A alimentação é o que mais pesa na pegada ecológica de Portugal
Saldo entre a pegada ecológica e a capacidade de regeneração dos recursos naturais coloca seis municípios portugueses sempre no papel de devedores. Concelhos do interior querem ser compensados pelo desempenho produtivo.
O conceito de pegada ecológica é quase sempre colado à emissão de dióxido de carbono com origem nos transportes. E ainda que esta seja a segunda componente mais relevante, a alimentação é a principal alavanca das pegadas excessivas de seis municípios portugueses que quiseram calcular a pressão que o consumo dos seus cidadãos exerce sobre os ecossistemas. Foi isso que um projecto que junta a associação ambientalista Zero, a Global Footprint Network (responsável pelo conceito e métrica da pegada ecológica) e a Universidade de Aveiro fez para Almada, Bragança, Castelo Branco, Guimarães, Lagoa e Vila Nova de Gaia.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O conceito de pegada ecológica é quase sempre colado à emissão de dióxido de carbono com origem nos transportes. E ainda que esta seja a segunda componente mais relevante, a alimentação é a principal alavanca das pegadas excessivas de seis municípios portugueses que quiseram calcular a pressão que o consumo dos seus cidadãos exerce sobre os ecossistemas. Foi isso que um projecto que junta a associação ambientalista Zero, a Global Footprint Network (responsável pelo conceito e métrica da pegada ecológica) e a Universidade de Aveiro fez para Almada, Bragança, Castelo Branco, Guimarães, Lagoa e Vila Nova de Gaia.
É a primeira vez que se olha para a pegada ecológica ao mesmo tempo que se calcula a biocapacidade dos municípios. A pegada ecológica mede a área – em terras de cultivo, pastagens, florestas, áreas de pesca – que um cidadão precisa para produzir o que consome e absorver o lixo que produz. A biocapacidade mede aquela que está disponível para regenerar esses recursos. Ambas são medidas em hectares globais (gha) por pessoa e, para este estudo, baseiam-se em dados de 2011 a 2016. Ficou demostrado que estes municípios – como, aliás, Portugal e outros cerca de 130 países – consomem mais recursos do que aqueles que estão disponíveis, ficando a dever à natureza. O peso do consumo insustentável de produtos alimentares é tão evidente neste cálculo que os investigadores decidiram desagregá-lo e calcular a pegada ecológica da alimentação.
Viver à volta de um prato
Não é surpreendente que os municípios com mais população sejam aqueles com maior peso na pegada nacional: Vila Nova de Gaia, Almada e Guimarães representavam, respectivamente, 2,9%, 1,7% e 1,4% da pegada ecológica de Portugal, em 2016. E que a biocapacidade seja mais elevada nos concelhos com vasto manto florestal e agrícola. Castelo Branco e Bragança são, por isso, os que mais contribuem para o total nacional, com 0,9% e 0,7%, respectivamente.
O que não era esperado, diz Sara Moreno Pires, coordenadora científica do projecto e professora na Universidade de Aveiro, eram as elevadas pegadas ecológicas nestes dois municípios interiores. Um cidadão de Castelo Branco precisa de 4,02 gha – e um de Bragança de 4,01 gha – de área produtiva para suportar o seu estilo de vida. Em média, os portugueses precisam de 3,94 gha por pessoa.
Isto explica-se pelo que os cidadãos colocam no prato. Bragança tem uma pegada ecológica na alimentação 19% superior à média nacional (1,27 gha, quando a média é 1,16 gha). E a alimentação já é, para todo o país, o elemento que mais pressão traz aos ecossistemas. “Os nossos padrões de consumo são de tal forma similares nas zonas urbanas que o impacto que a interioridade poderia ter é diluído”, diz a investigadora da Universidade de Aveiro.
Nestes seis municípios, o consumo de proteína animal corresponde a mais de metade da pegada da alimentação: a carne pesa entre 23% a 28%, e o peixe cerca de 26%. E se tivermos em conta que a produção de carne vermelha, de bacalhau, atum e salmão – os peixes mais consumidos em Portugal – exige muitos recursos naturais, justifica-se por que Portugal é dos países mediterrânicos cuja alimentação mais mal faz ao planeta. É também dos que precisa de mais espaço produtivo para ter que comer, demonstrou um estudo de 2015 da Global Footprint Network.
“Isto reflecte a forma como vivemos em torno da comida. Temos que assumir uma mudança no consumo – passar de um quilo de bacalhau para um quilo de cavala, por exemplo”, diz Sara Moreno Pires. A mudança deve passar também pela redução do desperdício na restauração, a compra de produtos locais para as cantinas e a criação de redes de produtores locais.
Depois disso, só os transportes têm um peso significativo na pegada ecológica (entre 19 e 23%).
Recursos só até Maio
Em termos de pegada ecológica, os concelhos de Castelo Branco e Bragança só são ultrapassados por Almada, que chega aos 4,8 gha por pessoa. Aliás, se a população mundial consumisse como os cidadãos de um destes três municípios, seriam necessários 2,4 planetas para repor os recursos naturais.
A questão pode ainda ser vista noutro prisma. Se a população mundial consumisse como consome, em média, um cidadão de Almada, os recursos que o planeta é capaz de produzir num ano teriam esgotado a 27 de Maio. O mesmo acontecia a 30 de Maio se todos fossem como os bragantinos ou os albicastrenses. No mais tardar, o dia de sobrecarga da Terra acontecia a 4 Julho, se o consumo humano seguisse o padrão dos habitantes de Lagoa. Este é o concelho com a menor pegada (3,25 gha), facto que os investigadores atribuem ao menor poder de compra. Também por isso, este valor diverge tanto da pegada ecológica média de um cidadão da região do Algarve (é 16% menor).
Estes dados, vistos de forma isolada, permitem aos municípios tomar políticas mais informadas e entender melhor os problemas ambientais do território. Mas Sara Moreno Pires considera que não se pode assumir que todas as cidades têm que ser, por si só, sustentáveis. Ainda que haja oportunidade para valorizar e proteger os recursos naturais, de forma a tirar melhor proveito deles, há condicionantes locais – como a densidade populacional em concelhos fortemente urbanos, os padrões de consumo e poder de compra, ou o perfil das actividades económicas – que são difíceis de ultrapassar para se equilibrar a balança entre o que se gasta e o que se produz.
Por isso, as “zonas urbanas precisam de valorizar os territórios do interior, porque é aí que está a capacidade produtiva”. São esses que permitem que a balança não seja mais desequilibrada. Esta necessidade de valorizar economicamente a biodiversidade e compensar os municípios que gerem territórios importantes para a sustentabilidade do país, que tem sido defendida por académicos e ambientalistas, foi apoiada pelos autarcas dos concelhos com maior biocapacidade, Bragança e Castelo Branco, durante a apresentação dos estudos, esta semana, nestas cidades. Afinal, o “equilíbrio litoral-interior é também vital para a sustentabilidade do país”, diz Sara Moreno Pires.
O mesmo é aplicável a nível local, por exemplo, se se “compensar um proprietário privado que tem uma área florestal importantíssima para o concelho para a poder preservar", exemplifica.
A partir do próximo ano, estes concelhos vão poder aprofundar estes resultados e testar opções de mitigação com o auxílio de calculadoras online de pegada ecológica que, pela primeira vez, serão alimentadas por dados portugueses, calibrados para o contexto de cada município. E outros municípios podem juntar-se ao projecto, conhecendo mais de si e ajudando a construir uma imagem mais completa da pegada que, localmente, se deixa no ecossistema nacional.