Em dez anos, a bitcoin gerou furor. E desilusões
A moeda digital surgiu em 2008, em plena crise financeira, como uma alternativa aos bancos.
Foi há dez anos que o misterioso Satoshi Nakamoto – de quem nada se sabe ao certo além do nome japonês, que pode ser um pseudónimo – partilhou as suas ideias sobre uma moeda virtual que não dependia de uma entidade central para ser emitida. O conceito chegou no meio da crise financeira de 2008, como uma proposta de alternativa ao sistema bancário tradicional.
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Foi há dez anos que o misterioso Satoshi Nakamoto – de quem nada se sabe ao certo além do nome japonês, que pode ser um pseudónimo – partilhou as suas ideias sobre uma moeda virtual que não dependia de uma entidade central para ser emitida. O conceito chegou no meio da crise financeira de 2008, como uma proposta de alternativa ao sistema bancário tradicional.
Com os anos, a bitcoin ganhou fama por poder ser transferida de forma anónima entre utilizadores em qualquer parte do mundo, e por ser uma solução engenhosa para o problema do funcionamento de dinheiro digital. E ganhou má fama por ser utilizada em esquemas de lavagem de dinheiro ou para compras em mercados negros. Despertou a atenção da banca, tem sido criticada por economistas reputados e ganhou defensores acérrimos. Houve quem chamasse a atenção para os problemas ambientais associados ao grande gasto de electricidade. Há quem diga que é um esquema piramidal fraudulento e quem a considere o dinheiro do futuro. Deu origem a muitas centenas de outras moedas semelhantes. Fez alguns milionários e levou outras pessoas a perder muito dinheiro.
E também há os que descrevem os seus ganhos como sendo modestos. É o caso de Ricardo Anástacio, um português de 27 anos, a trabalhar em Nova Iorque. Há cinco anos que tem bitcoins. “É o típico investimento dos millenials. Os jovens do novo milénio também querem enriquecer depressa, como outras gerações, e com histórias de 1000% de retorno, é fácil encantar o vizinho”, resume o português ao PÚBLICO. Não se arrepende do investimento.
Começou em 2015, com 250 euros (foi uma sugestão de um amigo que tinha lido sobre o conceito online). Durante muito tempo, o dinheiro esteve parado, mas em Dezembro de 2017, a procura pelas bitcoins explodiu e uma só moeda chegou a valer mais de 19 mil dólares (um valor 1900% acima do que valia um ano antes, em 2016).
Com o preço a subir, Anastácio decidiu investir mais quatro mil euros. Vendeu parte, mas deixou 12 mil euros na carteira digital para ver se valorizavam. Não aconteceu. Em Janeiro, o valor da bitcoin começou a descer, e hoje ronda os 6500 euros. Ainda assim, o balanço que Ricardo faz é positivo.
Em Portugal, quem ganha dinheiro a comprar e vender criptomoedas, seja a famosa bitcoin ou qualquer outra, fica a salvo de pagar IRS em Portugal sobre esses rendimentos. A autoridade tributária diz que não há enquadramento legal para tributar os lucros obtidos com a compra, venda e troca de criptomoedas.
“É tudo uma questão de timing”, diz Anástacio.“Tive sorte de vender naquela altura. É preciso reconhecer os três grandes problemas da moeda: instabilidade, falta de uso prático e regulação.”
Nem todos têm a mesma sorte.
O jornal The New York Times contou a história do britânico Pete Roberts, 28 anos, que investiu 23 mil dólares e cujo investimento desvalorizou para quatro mil dólares, e a do analista financeiro norte-americano Tony Yoo, 26 anos, que investiu mais de 100 mil dólares das suas poupanças na moeda, mas hoje tem apenas tem 30 mil dólares em bitcoin.
Como eles há mais – embora não se saiba quantas pessoas perderam ou ganharam dinheiro com a subida e descida da bitcoin. O número de utilizadores da Coinbase, que é o maior mercado digital de compra e venda de bitcoins nos EUA, duplicou o número de utilizadores entre Outubro de 2017 e Março de 2018. O pico de preços aconteceu entre Novembro de 2017 e Fevereiro de 2018, quando o valor da bitcoin variou entre oito mil dólares e 19 mil dólares.
