Valem a pena mais dez anos de Web Summit?
A Web Summit ajudou a consolidar o ecossistema tecnológico português, mas este ainda tem debilidades graves.
Há umas semanas, Paddy Cosgrave anunciou que a Web Summit iria ficar em Lisboa até 2028. O CEO da Web Summit classificou a decisão como “das mais loucas” que tinha tomado na sua vida, devido à sua recusa de outras ofertas financeiramente muito mais interessantes do que a da capital portuguesa.
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Há umas semanas, Paddy Cosgrave anunciou que a Web Summit iria ficar em Lisboa até 2028. O CEO da Web Summit classificou a decisão como “das mais loucas” que tinha tomado na sua vida, devido à sua recusa de outras ofertas financeiramente muito mais interessantes do que a da capital portuguesa.
Dentro de uma semana, a Web Summit vai tornar Lisboa, mais uma vez, uma das cidades mais importantes do planeta na área do empreendedorismo. Dezenas de milhares de pessoas vão aterrar no sobrelotado Aeroporto Humberto Delgado e tentar fazer negócios de (muitos) milhões. E que melhor cidade no hemisfério norte do que Lisboa, cidade da moda do turismo e do empreendedorismo internacionais?
Estes dois parágrafos servem como mote para duas discussões cruciais, que o país parece ter-se esquecido de ter. Em primeiro lugar, quais as mais-valias trazidas para o país pelas Web Summits já realizadas?
A Web Summit trouxe muita atenção mundial a um ecossistema tecnológico incipiente como era o português em 2015. Foram muitos os investidores, startups e fundadores que começaram a olhar para Portugal com muito interesse. Estava em São Francisco na altura do anúncio da mudança para Lisboa e aquando da primeira Web Summit, e foi notório o quanto o evento alterou a perceção de Portugal. Deixámos de ser apenas o país das praias e do surf, para passarmos também a ser um bom país para investir e onde trabalhar.
É também verdade, ninguém o nega, que foi à conta da Web Summit que se conseguiram investimentos de vulto para o país (o SSC da Google, por exemplo). E, de facto, embora seja difícil confirmar a ligação, houve um aumento substancial de novas empresas e startups, mais especificamente, a serem criadas no país. Ou seja, poderá defender-se que a Web Summit ajudou a desenvolver e a consolidar o ecossistema tecnológico português.
No entanto, basta olhar para os números para nos apercebermos que o ecossistema tem debilidades graves. Em primeiro lugar, os dados sobre criação de novas empresas poderão estar empolados pelo bom crescimento económico que começa, agora, a abrandar. Em segundo lugar, os dados disponíveis indicam o número muito baixo de startups portuguesas que obteve financiamento em 2016 e 2017, especialmente em comparação com o resto da Europa. Não temos, portanto, estado a aproveitar todos os investidores que têm vindo ao país à conta da Web Summit.
Poder-se-á, porventura, contrapor que ouvimos notícias recentes de dois novos unicórnios portugueses, a OutSystems e a Talkdesk, e do lançamento na bolsa de Nova Iorque da Farfetch. Infelizmente, isto é um caso de orgulho patriótico desalinhado com a realidade: a Farfetch está sedeada em Londres, a Talkdesk em São Francisco e a OutSystems no Luxemburgo. Nenhuma é contada como portuguesa nos rankings internacionais. Algum do dinheiro que fazem é investido no ecossistema português, com certeza, mas estarem sedeadas no estrangeiro e terem operações essencialmente de engenharia em Portugal tem dado aos investidores estrangeiros a ideia (não totalmente errada) de que não sabemos escalar as nossas startups seriamente e que há desvantagens sérias em estar sedeado em Portugal. A Feedzai, a prazo, poderá mudar um pouco essa perceção, já que continua a ter sede em Portugal. No entanto, mesmo isto não será suficiente se não houver outras startups que lhe sigam o exemplo, tanto a nível de crescimento acelerado e global como também da manutenção da sede no país.
