Onda de críticas leva Bolsonaro a recuar na fusão dos ministérios da Agricultura e do Ambiente

O Presidente eleito pretendia vincular pasta do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura. Agora, afasta hiótese mas garante que ministro do Ambiente não será alguém "xiita".

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LUSA/RICARDO MORAES / POOL

Ambientalistas, antigos e actuais ministros e o sector agrícola uniram-se nas críticas à possível fusão dos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, obrigando o Presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, a recuar nesta promessa eleitoral. Os efeitos nas políticas ambientais - sobretudo na gestão da Amazónia, no compromisso com o Acordo de Paris e no agronegócio -, eram as principais preocupações.

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Ambientalistas, antigos e actuais ministros e o sector agrícola uniram-se nas críticas à possível fusão dos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, obrigando o Presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, a recuar nesta promessa eleitoral. Os efeitos nas políticas ambientais - sobretudo na gestão da Amazónia, no compromisso com o Acordo de Paris e no agronegócio -, eram as principais preocupações.

Durante a campanha eleitoral Bolsonaro, eleito no dia 28 de Outubro, garantiu que ia juntar os ministérios da Agricultura e do Ambiente. Depois da primeira reunião da sua equipa de transição, na terça-feira no Rio de Janeiro, onde começou a alinhar a composição do Executivo, a fusão foi dada como confirmada.

Porém, logo na quarta-feira, o ministro do Meio Ambiente do Governo Temer (que cessa funções no fim do ano), Edson Duarte, questionou a viabilidade de um ministério com pastas que têm agendas próprias e que podem, em alguns casos, entrarem em conflito.

"O novo ministério que surgiria com a fusão teria dificuldades operacionais que poderiam resultar em danos para as duas agendas", disse o ministro numa nota enviada à imprensa.

Num artigo publicado na Folha de São Paulo, oito ex-ministros do Ambiente apelaram à manutenção da autonomia deste ministério e à continuidade do Brasil no Acordo de Paris, chamando a atenção para as responsabilidades internacionais do país neste campo – Bolsonaro chegou a pôr em causa a permanência do Brasil no pacto de Paris, ainda que, mais tarde, tenha garantido que o país vai continuar no acordo global sobre o clima.

“É inegável a necessidade de dar continuidade ao aperfeiçoamento da gestão ambiental no Brasil, que vai além dos temas relacionados ao uso da terra”, escrevem os antigos ministros. “Não podemos correr o risco de isolamento político internacional ou do fechamento de mercados consumidores para as nossas exportações. Não podemos desembarcar do mundo em pleno século XXI”, concluem.

Também do sector agrícola chegaram dúvidas relativamente à fusão. O actual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, usou o Twitter para lamentar a decisão da fusão e para afirmar que esta traria “prejuízos incalculáveis ao agronegócio brasileiro”.

Ambientalistas e organizações não-governamentais demonstraram preocupação sobre os efeitos que a junção dos ministérios poderia trazer para as políticas na Amazónia, referindo um possível aumento da desflorestação e uma maior violência nas zonas rurais. A agenda do Ministério do Meio Ambiente é particularmente abrangente, englobando, por exemplo, infraestruturas energéticas, mineração, desmatamento, aterro sanitário e construção. Ou seja, nem tudo tem ligação com o sector agrícola.

No ano passado, o Presidente cessante, Michel Temer, criou controvérsia ao assinar um decreto que extinguia uma grande área de reserva ambiental na Amazónia para dar lugar à extracção de minério, o que aumentaria o desmamamento. Temer também recuou. O receio dos ambientalistas é que medidas do género voltem a estar em cima da mesa, o que poderia ser facilitado com a união das pastas.

Ambiente sem ministro "xiita"

A verdade é que depois de todas as críticas, na quinta-feira Bolsonaro afirmou que “ao que tudo indica” a fusão não vai acontecer e que a pasta do Ambiente não irá parar às mãos de nenhum “xiita”.

“Serão dois ministérios distintos, mas com uma pessoa voltada para a defesa do meio ambiente sem o carácter xiita, como foi feito nos últimos governos”, disse o Presidente eleito sugerindo que no lugar estiveram pessoas algo fundamentalistas.

"O Brasil é o país que mais protege o meio ambiente", acrescentou Bolsonaro. "Nós pretendemos proteger o meio ambiente, sim, mas não criar dificuldades para o progresso”.

Na véspera destas declarações, Luiz António Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista (associação brasileira que reúne grandes proprietários e visto como um grupo de pressão no Congresso), já tinha dado indicações de um possível recuo por parte de Bolsonaro, afirmando que a fusão só aconteceria “ao longo de muita conversa”.

Apesar de Jair Bolsonaro ter desistido da ideia de englobar a Agricultura e o Meio Ambiente num ministério, Marina Silva, ex-ministra do Ambiente e candidata presidencial pelo partido Rede, continua preocupada com a Amazónia: “A Amazónia com certeza corre risco. O Brasil é uma potência ambiental, faz parte dos 17 países megadiversos do mundo, ocupando uma posição altamente privilegiada – é o número 1 entre os 17. E o governo diz que vai acabar com a protecção ao meio ambiente e com o instituto de protecção da biodiversidade. Essa nossa preocupação vai ter uma repercussão altamente negativa para o agronegócio”, disse ao jornal Estado de São Paulo.

“Toda hora eles falam uma coisa diferente”, diz ainda sobre a composição do novo Governo, não dando a desistência da fusão como garantida. “O Presidente eleito deveria seguir o exemplo de outros presidentes. Na época em que tentaram mudar o código florestal, ampliando a área de desmatamento legal em propriedades na floresta amazónica de 20% para 50%, houve uma grande mobilização da sociedade brasileira e o Presidente Fernando Henrique, na época, voltou atrás”, lembrou.

“Agora, novamente há uma grande manifestação social e o próprio agronegócio está totalmente dividido. O Presidente podia seguir o exemplo histórico e voltar atrás mesmo”, conclui Marina Silva.