o gratuito quase voyeurista sob a capa frágil de denúncia maniqueísta (o pudor com que duas das mortes são mostradas, já em direcção ao fim, soa quase a falso depois do que apareceu antes). Carga podia ter evitado as armadilhas contidas no seu tema e na vontade de cinema que Bruno Gascon demonstra ter; em vez disso, cai nelas todas, e não tinha necessidade nenhuma.