Anatomia de uma reputação

“Uma reputação não é baseada na verdade mas na crença”. O aviso é feito por Kent Campbell, especialista em reparações ou, em inglês, fixer, termo pouco conhecido e que entrou no vocabulário quando rebentou o escândalo Cristiano Ronaldo. Afinal, o que fazem em concreto estes “consertadores”, num tempo em que “as pessoas pensam por imagens”.

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Simon Stacpoole/Offside/Getty Images

Os fixers consertam ou reparam reputações como uma coisa que se estragou e precisa do diagnóstico de um profissional, ferramentas próprias e, convém, alguma experiência. Com ou sem responsabilidade directa do cliente (que pode ser uma figura pública, uma empresa ou uma entidade), estes especialistas em recuperação da reputação são contactados sempre que esta está em risco. Para eles, são todos tratados como marcas.

O termo “fixers” apareceu na reportagem da revista alemã Der Spiegel sobre as suspeitas de violação sexual que envolvem o nome do futebolista português. De acordo com a Der Spiegel, quando o assunto foi divulgado, para além do seu advogado português, Cristiano Ronaldo terá contratado uma equipa de fixers norte-americanos. O P2 foi tentar perceber o que é estes fazem e acrescentam aos advogados quando está em causa aquilo que o “guru” norte-americano Warren Buffet diz que “demora 20 anos a construir e cinco minutos a arruinar”: a reputação. A maior diferença é que, enquanto uns usam as leis e vão para a boca de cena defender o seu cliente, os fixers fazem o diagnóstico online. Como detectives privados, operam nos bastidores e com o máximo recato, numa valsa imprevisível com o relógio, que tanto pode correr contra como a favor.

“Dizem que uma mentira pode viajar para o outro lado do mundo enquanto a verdade está a calçar os sapatos”, explica ao P2 Kent Campbell, da Reputation X. “As histórias falsas ou imprecisas costumam ser mais partilhadas do que as factuais”, acrescenta. Nesta área de mercado, como assinala o especialista, “uma reputação não é baseada na verdade, mas na crença”. Tudo isto é independente do processo jurídico. O papel dos fixers é, por isso, diferente do dos advogados. “Os advogados geralmente reagem aos problemas enviando cartas ameaçadoras e aumentando a crise”, refere Kent Campbell. “Sem querer, podem piorar as coisas, quando a delicadeza e métodos mais subtis são mais adequados”, acrescenta o especialista.

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Para o consultor Tiago Franco, “a marca CR7 não teve o mínimo cuidado em controlar a história [Ronaldo/Mayorga] com a informação que já detinha Massimo Pinca/Reuters

A narrativa do contraponto

Não é sobre os aspectos legais que a equipa de fixers se debruça, mas sobre a forma como a opinião pública e os influenciadores estão a reagir ao caso online. Todo o material que sai fora e dentro da Internet é examinado com um cuidado quase laboratorial: notícias, artigos de opinião, comentários e posts de todo o género. Assim como quando se detecta um vírus, é preciso perceber por onde está espalhado, com vista a transformá-lo “em benefício da pessoa ou empresa cuja reputação esteja a ser ameaçada ou a ser arruinada”, explica.

“Algumas histórias vão desaparecer naturalmente”, defende, sem querer dar detalhes sobre os seus clientes ou os casos que já ajudou a reparar. Nessas situações, “não fazemos nada, porque responder pode dar uma nova vida à história”. Mas há assuntos ou casos que pedem outro tratamento. Trata-se daqueles que “parecem estar a entrar numa trajectória para se tornarem altamente visíveis (...) online”.

“Podemos criar uma narrativa de contraponto que refute falsas alegações ou imprecisões e promovermos esse conteúdo, para que (as pessoas) vejam os dois lados da história”, exemplifica Campbell. Ou então sermos ainda mais radicais e “tentar remover determinado conteúdo de cena”, acrescenta. “Às vezes, localizamos notícias e artigos favoráveis e promovemo-las de uma maneira que as torne mais proeminentes e mais visíveis (...)”, acrescenta. “Quando fazemos isso, os jornalistas não sabem o que está a ser feito, eles apenas vêem a história deles ganhar mais força.” “Magicamente!”, diz, em tom de brincadeira.

Convencer os influenciadores

No universo online, “quase toda a gente é vista como uma marca”, refere Kevin Campbell. As marcas podem ser produtos, serviços ou pessoas. Quando os utilizadores tomam contacto visual com elas, tomam a decisão de interagir com elas de algum modo: pode ser um clique num site, o pedido de adesão a um grupo qualquer, uma mensagem a alguém em especial. Dito de outra forma, os cibernautas “já estão a formar uma opinião com base no que vêem online (...) não porque tenham experiência directa com a marca”.

