Redes sociais usadas na luta contra o crime levantam questões sobre privacidade
Um grupo de investigadores na Austrália desenvolveu algoritmos que podem analisar informação nas redes sociais para prever onde e quando alguns tipos de crimes vão ocorrer? Casos no mundo real não têm sido bem recebidos.
Muitas vezes, o inimigo do crime perfeito é o ego, mas cada vez mais as redes sociais juntam-se à lista. Uma simples fotografia daquilo que se comeu ao pequeno-almoço — publicada nas redes sociais — pode revelar onde é que alguém esteve e a que horas devido a sistemas de geolocalização activos. Todos os dias, plataformas como o Facebook, o Instagram e o Twitter acumulam milhares de dados deste tipo.
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Muitas vezes, o inimigo do crime perfeito é o ego, mas cada vez mais as redes sociais juntam-se à lista. Uma simples fotografia daquilo que se comeu ao pequeno-almoço — publicada nas redes sociais — pode revelar onde é que alguém esteve e a que horas devido a sistemas de geolocalização activos. Todos os dias, plataformas como o Facebook, o Instagram e o Twitter acumulam milhares de dados deste tipo.
Em 2016, por exemplo, um ladrão na Florida, EUA, foi apanhado depois de publicar um vídeo de sete minutos a gabar-se de um roubo de jóias no valor de 500 mil dólares. Com o avanço da tecnologia, há formas mais subtis de usar as redes sociais para combater o crime.
Um grupo de investigadores do Instituto de Tecnologia de Melbourne, na Austrália, desenvolveu algoritmos que podem analisar informação nas redes sociais para prever onde e quando alguns tipos de crimes (por exemplo, furto e posse de drogas) vão acontecer com base no número de pessoas num mesmo sítio. O estudo, que foi publicado este mês no jornal académico EPJ Data Journal, testa a hipótese com dados de cerca de 1700 utilizadores nas cidades de Brisbane, na Austrália, e Nova Iorque, nos EUA, retirados do Foursquare (um misto de rede social e jogo que permite que cada utilizador mostre ao mundo onde está). Os participantes partilharam onde estavam mais de 240 mil vezes num ano.
“A tecnologia pode ajudar a criar estratégias de patrulha mais eficazes para gerir os recursos limitados e saber onde enviar os polícias”, explicou Flora Salim, uma das investigadoras responsáveis pelo projecto.
Casos no mundo real não têm sido bem recebidos. Em 2015, durante um festival de surf na Califórnia, nos EUA, as autoridades monitorizaram actividades das redes sociais perto de áreas onde os jovens se reuniam para beber ou consumir drogas (por exemplo, parques de estacionamento) com programas que registavam a frequência de publicações com palavras como “arma”, “luta” e “tiro”. O caso levantou debates sobre a invasão de privacidade.
Dois anos mais tarde, o Instagram, o Facebook e o Twitter foram alvos de fortes críticas depois de um relatório da União Americana pelas Liberdades Civis mostrar que a polícia estava a usar dados destas redes sociais para espiar manifestações em Ferguson, nos EUA, numa altura em que a morte de um adolescente negro na cidade motivava violentos protestos.
As estratégias lembram os métodos usados pela Cambridge Analytica (a empresa de consultoria britânica que acedeu, ilegalmente, a dados de milhares de utilizadores do Facebook), porque as agências políciais criavam parcerias com empresas que tinham acesso a dados dos utilizadores. Em 2017, as queixas levaram as redes sociais a banir os programadores de usar a informação recolhida pelas aplicações para monitorizar os utilizadores.
“Usar as redes sociais para encontrar informação sobre actividades criminosas não suprime a liberdade de expressão, mas é assustador. É dizer: ‘Podem falar, mas vamos estar a ouvir’”, comenta Mason Kortz, professor da Universidade de Harvard, numa publicação do site daquela universidade dedicada a cidades inteligentes. A solução, diz, passa por exigir mais transparência às autoridades sobre o tema, pois só assim se pode “desafiar os algoritmos”.