Existe um outro elemento importante para medir o impacto que a Web Summit tem estado a ter: se as condições regulatórias para as startups cresceram e se alteraram em linha com o reivindicado pelos empreendedores. Aqui, as coisas têm avançado muito lentamente. Só para resolver a questão da Uber e da Cabify, já vamos em pelo menos dois anos, e a confusão ainda reina. Onde estão as tão prometidas zonas francas tecnológicas que permitiriam, entre outros, testar automóveis autónomos? Outro exemplo: ao fim de vários anos de avisos por parte de vários empreendedores sobre a dificuldade em redigir um contrato de angariação de investimento, alguma coisa mudou?
Bem sei que nada muda de repente, mas já vamos em três anos desde que foi anunciada a mudança da Web Summit para Portugal...
Tendo em conta este panorama, entremos na segunda discussão: o que podemos esperar dos próximos dez anos de Web Summit em Portugal? Será que esta grande conferência, que até espera duplicar de tamanho, poderá levar a mais do que a mera construção de mais edifícios no Parque das Nações para albergar gente que vem cá durante apenas uma semana por ano?
Existe uma Estratégia Nacional para o Empreendedorismo, que termina em 2020. Para lá dessa data, no entanto, não há ainda nada, nem tem havido qualquer discussão nesse sentido. É crucial, não só para o ecossistema, mas também para o país como um todo, delinear uma estratégia a médio prazo que permita não dependermos de modas. Lisboa pode ser a cidade e Portugal o país da moda do turismo internacional e do empreendedorismo, mas estas modas não são sustentáveis sem se trabalhar nesse sentido.
Mais importante ainda é conjugar o empreendedorismo com uma estratégia – que não existe – de desenvolvimento económico para o país. A multiplicação de estratégias sectoriais tem a desvantagem enorme de tornar mais difícil potenciar as vantagens competitivas que temos. E, claro, em muitos gabinetes em Lisboa, esse planeamento sectorial é feito de forma abstrata, parecendo, por vezes, não se pensar no que se faz. Só para dar um exemplo claro e caricato, temos um aeroporto internacional em Beja quase sem utilidade, mas a AICEP tenta angariar investimento (e bem) para o hub de aviação que temos... em Évora. Não é a pensar nas partes, ignorando o todo, que se potencia o desenvolvimento económico do país.
Como referi em artigo anterior, há quatro pilares que julgo essenciais para o desenvolvimento do ecossistema português: um debate intenso e transparente, pessoas qualificadas, acumulação de capital e regulação simples e estável. Em relação à economia portuguesa, os mesmos pilares aplicam-se, sendo que deve competir ao Estado, essencialmente, estabelecer uma visão com objetivos S.M.A.R.T. (e não ladainhas vácuas que soam bem) e dar condições – ou, simplesmente, “sair do caminho” – para que sejam realizados. Pôr serviços na internet e distribuir vouchers é pouco e quase irrelevante se as condições continuarem as mesmas.
Há vários caminhos possíveis para se poder aproveitar plenamente a Web Summit até 2028, mas o debate sobre o que fazer não tem sido feito. É essencial recolher sugestões nacionais e internacionais sobre como potenciar o ecossistema para delinear uma estratégia coerente e transversal aos vários atores políticos para atingir um Portugal moderno e empreendedor em 2030.
Dez anos mais de WebSummit em Portugal valerão, com certeza, a pena, mas apenas se aproveitarmos a oportunidade e não descansarmos à sombra dos elogios que vamos recebendo. As modas vão e vêm, mas o desenvolvimento sustentável do ecossistema e da economia portuguesa no seu todo tem de vir para ficar.¨
O Institute of Public Policy (IPP) é um think tank académico, independente e apartidário. As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem as posições do Institute of Public Policy, da Universidade de Lisboa ou de qualquer outra instituição
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico