CP mete acção em tribunal para evitar classificação de património
CP moveu uma acção judicial contra a DGPC para evitar que, no âmbito da classificação dos imóveis existentes no Barreiro, algum material circulante ali existente seja também considerado património cultural
Algum do material circulante da CP, abatido ao serviço e destinado à venda como sucata, estará na base de uma acção movida pela transportadora no Tribunal Administrativo de Lisboa (TACL) contra a Direcção Geral do Património e Cultura (DGPC). Em causa está um processo de classificação de seis locomotivas, um locotractor, uma automotora e três carruagens — que estão estacionadas num parque do Complexo Ferroviário do Barreiro — como bens de interesse cultural e que a CP tentou reverter junto da DGPC, em Junho, sem sucesso.
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Algum do material circulante da CP, abatido ao serviço e destinado à venda como sucata, estará na base de uma acção movida pela transportadora no Tribunal Administrativo de Lisboa (TACL) contra a Direcção Geral do Património e Cultura (DGPC). Em causa está um processo de classificação de seis locomotivas, um locotractor, uma automotora e três carruagens — que estão estacionadas num parque do Complexo Ferroviário do Barreiro — como bens de interesse cultural e que a CP tentou reverter junto da DGPC, em Junho, sem sucesso.
Em Janeiro de 2016, o Movimento Cívico de Salvaguarda do Património Ferroviário do Barreiro (MCSPFB) deu o primeiro passo com vista ao início do procedimento de classificação dos bens móveis localizados no complexo barreirense. No requerimento inicial, enviado ao já extinto Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar), argumentavam que a necessidade de preservação deste património ferroviário era “da maior importância no sentido de perpetuar a história de um povo, de uma cidade e uma região que já foi de importância fulcral para a economia nacional”.
No mesmo documento era referido que as locomotivas e carruagens, no geral, estavam “em bom estado de conservação”, tratando-se de um conjunto de locomotivas da série 1200, 1400, 1505, 1550, 1900 e uma Unidade Tripla Diesel 600 (UTD). Fazem também parte do espólio um locotractor Sentinela e três carruagens Sorefame — uma delas tendo entrado ao serviço em 1961.
Em Abril do mesmo ano, a DGPC decidiu, então, propor a abertura do procedimento de classificação do Complexo Ferroviário do Barreiro, do qual fazem parte os edifícios das Oficinas dos Caminhos-de-Ferro, a Estação Ferroviária e Fluvial do Sul e Sueste, a Rotunda das Máquinas Locomotivas, o Bairro Ferroviário e o material circulante ali estacionado. O processo avançou e, “no âmbito da salvaguarda do património cultural” e “atendendo ao valor histórico-cultural do Barreiro”, a entidade que tutela o património propôs a “eventual classificação do conjunto”, levando adiante a abertura do procedimento de classificação do Complexo Ferroviário do Barreiro e seu património móvel em Fevereiro de 2018.
No parecer emitido em Setembro de 2017, a directora da DGPC, Paula Silva, determina a abertura do procedimento de classificação de âmbito nacional, afirmando que é “imprescindível a preservação e a valorização deste notável conjunto”. A Câmara do Barreiro apresentou um parecer que apoiava a classificação. Para a autarquia, este conjunto de bens ferroviários tinha um elevado interesse cultural, sendo merecedor de uma classificação como “Monumento Nacional ou Conjunto de Interesse Público”.
O executivo em funções, à data, criou um grupo de trabalho para que pudesse ser delineada uma estratégia de requalificação do património. No parecer referem a sugestão de “celebração de protocolos de parcerias entre as diversas entidades de forma a criar condições necessárias à efectiva dinamização das ideias” para algum do património imóvel e reforçam a conivência com a proposta elaborada pelo MCSPFB, acrescentando que o material circulante seleccionado “testemunha a importância histórica e social do caminho-de-ferro.”
O tempo passou e, entretanto, a CP tentou reverter o processo, opondo-se apenas a classificação do material circulante (locomotivas e carruagens) mas não à que abrange os imóveis que, de resto, são pertença da Infra-estrutura de Portugal. Mas a DGPC rejeitou o pedido pelo que a CP avançou com uma acção em tribunal.
A transportadora teve várias reuniões com a câmara do Barreiro e DGPC, não se tendo manifestado, então, abertamente contra o processo. Porém, finda a data para a contestação da decisão, a CP decidiu opor-se e intentar uma acção.
O PÚBLICO questionou a empresa sobre se as razões da sua oposição à classificação do material circulante, após anos em que o mesmo se encontrava abandonado no local, se prenderiam com um eventual interesse pela sua utilidade a fim de o voltar a pôr em funcionamento (tendo em conta a falta de material circulante da empresa), ou se seria uma tentativa de obter alguma receita com a sua venda para sucata (o que não será possível se o mesmo for classificado). Não houve resposta.
A CP confirmou apenas que “intentou uma acção administrativa no TACL questionando a legalidade do despacho em causa” e que não faria publicamente “quaisquer comentários sobre a acção em curso”. Por seu lado, a DGPC explicou ao PÚBLICO que o processo de classificação do material circulante continua a decorrer e que a notificação recebida “não tem efeito suspensivo sobre o procedimento de classificação”. No entanto, a DGPC confirma que foi notificada de “uma acção judicial interposta pela CP”.
O PÚBLICO tentou consultar o processo mas sem êxito.
A Câmara do Barreiro, após ter sido solicitada a prestar declarações sobre a sua posição face à criação de um Núcleo Museológico Ferroviário nesses terrenos — um interesse do executivo anterior — e a acção interposta pela CP, informou que “nada tem a dizer sobre o processo”.
A Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos de Ferro mostrou-se surpresa com a acção da empresa, preferindo não se pronunciar “até haver desenvolvimentos mais significativos”. O MCSPFB revelou-se também admirado, remetendo declarações para outra altura. Com Carlos Cipriano
Texto editado por Ana Fernandes