Tirar o apêndice reduz risco de doença de Parkinson em 20%
Análise epidemiológica envolveu 1,6 milhões de indivíduos na Suécia e demonstrou que a remoção do apêndice está associada à redução do risco de doença de Parkinson em quase 20% dos casos
É comum dizer-se que o apêndice vermicular não serve para nada (ou para muito pouco) e que só nos lembramos que existe quando infecta e nos leva às urgências com uma apendicite que se resolve com a sua remoção. Mas, afinal, este pequeno órgão do corpo humano poderá ser mais importante do que se pensava. Segundo um estudo divulgado esta quarta-feira na revista científica Science Translational Medicine, o apêndice poderá estar implicado no início do desenvolvimento da doença de Parkinson. Para chegar a esta conclusão, uma equipa de cientistas realizou um estudo epidemiológico de larga escala que envolveu a análise de registos de mais de 1,6 milhões de pessoas na Suécia.
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É comum dizer-se que o apêndice vermicular não serve para nada (ou para muito pouco) e que só nos lembramos que existe quando infecta e nos leva às urgências com uma apendicite que se resolve com a sua remoção. Mas, afinal, este pequeno órgão do corpo humano poderá ser mais importante do que se pensava. Segundo um estudo divulgado esta quarta-feira na revista científica Science Translational Medicine, o apêndice poderá estar implicado no início do desenvolvimento da doença de Parkinson. Para chegar a esta conclusão, uma equipa de cientistas realizou um estudo epidemiológico de larga escala que envolveu a análise de registos de mais de 1,6 milhões de pessoas na Suécia.
Tudo indica que não estamos perante uma mera coincidência. É provável que duvide se lhe dissermos apenas que este estudo revela que a remoção do apêndice está associada à redução do risco de doença de Parkinson (DP) em quase 20% dos casos. Mas como? Porquê? O que é que este pequeno e aparentemente inútil órgão tem a ver com uma doença neurodegenerativa? Primeiro que tudo, saiba que o apêndice não é assim tão inútil. De facto, pode-se viver bem sem ele, mas há vários estudos que demonstram que também pode desempenhar um papel importante para o nosso sistema imunológico e não só. Dito isto, avancemos para a tal aparente “coincidência”.
Na verdade, o apêndice e a doença de Parkinson partilham um importante elo comum: a alfa-sinucleína. Já se sabia que existe uma proteína chamada alfa-sinucleína que se acumula (de forma tóxica) no cérebro dos doentes de Parkinson e de outras doenças neurodegenerativas. Porém, ainda não se percebeu por que é que essa acumulação acontece. De acordo com este novo artigo, o apêndice actua como um importante reservatório para alfa-sinucleína, que está intimamente ligada ao início e à progressão de Parkinson.
“Os nossos resultados apontam para o apêndice como um local de origem para Parkinson e fornecem um caminho para o desenvolvimento de novas estratégias de tratamento que alavanquem o papel do tracto gastrointestinal no desenvolvimento da doença”, refere Viviane Labrie, investigadora no Instituto de Investigação Van Andel, sediado em Grand Rapids no estado norte-americano de Michigan, num comunicado de imprensa sobre o estudo. E confirma: “Apesar de ter uma reputação de algo completamente desnecessário, o apêndice desempenha um papel importante no nosso sistema imunológico, na regulação da composição de nossas bactérias intestinais e agora, como mostramos com o nosso trabalho, na doença de Parkinson.”
Viviane Labrie e a sua equipa encontraram aglomerados de alfa-sinucleína em apêndices de pessoas saudáveis de todas as idades, bem como pessoas com Parkinson. A alfa-sinucleína é considerada uma marca da doença de Parkinson e pensava-se que só estivesse presente em pessoas com a doença. Os dados para o estudo foram recolhidos a partir de uma “caracterização profunda e visualização de formas de alfa-sinucleína no apêndice, que revelou uma notável semelhança com as encontradas no cérebro na doença de Parkinson”.
