Áreas marinhas protegidas correm risco de ser “reservas no papel” por falta de meios
Auditoria do Tribunal de Contas concluiu que as áreas marinhas protegidas não têm uma estrutura de acompanhamento nacional e que a sua sustentabilidade não é avaliada.
Falta coordenação, objectivos concretos e instrumentos de avaliação. O Tribunal de Contas é duro nas conclusões da auditoria que fez à criação e gestão das áreas marinhas protegidas. Por falta de meios para um acompanhamento efectivo e fiscalização, estas correm mesmo o risco de ser “simples ‘reservas no papel’”, diz a entidade que fiscaliza o uso de dinheiros e valores públicos.
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Falta coordenação, objectivos concretos e instrumentos de avaliação. O Tribunal de Contas é duro nas conclusões da auditoria que fez à criação e gestão das áreas marinhas protegidas. Por falta de meios para um acompanhamento efectivo e fiscalização, estas correm mesmo o risco de ser “simples ‘reservas no papel’”, diz a entidade que fiscaliza o uso de dinheiros e valores públicos.
O Tribunal de Contas olhou para o trabalho desenvolvido por Portugal entre 2010 e 2016 no âmbito da protecção da biodiversidade marinha e concluiu que, embora algumas áreas protegidas se sobreponham em grande extensão, os processos para classificação não estão a ser coordenados entre quem tem responsabilidades na matéria, a Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) e o Instituto de Conversação da Natureza e das Florestas (ICNF). O relatório diz que há “indefinições” na articulação entre as duas entidades e sobreposição de competências nas áreas marinhas em águas territoriais e na zona económica exclusiva (ZEE).
As competências de gestão das áreas protegidas na ZEE adjacente às regiões autónomas também carecem de clarificação, diz o relatório.
O tribunal detectou igualmente que o planeamento não inclui formas de avaliar os sucessos e insucessos da constituição destas áreas de protecção de cetáceos. “Os planos de ordenamento e o Plano Sectorial da Rede Natura 2000 não incluem, em regra, objectivos mensuráveis”, lê-se no sumário executivo do relatório da auditoria. Para que o trabalho se possa apoiar em resultados falta igualmente “uma base de referência adequada de informação e de sistemas de actualização dessa informação e indicadores eficazes”.
Acresce que as “entidades envolvidas na gestão dessas áreas carecem de meios para uma acompanhamento efectivo e fiscalização eficaz, sob pena de as AMP [áreas marinhas protegidas] serem simples ‘reservas no papel’”.
O Tribunal de Contas dá o exemplo do Sítio de Importância Comunitária do Litoral Norte, que abrange os concelhos de Caminha, Esposende e Viana do Castelo e cuja área classificada é sobreposta pela do Parque Natural do Litoral Norte. Aí “a fiscalização carece de meios que permitam estender a acção ao meio marinho”. Também na Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha, na costa dos municípios de Sines e Santiago do Cacém, “a monitorização da área marinha tem sido inexistente”.
Falta estrutura de acompanhamento nacional
É ao ICNF que compete o acompanhamento e fiscalização das áreas marinhas protegidas. É também o instituto que, em articulação com a DGRM, avalia as áreas protegidas do continente e acompanha a Rede Natura 2000. No entanto, as competências de licenciamento e fiscalização das restantes actividades no meio marinho caem na alçada de várias entidades.
“Não existe uma estrutura de acompanhamento global das áreas marinhas protegidas a nível nacional e não é feita uma avaliação dirigida especificamente à sua sustentabilidade, embora tenham sido desenvolvidos projectos pontuais dirigidos à sustentabilidade de recursos marinhos”, aponta o relatório. E mais: “Não é efectuada uma avaliação global das medidas que estão a ser implementadas para a redução de riscos e mitigação de ameaças e da economia, eficiência e eficácia das mesmas.”
O país tem 29 áreas marinhas classificadas no continente e na ZEE. São cerca de 35 mil quilómetros quadrados a que se somam outros 120 mil de cinco áreas marinhas na plataforma continental classificadas ao abrigo de um compromisso internacional designado pela OSPAR, Convenção para a Protecção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste. E uma área bastante superior encontra-se em processo de classificação: são mais cerca de 218 mil quilómetros quadrados em áreas protegidas na ZEE e na plataforma continental e um total de 25 mil quilómetros quadrados no continente que podem constituir dois novos sítios de importância comunitária, o alargamento de um outro, assim como a classificação de três novas áreas marinhas protegidas, num total de 25 mil quilómetros quadrados.
Isto leva o Tribunal de Contas a recomendar ao ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, que fixe indicadores e objectivos mensuráveis nos programas que vier a rever. E que implemente “mecanismos de acompanhamento e avaliação global” destas áreas protegidas.
O tribunal insta igualmente a ministra do Mar a apresentar um relatório trienal no Parlamento sobre o estado do ordenamento e da gestão do espaço marítimo nacional, como devia ter vindo a fazer. Recomenda ainda que Ana Paula Vitorino diligencie a aprovação e publicação de um diploma que formalize a classificação das áreas protegidas integradas na zona económica exclusiva.
À DRGM e ao ICNF recomenda que melhorem a coordenação entre si.