E a Ásia, Paddy?
Na Web Summit, a Ásia ainda não mostra a força que tem enquanto investidor na Europa. Japão pede reforço da presença asiática em Lisboa.
Uns chamam-lhe “a maior conferência de tecnologia do mundo” (Inc.). Outros dizem que é “a melhor conferência de tecnologia do planeta” (Bloomberg). Mas olhando para quem vai à Web Summit em Portugal, conclui-se que é só uma parte do planeta – a Ásia ainda continua a leste (já para não falar de África). E são os próprios asiáticos que pedem uma maior presença.
“É desejável que se aumente as oportunidades e encoraje mais investidores do Japão a participarem na Web Summit”, defende Sotaro Nishikawa, director de inovação da JETRO, a homóloga japonesa da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal. A mesma ideia repete-se na China. “Penso que a nossa estratégia de longo prazo terá de passar por aí, levar mais startups e investidores da Ásia à Web Summit”, sustenta Casey Lau, o "Paddy asiático", a partir de Hong Kong.
Lau foi recrutado pelo fundador da Web Summit, Paddy Cosgrave, para gerir os interesses da empresa na Ásia e organizar a Rise, a conferência-irmã da Web Summit. Estará a Rise a canibalizar o interesse asiático? Casey Lau defende que não, em entrevista ao PÚBLICO. "Se queremos trazer mais pessoas da Rise para Portugal e Lisboa? Absolutamente sim e já estamos a fazer isso. A Rise ainda é uma conferência jovem, mais pequena [15 mil participantes, 700 startups e 500 investidores na edição 2018], ao passo que a Web Summit já está a criar uma enorme comunidade. Quem está a descobrir a Rise vai querer saber por que se fala tanto de Lisboa na Europa. O mesmo se pode dizer da Collision [conferência anual no Canadá, organizada pela empresa de Cosgrave]. Há muito por onde crescer e espero poder trabalhar com o Paddy para levar mais da Ásia até Portugal."
Torneiras abertas
A Ásia tem revelado um poder de fogo invejável para uma Europa que, na Primavera de 2018, constituiu um fundo pan-europeu para angariar financiamento e recuperar o atraso. O objectivo do VentureEU era chegar aos 2100 milhões de euros e, no curto ou médio prazo, ajudar a captar quase 7000 milhões de euros de investimento para startups. Porém, é uma resposta tímida, atendendo à quantidade de capital que tem estado a sair das torneiras asiáticas. No segundo trimestre deste ano, a Ásia liderou o investimento mundial em startups através de capital de risco (venture capital), com oito dos dez maiores negócios nesse período e um total de 35,9 milhões de dólares investidos (relatório completo aqui, em PDF). Bateu largamente o líder mundial, os EUA, e canalizou quase sete vezes mais dinheiro para novas empresas tecnológicas do que a Europa.
"A Ásia teve um crescimento notável do tamanho médio dos deals desde 2013, impulsionado sobretudo pelos chamados mega deals", explica Ricardo Rosa, director da área de consultoria da KPMG, especializado em transacções. "A última ronda de financiamento da Ant Financial foi o expoente máximo desta tendência de mega-deals", salienta, aludindo aos 14 mil milhões de dólares angariados por aquela empresa, que presta serviços financeiros. Tal nível de investimento, numa empresa fintech, à terceira ronda de angariações (série C), revela o nível de compromisso com o mercado tecnológico, o elevado poder de financiamento actualmente existentes na China e a crença de que estes investimentos são seguros e fazem parte do desenvolvimento económico.
Os investidores asiáticos estão atentos a outras geografias. Entre 2013 e 2017, a Ásia multiplicou por seis a quota de mercado de investimento em startups na Europa; no ano passado, a região ficou a milímetros de ultrapassar o líder (EUA) em investimento total em capital de risco. Porém, quando se olha para as 70 mil presenças da Web Summit que hoje começa, a força asiática não tem a mesma notoriedade.
150 startups e 89 investidores da Ásia em Lisboa
De entre 2000 startups participantes, cerca de 150 (ou 7,5%) vêm do Extremo Oriente. E entre investidores, o cenário é o mesmo: apenas 89 dos 1400 investidores inscritos na Web Summit vêm da Ásia ou representam investidores asiáticos, o que dá uma magra percentagem de 6,35%, segundo os dados fornecidos pela organização. Até o Brasil terá mais investidores (120) do que a Ásia, que tem construído um estatuto de potência mundial ao longo dos últimos anos.
É apenas uma questão de número? Claro que não, até porque os 68 fundos de investimento asiáticos que vão estar em Lisboa incluem nomes relevantes do panorama: Aleph, Maniv Mobility, Taiwan 500 Startups, DST Global, Matrix Partners, ZhenFund são algumas das presenças confirmadas. Mas se a Web Summit é uma plataforma para empreendedores e investidores corporate ou fundos de investimentos, é de esperar uma maior presença daqueles que mais vigorosamente mostram disponibilidade para investir no mercado externo.
