Queen, a história oficial
Nem Rami Malek consegue fingir que é Freddie Mercury, nem Bohemian Rhapsody quer fazer mais do que contar a versão oficial da história dos Queen. Mais valia ficar em casa com os discos.
Resumidamente: este muito falado biopic de Freddie Mercury, vocalista dos Queen, é a “versão oficial” da história do cantor feita com a supervisão e participação dos sobreviventes (um dos produtores é Jim Beach, manager de longa data do grupo; o guitarrista Brian May e o baterista Roger Taylor supervisionaram a banda-sonora e foram consultores no plateau). Não interessa grandemente o que se possa achar do filme, porque o estatuto mítico que o cantor dos Queen ganhou ainda em vida, bem como a popularidade continuada do grupo, garantem que Bohemian Rhapsody vai ser um êxito colossal.
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Resumidamente: este muito falado biopic de Freddie Mercury, vocalista dos Queen, é a “versão oficial” da história do cantor feita com a supervisão e participação dos sobreviventes (um dos produtores é Jim Beach, manager de longa data do grupo; o guitarrista Brian May e o baterista Roger Taylor supervisionaram a banda-sonora e foram consultores no plateau). Não interessa grandemente o que se possa achar do filme, porque o estatuto mítico que o cantor dos Queen ganhou ainda em vida, bem como a popularidade continuada do grupo, garantem que Bohemian Rhapsody vai ser um êxito colossal.
Vale, no entanto, a pena olhar para este objecto “de estúdio” pela curiosidade de ser um “filme sem autor”. Sacha Baron Cohen, aliás Ali G e Borat, foi originalmente escalado para interpretar Mercury; ainda antes da rodagem, bateu com a porta por “divergências criativas” com os elementos da banda, substituído pelo americano Rami Malek (da série Mr. Robot). Bohemian Rhapsody começou a ser rodado por Bryan Singer, realizador de Os Suspeitos do Costume e dos primeiros X-Men; a meio das filmagens, foi despedido pelo estúdio e foi o actor britânico Dexter Fletcher a terminar o filme (embora a arbitragem legal coloque o nome de Singer como único realizador). Isto faz de Bohemian Rhapsody o mais recente produto de uma longa tradição de objectos industriais onde não interessa quem fez o quê desde que o resultado se cinja às exigências da produção (que, como já percebemos, apenas está interessada em perpetuar o mito). Essa dimensão de anonimato cumpridor, funcional, correcto, dá-se mal com a história de um outsider em busca de uma identidade, filho de indianos nascido em Zanzibar, que se tornou famoso à frente de um grupo que se tornou numa das maiores bandas do mundo contra todas as evidências.
E Rami Malek no meio disto tudo? Há que saudar a sua entrega ao papel, o modo como apanha os movimentos, a pose, de Mercury (sobretudo em palco), mas a verdade é que, dos quatro actores que interpretam os Queen, Malek é o que menos parecenças tem com o original. Talvez por isso temos sempre a sensação de estar a ver um actor em esforço, e a mostrar esse esforço, numa mimetização trabalhada e competente. Não é Freddie Mercury que vemos, é Rami Malek a esforçar-se para ser Freddie Mercury, e apreciamos o esforço. E é só: Bohemian Rhapsody fica-se pela celebração hagiográfica e familiar de uma figura maior que a vida, que se contenta em contar o que já sabíamos ao som de música que todos conhecemos de trás para a frente. Para isso ficávamos em casa com os discos.