Diz-se Senhora Presidenta e é uma galeria de arte no Bonfim
Mariana Malhão, Dylan Silva e Luís Cepa, três jovens artistas vindos da FBAUP, juntaram-se a Célia Esteves, experiente designer e criadora da GUR, e juntos abriram uma loja-galeria. A Senhora Presidenta existe e mora no Bonfim, Porto.
A Senhora Presidenta — assim mesmo, “Presidenta”, sem pompa e circunstância — convida a entrar. Tem janelas de cima abaixo, muita luz, uma loja de tapetes e uma jovem galeria de arte montada pelos três jovens artistas que trabalham lá atrás, num atelier que esconde secretárias, provas, esboços, teares e o cão Xuxu que, às vezes, decide mostrar-se, divertido.
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A Senhora Presidenta — assim mesmo, “Presidenta”, sem pompa e circunstância — convida a entrar. Tem janelas de cima abaixo, muita luz, uma loja de tapetes e uma jovem galeria de arte montada pelos três jovens artistas que trabalham lá atrás, num atelier que esconde secretárias, provas, esboços, teares e o cão Xuxu que, às vezes, decide mostrar-se, divertido.
Entremos, então. Lá dentro encontramos Mariana Malhão — “ilustradora, apesar da licenciatura em design”, 23 anos — Dylan Silva — 25, “considero-me sobretudo pintor” — e Luís Cepa, 24 — “assumidamente designer gráfico, sim”. Os três conheceram-se na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), muito próxima dali. “Há o quê, seis anos?” Mariana desvaloriza: “Não importa, também no início não éramos assim tão amigos.”
A ilustradora de Coimbra e o pintor da Marinha Grande já eram vizinhos. Da faculdade e, sem saberem, da antiga casa de sistemas de vigilância que, com a ajuda e "mentoria" da designer Célia Esteves, criadora dos tapetes GUR, transformaram na mais recente loja-galeria do Bonfim. Mas já lá vamos.
Antes, há cerca de um ano, os dois artistas começavam a Sábado-Feira, uma "feira de artes diversas no Maus Hábitos”, aos sábados. Tinham trabalho, mas faltava-lhes um espaço próprio, “sério”, para trabalharem. Ao mesmo tempo, inquietavam-se. “Mas e a seguir?” Passo um, decidiram: “Encontrar um atelier. Tínhamos saído da faculdade há pouco tempo e queríamos focar-nos no nosso trabalho enquanto artistas.”
Arrendaram, então, um espaço soalheiro voltado para o Mercado do Bolhão, poucos meses antes do início das obras no mercado centenário. Seduziram Luís Cepa, arranjaram-lhe uma secretária e nesse primeiro atelier divertiam-se a imaginar as histórias da primeira Senhora Presidenta — que na altura ainda era só uma (senhora) gaivota de bico arrebitado, sempre atenta aos momentos de distracção das peixeiras.
Mais do que “três jovens artistas loucos”
“Falávamos muito em ter uma galeria nossa”, confidencia Mariana Malhão. Mas precisavam de um “empurrão”. Coragem. Foram buscá-la a Célia Esteves, da Gur, e a Rui Vitorino Santos e Júlio Dolbeth, professores na FBAUP com atelier nas redondezas e fundadores da Dama Aflita, a desaparecida galeria de desenho e ilustração, uma das poucas no Porto. Sem ela, haveria um espaço por preencher na cidade?
“Falo por mim, eu tinha algum saudosismo em relação à Dama Aflita”, começa por dizer Luís. “Mas não sei se queremos esse peso, não sei se o aguentamos. O legado que traz… Somos coisas distintas.” “Ai Jesus do Céu”, deixa escapar Mariana. Dylan interrompe-os. “Claro que há a Ó!, mas nós sabemos que, em termos de galerias, o Porto comparado com Lisboa é muito mais fraco. Então porque não?”, atira-lhes.
Foi uma “simbiose” de vontades. Célia Esteves queria abrir a primeira loja física da Gur, a marca de tapetes de lã feitos à mão com o auxílio de um tear através da técnica tradicional do puxadinho. Foi a designer que encontrou aquele espaço, na Rua Joaquim António de Aguiar. “Vamos?”, perguntou-lhes. “E nós confiámos”, explica Mariana, que não se cansa de repetir que este “não é um projecto só de três jovens artistas loucos”. Ou que “sem aquela rede de segurança não estariam ali”. “E seria um desperdício deitar fora os conselhos que os três nos deram. E os pregos e outros materiais que herdámos [da Dama Aflita]”, brinca Mariana.
Tanto a Senhora Presidenta como a Gur partilham a porta 65 e o atelier com entrada pela galeria (um dos requisitos do grupo, para não terem de separar o artista do galerista). “Apesar de serem espaços teoricamente diferentes, contaminámo-nos”, poetiza Luís Cepa.
Aproveitam para fazer do encontro uma das regras de ouro da loja-galeria: “Não nos vamos focar numa coisa só. Não nos sentimos obrigados a dizer ‘nós somos isto’. Não queremos estar a fechar as portas porque é uma coisa totalmente diferente, ou porque não a entendemos.”
Na galeria, que se inaugurou a 15 de Setembro, querem “essa mistura toda”. “O interessante é mesmo haver essa dinâmica entre alguém com projecção internacional e alguém da cidade que está a agora a começar", realçam. Aquando da visita do P3, uma das paredes ainda se revestia de guardanapos. Em vez de limpar a boca, a dupla portuense Chei Krew rabiscou-os e transformou-os numa exposição que reflecte o quotidiano dos cafés portugueses. Depois de Berlim, a mostra passou pelo Porto, marcando assim a estreia das exposições VRRRUMMM, caracterizadas pela “efemeridade”. A partir de 3 de Novembro, a galeria recebe 20 piscinas e uma garrafa de Rum, com pinturas e desenhos de Bruno Borges. Com o tempo, o calendário quer também preencher-se de exibições de filmes, workshops, conversas. Datas, só para o ano.
Na semana anterior, decorreu ali o lançamento da terceira edição do “jornalinho de bairro” O Bonfim, publicação de distribuição gratuita criada por uma tradutora, uma ilustradora e uma designer gráfica da freguesia na parte oriental do Porto. Algumas cópias ainda repousavam por estes dias na galeria. Folheada a primeira página, o leitor pode encontrar um levantamento “do circuito de arte no Bonfim”, cada vez mais preenchido também por nesta zona ainda ser possível encontrar "áreas acessíveis para arrendar por estudantes e artistas”.
“Eu vivo a 20 metros daqui e tenho a noção que esta zona do Bonfim está a crescer muito. Acho que não queríamos ir para uma zona muito turística. Ou queríamos?”, pergunta, retórico, Dylan. “Eu não queria”, apressa-se Luís, e prossegue: “Uma das coisas boas daqui é que estás a dois minutos a pé do Coliseu, mas ao mesmo tempo esses dois minutos dão-te a segurança de estares um sítio calmo para trabalhar e onde ainda consegues ter a experiência quase de bairro, de cumprimentar as pessoas que passam lá fora.” No jornal, a fotografia que acompanha o levantamento dos espaços artísticos da “vizinhança” mostra, precisamente, aquela galeria, a mais recente adição a um circuito “em crescimento evidente”. E deixa uma pergunta, à espera de novas respostas: “À hora do fecho desta edição, quem sabe se novos pontos neste mapa não se desenham?”