Eis o chocolate mais antigo do mundo

Artigo publicado na Nature Ecology & Evolution conclui que a domesticação do cacau terá acontecido 1500 anos antes do que se pensava e, afinal, tudo se terá passado na América do Sul e não na América Central

Foto
Até agora, o uso da safra do cacau era remetido para há 3900 anos Nelson Garrido

A partir de restos de grãos e sementes encontrados em cacos de antigas cerâmicas foi possível corrigir a data e o local de origem do Theobroma cacao, mais conhecido por cacau. Afinal, a domesticação do fruto que nos leva até ao irresistível chocolate terá começado 1500 anos antes da data estabelecida até agora e que apontava para há 3900 anos. De acordo com uma equipa de cientistas que publicou um artigo na revista Nature Ecology & Evolution, é preciso também alterar o local de nascimento do chocolate e onde se lia América Central deve agora escrever-se América do Sul, mais precisamente no território hoje ocupado pelo Equador.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A partir de restos de grãos e sementes encontrados em cacos de antigas cerâmicas foi possível corrigir a data e o local de origem do Theobroma cacao, mais conhecido por cacau. Afinal, a domesticação do fruto que nos leva até ao irresistível chocolate terá começado 1500 anos antes da data estabelecida até agora e que apontava para há 3900 anos. De acordo com uma equipa de cientistas que publicou um artigo na revista Nature Ecology & Evolution, é preciso também alterar o local de nascimento do chocolate e onde se lia América Central deve agora escrever-se América do Sul, mais precisamente no território hoje ocupado pelo Equador.

Há muito, muito tempo, os grãos de cacau eram usados como moeda de troca e usados para fazer bebidas de chocolate para consumir em dias de festa, celebrações e rituais. Hoje, já não é bem assim: o chocolate já não é reservado apenas para dias de festa e ocupa o lado bom da longa lista de dependências (se é que existem dependências positivas) que inventámos ao longo dos tempos. E o estudo publicado esta semana na Nature Ecology & Evolution revela que este doce hábito foi “inventado” há mais tempo do que se pensava.

A cultura do Theobroma cacao foi culturalmente importante na Meso-América pré-colombiana, uma região histórica e cultural na América do Norte que se estende do centro do México até Belize, Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Norte da Costa Rica. Um resumo do artigo que explica ainda que as provas arqueológicas do uso da safra deste fruto, que datavam de há 3900 anos, ajudaram a cimentar a ideia de que foi domesticado na América Central.

No entanto, novas provas genéticas (e não só) mostram agora que a maior diversidade de Theobroma cacao e outras espécies relacionadas existe na América do Sul equatorial, onde o cacau é importante para os grupos indígenas contemporâneos, sugerindo que este pode ser o local de origem da cultura doméstica. Michael Blake é um dos autores do trabalho que envolveu um minucioso estudo de artefactos de cerâmica encontrados no sítio arqueológico de Santa Ana-La Florida (no Sudeste do Equador), o mais antigo local conhecido da cultura maio-chinchipe, que foi ocupado há pelo menos 5450 anos.

Os autores apresentam diferentes provas para mostrar que a cultura maio-chinchipe usava cacau num período que pode ir até há 5300 anos. Por um lado, confirmaram a presença de grãos de amido específicos do Theobroma cacao no interior de fragmentos de cerâmica. Por outro lado, detectaram resíduos de teobromina, um alcalóide amargo encontrado no T. cacao mas não nos seus parentes próximos silvestres. E, por fim, analisaram fragmentos de ADN antigo que apresentam sequências exclusivas do Theobroma cacao.

“Estas descobertas sugerem que o povo maio-chinchipe domesticou Theobroma cacao pelo menos 1500 anos antes de a cultura ser usada na América Central. Como alguns dos artefactos de Santa Ana-La Florida têm ligações com a costa do Pacífico, os autores propõem que o comércio de mercadorias, incluindo plantas culturalmente importantes, poderia ter iniciado a viagem de cacau para o norte”, refere o artigo. Assim, esta nova rota estabelece que o chocolate “nasceu” na parte superior da Amazónia, tendo sido negociado ou transportado para o Norte da Colômbia, antes de chegar à América Central e ao México. E, assim, se empurrou a origem do chocolate para trás no tempo e para o sul no lugar de nascimento. “Tanto quanto sabemos, estas descobertas constituem a mais antiga prova do uso de T. cacao nas Américas e o primeiro exemplo arqueológico inequívoco de seu uso pré-colombiano na América do Sul”, concluem os autores.

O trabalho confirma os resultados preliminares divulgados pela mesma equipa já em 2013. Michael Blake explica ao PÚBLICO que nessa altura foi divulgado o relatório de Francisco Valdez, outro dos autores do artigo, sobre a arqueologia no sítio de Santa Ana-La Florida e onde eram relatados os resultados de todo o trabalho realizado durante vários anos anteriores ao trabalho de campo. Neste documento, que visava garantir financiamento para futuras expedições e análises, já se apresentavam os resultado de análise aos grãos de amido descobertos em cerâmica neste local.

Agora, refere Michael Blake, essa análise foi refinada, juntou-se a a análise de biomarcadores de artefactos para procurar teobromina e a identificação do ADN antigo de cacau. E as suspeitas foram confirmadas. “Isso significa que estamos a relatar pela primeira vez os resultados da análise de biomarcadores usando espectrometria de massa para os artefactos e Santa Ana-La Florida para identificar o uso de cacau. E estamos a apresentar os resultados sobre o ADN antigo, identificando sequências de cacau em muitos dos artefactos que estudamos – algo que nunca havia sido feito antes”, sublinha o autor do artigo.

  A equipa realizou vários testes a vasos cerâmicos e artefactos de pedra recuperados do sítio arqueológico, encontrando os vestígios (grãos, resíduos e provas de ADN) de chocolate que procurava. Na verdade, para a maioria das pessoas não será muito importante saber onde e quando nasceu o chocolate. O essencial é mesmo ter chocolate aqui e agora.