Amealhar
Muitos utilizadores optam por não vender as bitcoin que têm. Estão num processo de hodl – gíria no mundo das criptomoedas para o processo de guardar as moedas até uma altura em que sejam mais valiosas. As origens da expressão datam de uma publicação num fórum em 2013, em que um fã da bitcoin escreveu ‘holding’ (no sentido de agarrar ou manter bitcoins) com um erro ortográfico.
A estratégia é usada pelo português Flávio Azevedo, 32 anos, que trabalha numa consultoria em tecnologias de informação. Afirma que são mitos as ideias de que “a bitcoin é uma bolha financeira” ou “serve apenas como ferramenta de especulação”.
Lida com várias criptomoedas (principalmente, bitcoin e ethereum que é a segunda maior divisa digital) desde 2010, mas só este ano é que decidiu comprar. "Neste momento o investimento não trouxe perdas nem ganhos porque não vendi nenhuma das criptomoedas que comprei”, diz. “Estou a fazer hodl pelo menos até 2020-2021.”
Admite, no entanto, que já perdeu bitcoins. No começo do seu interesse na área, Azevedo criava as suas próprias moedas através de um processo conhecido como mining . Ocorre quando vários computadores ligados à rede competem para serem os primeiros a validar blocos de transacções na blockchain, a base de dados distribuída em que assenta a bitcoin. A máquina mais rápida a validar novos blocos é recompensada com novas bitcoins. O objectivo é recompensar quem gastou recursos (tempo, electricidade, capacidade de processamento). Em 2018, cada bloco vale cerca de 12 bitcoins.
Flávio Azevedo teve alguns percalços pelo caminho.
Em 2014 perdeu todas moedas digitais que tinha no ataque informático ao site japonês MtGox, na altura uma das maiores plataformas para comprar, vender e guardar bitcoins na altura. Desencantou-se temporariamente, mas não desistiu. “Só quem vende é que perde”, insiste.
Ricardo Antastácio é mais céptico. “Quem perdeu, não diz que perdeu. Alteram a narrativa para dizer que é um investimento a longo prazo”, diz. “Acredito que muita gente perdeu dinheiro, eu podia ter perdido, mas soube tirar na altura certa.”
“O problema é que muitas pessoas vêem os preços a subir e compram sem pensar no potencial”, argumenta Flávio Azevedo. “As pessoas gostam de dizer que a bitcoin não é regulada, que é instável. Mas os bancos imprimem dinheiro todos os anos, e fazem coisas que desconhecemos. Com a bitcoin, é tudo transparente. Todos sabemos qual é o esquema.”
Nos últimos anos, têm surgido algumas tentativas de regulação. Em Dezembro, quando o valor da bitcoin estava no seu auge, os Estados-membros da União Europeia começaram a falar na possibilidade de introduzir regras para prevenir o financiamento de actividades ilegais e a fuga ao fisco com criptomoedas. Uma das medidas passava por eliminar a possibilidade de anonimato. É algo que já acontece no Japão, onde as plataformas de transacções funcionam legalmente. Na China, a regulação foi mais incisiva: as autoridades chinesas ordenaram que os serviços de transacção de divisas digitais encerrassem.
Para Ricardo Anástacio, a bitcoin ainda está longe de fazer parte do dia-a-dia da maioria das pessoas. “Realisticamente, ainda não dá para comprar nada. Ninguém pede empréstimos em bitcoin”, diz.
A bitcoin não é amplamente aceite como forma de pagamento. Entre as excepções está a Wikipédia (que aceita donativos em bitcoin), e umas poucas agências de viagens. A loja online da Microsoft tem oscilado entre aceitar e não aceitar este tipo de pagamentos (em parte, devido à grande volatilidade) para pagar aplicações móveis e jogos para computador e Xbox.
“Não sou um céptico, mas também não tenho ilusões”, resume Anastácio. Para já, não pensa em retirar o dinheiro que ainda tem em bitcoins. Espera que, no futuro, volte a valorizar. "Pode correr bem, mas investir na bitcoin é um risco.”