Se as pessoas estiverem a ver alguma marca cuja reputação esteja a ser posta em causa nesse momento, o que os fixers precisam de saber é o que podem alterar. “Uma agência é contratada para consertar a reputação online, a fim de mudar a opinião pública. Se algo negativo existir, isso pode sair muito caro”, explica Kent Campbell.

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Arnd Wiegmann/Reuters

Este especialista norte-americano enumera algumas estratégias da sua empresa para reparar os danos de reputação: “Melhorar os comentários e avaliações de itens no Google Reviews (...); as avaliações do Facebook e no Yelp (...); negociar a remoção de conteúdo de sites (...); saber o que foi removido nos resultados da pesquisa do Google e convencer os influenciadores a falar de uma maneira positiva.”

“Vivemos no teatro das emoções”

Em Portugal, não existem fixers como nos EUA, mas existem consultores de reputação. “Os regimes jurídico-legais são diferentes e o tempo da justiça nos Estados Unidos é mais célere”, explica Tiago Franco, consultor da Bonneville Franco & Associados, parceira da Engaging Consulting.

O seu papel é dar aconselhamento estratégico a quem os procura, com base na “compreensão, análise e aprofundamento (dos casos), bem como na escolha dos targets”. Para tal, refere como “fundamental” a consciência das mudanças ocorridas nos últimos anos no que se refere à circulação e partilha da informação: “Temos de perceber que o palco mediático está a ser substituído pelo teatro das emoções em formato digital”, nota este consultor. O mundo contemporâneo “é um território fértil de imagens, os emojislikes fazem com que novas gerações inscrevam imagens nas análises que fazem”, refere ao P2. “As pessoas pensam por imagens.”

Como profissional nesta área, Tiago Franco diz nortear-se por três “leis” fundamentais, quando estão em causa problemas de reputação. A primeira é reconhecer os desaires ou negligências ocorridas: “Não se deve ser surpreendido pelos factos e tentar controlar a história desde o início. É fundamental ser honesto e explicar sumariamente as circunstâncias em torno da falha (se houver) ou omissão da sua história”, explica. Em segundo lugar, há que “pedir desculpa, quando se está errado”. Contudo, diz ao P2, “tem de ser um pedido de desculpa sincero e não defensivo ou contrariado”. Por último, é preciso ter o controlo da situação de crise para começar “a trabalhar cedo na solução”. Tiago Franco defende que “a melhor maneira de desembaciar uma má reputação é fazê-la com os próprios termos ou linguagem, sem ser forçado a usar qualquer palavreado ou retórica”. Sobretudo, deve evitar-se uma “avalanche de especulações ou determinação”. Por fim, aconselha a que não se minta: “A mentira é a ruína”, conclui.

O “caso” Cristiano Ronaldo

Tanto Kent Campbell como Tiago Franco acompanham com especial atenção o que tem vindo a público sobre as acusações de violação feitas a Cristiano Ronaldo pela norte-americana Kathryn Mayorga. “O problema que as celebridades têm é que sua fama é aproveitada e usada para amplificar as mensagens de publicações online, independentemente de as acusações serem verdadeiras ou não”, avança o fixer norte-americano. “A atitude do lado da publicação (a revista Der Spiegel) é gerar receita e visualizações e a de Cristiano Ronaldo é defender-se”, argumenta. “No caso de Cristiano Ronaldo, a música ainda não parou. Quando isso acontecer, poderemos ver onde estão os dançarinos e decidir o melhor caminho para ele”, continua Campbell. “Costumamos dizer aos nossos clientes célebres que sejam honestos e transparentes, mas de uma forma ponderada”, avança. Mas a sua experiência como fixer diz-lhe que o que o cliente “diz e faz é, na verdade, uma pequena (mas importante) parte de uma campanha de reconstrução de reputação”. “O truque para reconstruir uma reputação é conseguir que os outros o apoiem”, acrescenta.

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Tiago Franco: “O truque para reconstruir uma reputação é conseguir que os outros o apoiem” Massimo Pinca/Reuters

Por seu lado, Tiago Franco não compreende como o caso Ronaldo/Mayorga chegou a este ponto: “A marca CR7 não teve o mínimo cuidado em controlar a história com a informação que já detinha”, defende. Para o consultor português, “não é compreensível que não tenham soado os alarmes nos gestores da marca CR7, que tem 144,5 milhões de seguidores do Instagram”, a conta com mais seguidores nesta rede social.