O "Brexit", Portugal e a incúria do Governo
O governo continua mudo e quedo, a reboque de uma agenda que outros acabarão por formular.
1. No fim-de-semana, corriam rumores, entretanto desmentidos, de que teria sido fechado um acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia. Há quinze dias, correu igual rumor. Uma coisa é certa: a haver algum acordo, ele terá de ser conseguido por um destes dias, ainda em Novembro ou nos inícios de Dezembro. Com efeito, salvo uma pouco provável prorrogação da data de saída (29 de Março de 2019), o tempo está esgotar-se. Talvez por estarmos em sazão de "Brexit", o Presidente da República convocou para o dia de amanhã uma reunião do Conselho de Estado, com o fito único de debater este acontecimento de excepcional relevo. Aqui tenho escrito sobre o "Brexit" e o impacto que ele tem, teve e terá na política britânica e europeia. E também, embora de modo mais esparso, sobre o impacto que ele tem em Portugal e no nosso posicionamento geopolítico.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
1. No fim-de-semana, corriam rumores, entretanto desmentidos, de que teria sido fechado um acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia. Há quinze dias, correu igual rumor. Uma coisa é certa: a haver algum acordo, ele terá de ser conseguido por um destes dias, ainda em Novembro ou nos inícios de Dezembro. Com efeito, salvo uma pouco provável prorrogação da data de saída (29 de Março de 2019), o tempo está esgotar-se. Talvez por estarmos em sazão de "Brexit", o Presidente da República convocou para o dia de amanhã uma reunião do Conselho de Estado, com o fito único de debater este acontecimento de excepcional relevo. Aqui tenho escrito sobre o "Brexit" e o impacto que ele tem, teve e terá na política britânica e europeia. E também, embora de modo mais esparso, sobre o impacto que ele tem em Portugal e no nosso posicionamento geopolítico.
2. Em Portugal, tem-se estudado e debatido muito pouco um dos factos internacionais que mais pode influenciar a nossa “geopolítica”. A atitude do Governo e do ministro dos Negócios Estrangeiros merece reparos, reparos bem sérios. Ao contrário do que divulga a hagiografia oficial – de resto, ultimamente muito difundida nas páginas do PÚBLICO –, o Ministro Santos Silva tem descurado ostensivamente esta dimensão crucial da política externa e europeia portuguesa. Os amanuenses de serviço contraporão decerto que já houve umas visitas bilaterais de ministros e que, há um par de semanas, foi divulgado um estudo sobre o impacto económico nas empresas e na economia. Houve mesmo um anúncio de que teríamos um gabinete para estudar a atracção de empresas que abandonassem o território britânico – mais um daqueles anúncios à Costa de que nunca mais se conhece o rasto. Ora, os efeitos do "Brexit" sobre as exportações, sobre o turismo ou sobre a situação dos cidadãos expatriados de ambos países não representam uma singularidade portuguesa. As consequências económicas bem como a repercussão sobre o estatuto dos cidadãos far-se-ão sentir indiferenciadamente em todos os países da UE. Poderão, dependendo dos Estados-membros em questão, afectar com mais vigor este ou aquele Estado, mas no essencial têm algo de comum. Também neste campo, a acção do Governo português merece censura, mas não é aqui que ela mais gravemente claudica.
3. Basta olhar para o mapa para perceber a importância da relação luso-britânica para Portugal. Poderia, forçando a nota, lembrar-se a segunda cruzada, mas chega decerto a invocação do Tratado de Windsor de 1386. Para a Inglaterra, uma península unificada seria sempre uma terrível ameaça estratégica (por ter duas frentes, atlântica e mediterrânica, e ainda uma ligação ao continente). O controlo da fachada ocidental por um Estado diverso do Estado peninsular dominante era crucial para o desígnio marítimo dos britânicos. E, por outro lado, para Portugal, em especial depois da criação da Espanha, a existência de uma âncora atlântica exterior revelou-se vital para a independência. De algum modo, o que quero dizer está compreendido na definição de Portugal que atrevidamente tenho ensaiado: “Portugal é uma ilha rodeada de mar e de Espanha por todos os lados”. Na UE, o Reino Unido, pelo seu peso demográfico, económico e militar, é a potência que representa a visão atlântica e marítima, tipicamente não continental. O serviço que presta às pequenas e médias potências atlânticas, não continentais, mesmo quando elas não acompanham o seu voto, é insubstituível. É a representação dessa visão atlântica, dessa “extroversão” do continente, que vamos perder na UE! Estou à vontade para falar, pois é conhecido o meu europeísmo. Mas, mesmo sendo favorável a melhor integração, nunca tive ilusões: é preferível uma Europa menos integrada com os britânicos do que uma Europa mais integrada sem os britânicos. A pertença britânica à UE equilibrava a deriva para o centro e leste e fortalecia a defesa de uma visão atlântica. Talvez valha a pena lembrar que, tirando as relações do mundo lusófono ou iberoamericano, será a primeira vez que Portugal estará numa organização transnacional sem o Reino Unido (ONU, NATO, EFTA, Conselho da Europa, CEE).
4. Por tudo isto e bem mais, é imprescindível que, não podendo evitar a saída, se chegue a um bom acordo de divórcio. Nesse sentido, Portugal deveria estar a trabalhar de outro modo. Trata-se de uma pecha deste ministro, aliás, pouco dado aos assuntos europeus: logo no início de 2016, quando, por assim dizer, Cameron “negociava” com a UE o “conteúdo” a dar à pergunta do referendo, Portugal e a Bélgica bloquearam o processo quase até ao fim (o que causou grande perplexidade aos aliados britânicos). É incompreensível que o governo não tenha estabelecido uma plataforma com os restantes Estados marítimos, sem vocação continental, a saber: a Suécia, a Dinamarca, a Holanda e a Irlanda (eventualmente ainda a Bélgica). Por cá ninguém o assinala, mas a Holanda, a Dinamarca e a Irlanda têm cimeiras periódicas sobre o "Brexit". O governo continua mudo e quedo, a reboque de uma agenda que outros acabarão por formular. A criação de uma plataforma desse tipo valeria também para o pós-"Brexit" em que cinco ou seis países médios poderiam formar um bloco em torno de dois desígnios: representação da visão atlântica e mais ocidental da Europa; defesa de laços muito estreitos com o antigo membro Reino Unido. A isto acresceria a vantagem de Portugal executar uma “geometria variável”, aliando-se também a países do Norte não ficando confinado ao eixo quase ideológico do “club Med” ou social do “grupo da coesão”. Portugal, defendendo uma relação estreita e sã com os britânicos e integrando um “clube atlântico” dentro da UE, não está apenas a assegurar o interesse nacional permanente. Está também a garantir o interesse europeu. E, em tempos de centenário, a defender a Europa de si mesma.
SIM. Lídia Pereira. Aos 27 anos, a prometedora militante do PSD acaba de ser eleita presidente do YEPP, a juventude do PPE. Muito bem preparada, firme e carismática, reforça Portugal.
NÃO. Tancos, ataque ao Presidente. É notório que há quem queira desviar atenções, salpicando o PR. É por isso que Tancos não é nem pode ser reduzido a um ansioso caso de polícia, como pretende o PM.