“El Chapo”, o “maior criminoso do século”, começa a ser julgado em Manhattan
Mestre das fugas, rei dos túneis, Joaquín Guzmán Loera vai passar os próximos meses a ouvir algumas das pessoas que o traíram, contribuindo para o levar até à Prisão de Alta Segurança do Sul de Manhattan de onde dificilmente sairá.
O mito já o mundo conhece, chegou a altura de provar os crimes do “traficante mais poderoso do mundo”, como os Estados Unidos lhe chamaram em 2003, ou “maior criminoso do século XXI”, como é descrito pelos procuradores que a partir de segunda-feira tentarão condená-lo no Tribunal Federal de Brooklyn, em Nova Iorque. Uma coisa é certa: depois de dois anos na Prisão de Alta Segurança do Sul de Manhattan, Joaquín Guzmán “El Chapo” Loera é uma sombra do barão da droga que integrou as listas de mais ricos e mais influentes do mundo da revista Forbes.
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O mito já o mundo conhece, chegou a altura de provar os crimes do “traficante mais poderoso do mundo”, como os Estados Unidos lhe chamaram em 2003, ou “maior criminoso do século XXI”, como é descrito pelos procuradores que a partir de segunda-feira tentarão condená-lo no Tribunal Federal de Brooklyn, em Nova Iorque. Uma coisa é certa: depois de dois anos na Prisão de Alta Segurança do Sul de Manhattan, Joaquín Guzmán “El Chapo” Loera é uma sombra do barão da droga que integrou as listas de mais ricos e mais influentes do mundo da revista Forbes.
“Sofro todos os dias com dores de cabeça. Vomito quase quotidianamente. Dois molares por tratar provocam-me muito sofrimento. Vivo um calvário de 24 sobre 24 horas”, escreveu “El Chapo” em Fevereiro, numa carta dirigida ao juiz que tem a cargo o seu processo, Brian Cogan. Uma descrição que se encaixa na figura emagrecida e abatida vista nas audiências preparatórias.
Noutras missivas, “El Chapo”, que nasceu há 61 anos numa família pobre de uma aldeia nas montanhas de Sinaloa, no Noroeste do México, pede para ver a mulher e assim “resolver problemas” de acesso a fundos – o homem que, segundo o especialista em lavagem de dinheiro mexicano, Edgardo Buscaglia, controla ou tem poder sobre 3500 empresas em quatro continentes não tem dinheiro para preparar de forma conveniente a sua defesa.
“El Chapo” não está autorizado a ver a mulher (a ex-rainha de concursos de beleza Emma Coronel) nem o sol. Passa 23 horas por dia dentro da cela e de segunda a sexta-feira tem acesso durante uma hora a outra sala onde está um televisor. Visitas só dos advogados e das filhas, as gémeas de sete anos que teve com Coronel.
Não é por causa das dores de dentes ou da falta de acesso às centenas de milhões de euros que lavou através de bancos como o HSBC (a sede fica do outro lado do East River, quase em frente ao Tribunal de Brooklyn) que deixa de inspirar terror. Alta segurança é a expressão chave: o juiz Cogan evocou a possibilidade de ataques contra testemunhas ou outros envolvidos no processo; a maioria dos nomes dos que vão testemunhar foi apagada dos documentos oficiais (o juiz que o extraditou do México foi assassinado).
Tudo neste processo parece gigante, das 300 mil páginas dos autos de acusação, às centenas de milhares de gravações áudio, passando pelas perturbações que cada sessão vai implicar para o trânsito já habitualmente congelado de Nova Iorque (e que incluem encerrar a Ponte de Brooklyn a cada viagem do mexicano para o tribunal e cada regresso à prisão), e claro, pela designação que arrisca ser algo prematura de “maior criminoso do século”.
Para além de se queixarem de falta de fundos, os advogados de “El Chapo” passaram as últimas semanas a tentar convencer o juiz que é impossível estudarem a quantidade de provas e defenderem de forma conveniente o seu cliente. Ainda no início de Outubro, afirmam, receberam da acusação 117 mil gravações e 14 mil novas páginas de documentos.
Advogados "em pânico"
De nada valeram as queixas. O juiz recusou novos adiamentos (já houve dois) e esta segunda-feira começam a ser escolhidos os membros do júri. Aliás, Cogan não esconde a pouca paciência com que já está, ainda o julgamento não começou: diz que tanto a defesa como a acusação parecem estar em estado “de grande ansiedade”, enviando-lhe pedidos de última hora e fazendo-lhes repetidos telefonemas “em pânico”, mesmo ao fim-de-semana.
Não é para menos: os procuradores preparam-se para tentar provar que o homem que deve a sua alcunha de narco à baixa estatura (“El Chapo” quer dizer “baixinho” ou “acachapado”) dirigiu durante 25 anos uma organização criminosa responsável por milhares de mortes, raptos e actos de tortura, branqueamento de milhões de milhões de euros até chegar a fornecer 90% da cocaína e heroína consumida nos EUA e na Europa.
Nos próximos meses, “El Chapo” vai enfrentar muitos fantasmas (há pelo menos 16 testemunhas cooperantes) – ex-rivais mas principalmente antigos camaradas de Sinaloa e até um rapaz que via como um filho, “El Vicentillo”, filho de Ismael Zambada García, mais conhecido por “El Maio”, co-fundador do cartel que nunca passou um dia numa cela. Pelo contrário, Vicente Zambada Niebla, “El Vicentillo”, foi preso no México em 2009 e julgado nos EUA, onde a pena perpétua a que tinha sido condenado passou a dez anos de cadeia em 2014 devido à coloração com os investigadores.
Mensagem política
Rei dos túneis que lhe permitiram passar quantidades astronómicas de droga por baixo da fronteira Sul dos EUA e o tiraram pela última vez da cadeia (foi preso e fugiu duas vezes) e herói de inúmeros narcocorridos (música popular mexicana) que lhe gabavam os feitos, “El Chapo” garantiu a liberdade e o negócio através de uma rede de responsáveis que corrompeu “a todos os níveis dos governos local, municipal, estatal, nacional e estrangeiro”, lê-se nos documentos da acusação.
A história da sua captura final, em Janeiro de 2016, é conhecida e envolve o fascínio por uma actriz, Kate Castillo, um encontro com o actor e realizador Sean Penn e uma vaidade incontrolável.
A data da extradição, 19 de Janeiro de 2017, não é uma coincidência. “É uma mensagem política clara, ‘estamos a entregá-lo a um governo com que colaboramos há muito’”, diz Jorge Chabat, do centro de investigação CIDE, da Cidade do México, ouvido pelo jornal The Guardian. “Na escolha de não o enviar depois da posse de [Donald] Trump [a 20 de Janeiro] há um subtexto: ‘não poderemos fazer isto por vocês no futuro a não ser que tenhamos uma boa relação’”. Nunca mais houve um narcotraficante extraditado para os EUA.