Moradores contestam projecto para o antigo Hospital da Marinha
Velho hospital será transformado num condomínio com 100 apartamentos. Mas o projecto, que prevê a construção de novos prédios, está já a ser contestado por moradores que temem perder as vistas e que o bairro, onde ainda se faz a Feira da Ladra, se descaracterize.
As obras ainda não arrancaram no antigo Hospital da Marinha, no Campo de Santa Clara, em Lisboa, e o projecto para a transformação daquele espaço num complexo de hotelaria, habitação e comércio está já a ser contestado.
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As obras ainda não arrancaram no antigo Hospital da Marinha, no Campo de Santa Clara, em Lisboa, e o projecto para a transformação daquele espaço num complexo de hotelaria, habitação e comércio está já a ser contestado.
Pela voz de Catherine Morrisseau, uma francesa a viver há 20 anos na capital, um grupo de moradores da Rua do Paraíso — para a qual o imóvel tem voltada uma extensa frente — foi à sessão desta terça-feira da Assembleia Municipal de Lisboa, dizer que não quer “que sejam construídos prédios novos que vão descaracterizar a rua”. Rua essa que conduz, por exemplo, para a emblemática Feira da Ladra, sobre a qual, na última semana, se ouviram rumores de que poderia estar em risco de acabar. Mas que a câmara de Lisboa prontamente se apressou a desmentir, garantindo que "a feira mais antiga da cidade vai continuar, nos mesmos moldes e sem qualquer alteração, onde está desde 1882”.
O projecto, como o PÚBLICO noticiou, prevê a reabilitação e alteração do velho hospital, que teve essa função por mais de 200 anos e era conhecido pelas suas câmaras hiperbáricas, e a construção de novos prédios, dando origem a 100 apartamentos.
O imóvel foi vendido, em 2016, por 17,9 milhões de euros à Stone Capital, empresa dos irmãos franceses Arthur e Geoffroy Moreno, que tem mais projectos imobiliários de luxo em Lisboa, Cascais e Comporta. Um deles, e não muito longe dali, é a recuperação do Palácio de Santa Helena, cujo projecto é da autoria do arquitecto Samuel Torres de Carvalho, que será também o responsável pela transformação do hospital.
Pela fotomontagem que é possível ver no site da empresa, serão construídos de raiz, pelo menos, três blocos no antigo estacionamento do extinto hospital. E é precisamente sobre estas novas contruções que recaem as principais críticas dos peticionários: “A vista do Panteão seria largamente afectada assim como a vista desde a zona ribeirinha”, defendem, temendo perder a exposição solar e os vastos horizontes de que gozam.
Ao PÚBLICO, fonte da Stone disse, no final de Setembro, que “a ideia que orientou a elaboração do projecto foi principalmente a possibilidade de reabilitar e refuncionalizar um edifício interessante em termos arquitectónicos e históricos, que foi objecto de forte descaracterização ao longo dos anos”. A empresa garantiu, na altura, que manterá a superfície de pavimento (cerca de 4533 metros quadrados) através da “demolição de todos os anexos e acrescentos dissonantes existentes no logradouro”. “A nova construção resulta da substituição dessas construções por outras, com libertação de uma extensa área de jardim 100% permeável”, acrescentou.
Os moradores admitem ainda que o projecto viola as obrigações do PDM que “indica a importância do edifício enquanto integrante do tecido urbano que compõe os alçados da Rua do Paraíso, um arruamento cuja integridade e imagem se pretende preservar”.
Dado o aumento de casas que o projecto prevê, os peticionários temem ainda o aumento de tráfego que será gerado e que tornará “ainda mais caótica a circulação numa zona que, já de si, é difícil”, disse a moradora perante os deputados municipais.
“A Câmara Municipal de Lisboa tem o dever e obrigação de respeitar os pressupostos que ela própria definiu e deve impedir que seja feito mais um crime arquitectónico numa zona histórica e emblemática de Lisboa”, escrevem. A petição, que segundo Catherine Morrisseau recolheu cerca de 200 assinaturas num dia, deverá ser agora analisada em sede de comissão que depois se pronunciará sobre o assunto em plenário.