Quando se fala da Ásia, pensa-se sobretudo na China, diz Casey Lau. Isto porque o país representará entre 70 a 80% do investimentos com venture capital naquele continente. Isso deve-se às prioridades de Pequim, que transformou a Inteligência Artificial numa questão nacional, tendo elaborado um plano em torno do chamado deep tech (machine learning, sistemas autonónomos, robótica, eficiência energética). Para proteger esta aposta, Pequim impediu grandes tecnológicas mundiais de entrarem sozinhas no país. E promove empresas, universidades e centros de investigação chineses como parceiros obrigatórios para os estrangeiros.
Isso permitiu a ascensão de empresas como o triunvirato BAT (Baidu, Alibaba e Tencent), que hoje são das maiores tecnológicas do mundo e com bolsos muito fundos. O mais recente investimento da Tencent aconteceu há três dias: 150 milhões de dólares para uma empresa de ensino online fundada por um acordeonista de Xangai. Em Outubro, tinha investido 2,1 milhões numa empresa do Porto, a Infraspeak. "Se tens uma startup e estás a fazer bem as coisas e a apresentar resultados, é provável que já tenhas recebido uma chamada de um investidor chinês", resume Casey Lau.
Singapura, Índia, Indonésia e Japão são igualmente relevantes. O japonês SoftBank é o dono maioritário da Uber. Gere um fundo de 100 mil milhões de dólares (um pouco mais do que metade da riqueza anual de Portugal) para investimentos em sectores tecnológicos. A 1 de Novembro, foi o principal investidor na ronda de angariação de 375 milhões de dólares de uma plataforma californiana de distribuição de pizzas. Não há nada que escape ao radar asiático – assistido por contas bancárias recheadas.
Todo o mundo está no radar
No Japão, tal como na China, não falta capacidade de investir no exterior, como salienta o director de inovação da JETRO, Sotaro Nishikawa. "À semelhança do que sucedeu noutros países asiáticos, 11,4% do investimento com capital de risco japonês no estrangeiro teve como destino a Europa durante o segundo trimestre deste ano. É um esforço superior ao que foi feito pelos EUA", garante o mesmo responsável ao PÚBLICO. "Algumas empresas japonesas como o SoftBank e Fujitsu têm procurado parceiros para alargar as ambições na Europa."
Tóquio criou o programa J-Startup, para ajudar 100 empresas recém-criadas a desenvolver negócios fora do país. E organizou uma embaixada com stand próprio na Web Summit, para aumentar a presença nipónica em Lisboa que, segundo a JETRO, rondou as 60 pessoas no total das duas primeiras edições feitas em Portugal. O financiamento angariado em 2017 no Japão "foi o mais elevado em dez anos", descreve Sotaro Nishikawa.
O governo de Tóquio não quer perder esta "batalha", coordenando uma estratégia que passa cada vez mais pelo corporate venture capital (CVC), isto é, os capitais de risco provenientes de empresas que passaram elas próprias a investir em startups com o objectivo de acompanharem melhor a evolução tecnológica. Muitas vezes, o CVC vem das próprias empresas ameaçadas pelas novas ideias e tecnologias das startups.
O interesse nipónico, nos últimos tempos, tem sido canalizado para o deep tech, plataformas, e tecnologias ou modelos de negócio comprometidos com metas de desenvolvimento sustentável, esclarece Nishikawa. "A JETRO abriu 12 hubs de aceleração. Na Europa, estamos em Berlim, Helsínquia, Londres e Paris. E nestes hubs também apoiamos startups locais que queiram expandir-se para o Japão", anota.
Por outro lado, a China, que "no passado foi lenta a adoptar tecnologia e que, por isso mesmo, é agora um mar de oportunidades ainda por explorar", sublinha Casey Lau. Pequim replicou o programa "One Road, One Belt" – um plano multimilionário para desenvolver infra-estruturas em mais de 60 países da Ásia Central e de África – para a área tecnológica. Ainda que tenham medidas muito distintas, ambas as iniciativas mostram que "a nova rota da seda" tanto pode ter lugar na terra como na Internet.
"É expectável que, depois do crescimento exponencial das operações nos mercados internos, estas startups [asiáticas] comecem a olhar com mais atenção para os mercados internacionais. E nesse sentido é natural que vejamos estas empresas a tentarem posicionar-se nos mercados europeus. O Web Summit poderá ter um papel importante neste processo", defende Ricardo Rosa da KPMG, que é aliás uma das parceiras da conferência que vai mexer com Lisboa até quinta-feira.