25% nas zonas rurais
Mas vamos a números. O estudo envolveu a análise de um conjunto de dados epidemiológicos, com informações demográficas e estatísticas de doença de Parkinson, de 1,6 milhão de pessoas na Suécia. Concluiu-se que a apendicectomia (remoção do apêndice) reduziu o risco global de desenvolver Parkinson em 19,3%. Dizemos o risco global porque, na verdade, foram encontradas algumas especificidades. No caso das pessoas a viver em zonas rurais, os investigadores concluíram que a diminuição do risco chegava até aos 25%.
O vasto conjunto de informações sobre os cidadãos foi cedido pelo Registo Nacional de Doentes Sueco, um banco de dados único que contém diagnósticos médicos e históricos cirúrgicos para a população sueca iniciado em 1964, e pela agência governamental sueca responsável pelas estatísticas nacionais. A equipa do Instituto de Investigação Van Andel colaborou com especialistas da Universidade de Lund, na Suécia, para “vasculhar” os registos de 1.698.000 pessoas.
Um segundo conjunto de dados de 849 pacientes com Parkinson revelou ainda que a apendicectomia estava associada a um início tardio da doença numa média de 3,6 anos mais tarde na vida. O diagnóstico desta doença é geralmente feito já numa fase avançada, quando existem já os óbvios sintomas motores, como a rigidez ou os tremores, e quando se pode sentir já outro tipo de danos como a perda de memória.
A análise a apêndices de indivíduos saudáveis permitiu perceber que continham alfa-sinucleína “quimicamente activa que era propensa a agregação prejudicial”. Assim, mais do que uma remoção do apêndice quase profiláctica, com os riscos que uma cirurgia implica sempre, os investigadores sugerem que as terapias que visam a acumulação de alfa-sinucleína no apêndice e no intestino sejam investigadas como uma estratégia de intervenção precoce para reduzir o risco de desenvolver doença de Parkinson. Convém ainda sublinhar que esta aparente relação íntima entre o apêndice e Parkinson não foi encontrada nalguns casos específicos da doença.
“As apendicectomias não mostraram nenhum benefício aparente em pessoas cuja doença estava ligada a mutações genéticas transmitidas através das suas famílias, um grupo que compreende menos de 10% dos casos”, refere o comunicado de imprensa. Os autores sublinham ainda que a “remoção do apêndice após o início do processo da doença não teve qualquer efeito na sua progressão”.
Escusado será dizer que os cientistas sublinham que é necessário realizar mais estudos epidemiológicos e ainda mais alargados para se confirmar definitivamente o efeito da apendicectomia no risco de desenvolver Parkinson. Mas, para já, este estudo deixa uma nova pista. “As nossas descobertas adicionam uma nova camada à compreensão desta doença incrivelmente complexa”, refere Bryan Killinger, primeiro autor do estudo a realizar o pós-doutoramento no laboratório de Viviane Labrie, citado no comunicado. O investigador concluiu ainda: “Mostrámos que o apêndice é um centro para o acúmulo de formas agregadas de proteínas alfa-sinucleína, que estão implicadas na doença de Parkinson. Esse conhecimento será inestimável à medida que exploramos novas estratégias de prevenção e tratamento”.
Viviane Labrie admite que a equipa ficou surpreendida ao perceber que “as formas patogénicas da alfa-sinucleína estavam presentes nos apêndices de pessoas com e sem Parkinson”. Assim, prossegue a investigadora, “parece que esses agregados – embora tóxicos quando existem no cérebro – são bastante normais no apêndice. Isso claramente sugere que a presença deles, por si só, não pode ser a causa da doença”. E Viviane Labrie já antevê o passo seguinte. “A doença de Parkinson é relativamente rara, afectando menos de 1% da população. Então, tem que haver algum outro mecanismo ou confluência de eventos que permita que o apêndice afecte o risco de Parkinson. Isso é o que planeamos observar a seguir: qual será o factor ou factores a influenciar de forma decisiva o desenvolvimento de Parkinson?” Como sempre, na Ciência, não há resposta que não gere (pelo menos) uma nova pergunta.