Mais de um milhar de azinheiras arrancadas para dar lugar a olival intensivo
Se o ICNF confirmar a infracção, serão aplicadas as medidas previstas na legislação de protecção do sobreiro e da azinheira e terá de ser reposta a situação anterior.
A organização ambientalista Quercus recebeu nos últimos dias várias denúncias que relatavam o corte e arranque de “mais de um milhar de azinheiras” em diversas parcelas incluídas em povoamento de montado de azinho na Herdade do Ramalho, situada nos concelhos de Avis e de Sousel, no Alto Alentejo. O arrendatário da propriedade nega que tal tenha acontecido.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A organização ambientalista Quercus recebeu nos últimos dias várias denúncias que relatavam o corte e arranque de “mais de um milhar de azinheiras” em diversas parcelas incluídas em povoamento de montado de azinho na Herdade do Ramalho, situada nos concelhos de Avis e de Sousel, no Alto Alentejo. O arrendatário da propriedade nega que tal tenha acontecido.
Só numa das parcelas atingidas por este corte “foram arrancadas cerca de 900 azinheiras verdes”, garante a Quercus depois de ter comparado fotografias de satélite do Google Earth de 2018 com as que foram recolhidas em 2013.
As azinheiras “eram de grande porte e a maioria da área constituía povoamento”, observou a organização ambientalista, estranhando que “nenhuma autoridade nacional ligada ao Ambiente ou à Agricultura tenha detectado este grande corte de azinheiras”. Dada a dimensão do atentado, a Quercus alertou o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a GNR e a Administração da Região Hidrográfica do Tejo e Oeste/APA “para actuarem em conformidade, com o levantamento dos autos de notícia e a instrução de processos de contra-ordenação que intimem a empresa a repor a situação anterior à infracção”.
Como já se tornou recorrente em situações análogas, o abate de azinheiras, espécie florestal que está protegida pela legislação nacional, acontece, na esmagadora maioria das situações conhecidas, para dar lugar à plantação de olival superintensivo. Acresce que no caso agora denunciado nos terrenos onde foram arrancadas as azinheiras está instalada uma unidade de turismo rural do Alto Alentejo.
A destruição de uma paisagem cultural como o montado de azinho para ser transformado numa plantação intensiva de olival em monocultura, “com o uso excessivo de herbicidas, pesticidas e fertilizantes de síntese que lhe está associado, é prejudicial às pessoas e ao próprio turismo alentejano”, alerta a Quercus.
Empresa nega corte
“É totalmente falso”, disse ao PÚBLICO Pedro Fialho, administrador da empresa Agrícola Vale Poente Lda, que está a proceder à plantação de olival superintensivo na Herdade do Ramalho. Confrontado com as imagens do Google Earth, que também diz ter observado, garante que não foi a sua empresa: “A herdade não nos pertence, é de outra empresa que nos arrendou a terra em Junho, e não podemos responder pelo que se terá passado anteriormente. Se houve corte de azinheiras, não fomos nós.”
Pedro Fialho confirmou que nesta terça-feira se deslocou à herdade uma brigada do Núcleo de Protecção Ambiental de Ponte de Sor para tomar conta da ocorrência, mas escusou-se a adiantar pormenores das conclusões a que terá chegado, referindo apenas que as autoridades irão voltar.
Na sequência dos esclarecimentos prestados, o PÚBLICO contactou Luís Pina, um dos proprietários da Herdade do Ramalho e da unidade de turismo rural, que afirmou com veemência: “Não sei de nada, nem os senhores da empresa Agrícola Vale Poente me pediram autorização para cortar azinheiras.”
Adiantou ainda que a empresa é arrendatária de toda a herdade, com cerca de 1000 hectares, deste 2007 e não desde Junho de 2018, como referiu Pedro Fialho.
Desalentado com o sucedido, Luís Pina recorda que quando geriu a herdade “não cortou uma azinheira”, vincando o seu “respeito pelo património ambiental alentejano”.
ICNF “não licenciou qualquer corte de azinheiras"
Confrontado com o teor da denúncia pelo PÚBLICO, o Ministério da Agricultura confirmou que o ICNF “não licenciou qualquer corte de azinheiras na Herdade do Ramalho”. Está em curso neste organismo o “levantamento do historial dos pedidos de corte de quercíneas secas ou decrépitas, a fim de verificar a existência de autorizações anteriores para intervenções que possam ter provocado alterações no coberto vegetal”.
Se os serviços vierem a confirmar tratar-se de uma situação de corte “não autorizado”, serão tomadas “todas” as medidas previstas na legislação de protecção do sobreiro e azinheira: contra-ordenações, embargo de trabalhos, interdição de alterações do coberto e reposição da situação anterior. A informação que o Núcleo de Protecção Ambiental de Ponte de Sor recolheu nesta terça-feira na herdade do Ramalho “está já a ser analisada”, sublinha o Ministério da Agricultura.
A empresa Agrícola Vale de Poente já foi anteriormente acusada de ter “invadido, ocupado e destruído bens” numa propriedade privada, denominada Cerca do Convento, para instalar um sistema de captação de cinco milhões de metros cúbicos de água destinada a dar suporte ao regadio de olival intensivo, que custou 1,5 milhões de euros. Pedro Fialho recordou ao PÚBLICO este episódio para realçar a “perseguição” que está a ser movida à empresa, admitindo que a situação o está a deixar de “cabeça perdida”.