Cansados e revoltados, brasileiros preparam-se para votar contra o PT

Mais de 140 milhões de eleitores vão escolher entre Haddad e Bolsonaro, completando um ciclo de traumas e decepções. O PÚBLICO foi medir o ânimo nos arredores industriais da grande São Paulo nas vésperas das eleições mais decisivas das últimas décadas.

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Os pingos de chuva que vão caindo não demovem o sexagenário Valdemar de dar uma caminhada no Espaço Verde Chico Mendes, um parque bem cuidado em São Caetano do Sul, uma das cidades da zona metropolitana da grande São Paulo. “Se não for caminhar como é que posso comer o pastel e beber a cerveja depois?”, diz sorridente ao amigo e conterrâneo Milton. A corrida é adiada por mais uns minutos porque a conversa começa a entrar na política. “São Caetano está bom, o resto do Brasil está perdido”, afirma Valdemar, que, tal como o amigo, vai votar no candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro, este domingo, embora não fosse a sua primeira escolha.

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Os pingos de chuva que vão caindo não demovem o sexagenário Valdemar de dar uma caminhada no Espaço Verde Chico Mendes, um parque bem cuidado em São Caetano do Sul, uma das cidades da zona metropolitana da grande São Paulo. “Se não for caminhar como é que posso comer o pastel e beber a cerveja depois?”, diz sorridente ao amigo e conterrâneo Milton. A corrida é adiada por mais uns minutos porque a conversa começa a entrar na política. “São Caetano está bom, o resto do Brasil está perdido”, afirma Valdemar, que, tal como o amigo, vai votar no candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro, este domingo, embora não fosse a sua primeira escolha.

Os brasileiros chegam à segunda volta das eleições presidenciais envolvidos num sentimento de cansaço e revolta após um ciclo diabólico que dura desde as últimas eleições. A votos vão o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad, e o candidato do Partido Social Liberal (PSL), Jair Bolsonaro, mas vão acompanhados pelos traumas causados pela destituição de Dilma Rousseff, pela prisão do ex-Presidente Lula da Silva, pela mega-operação Lava Jato que não deixou pedra sobre pedra nos principais partidos, pela crise económica que deixou 13 milhões de desempregados e pela insegurança generalizada, num país onde foram assassinadas mais de 60 mil pessoas em 2016.

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Uma cidade exemplar

São Caetano é uma das cidades que, em conjunto com Santo André e São Bernardo do Campo, fazem o chamado “ABC paulista”, os três municípios para onde São Paulo tem crescido nas últimas décadas. A fixação de várias fábricas de empresas multinacionais nos arredores da metrópole serviu para atrair milhares e milhares de brasileiros de todo o país, especialmente das regiões menos desenvolvidas no Norte e no Nordeste. Hoje, os municípios do ABC têm uma população de 2,5 milhões de habitantes e são um mosaico do Brasil que escolhe este domingo o próximo Presidente.

São Caetano tem tido destaque por, nos últimos anos, ter liderado as tabelas do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios brasileiros, que combinam vários factores como a esperança média de vida, rendimento ou o nível de educação, e que são um barómetro para aferir a qualidade de vida. Os moradores reconhecem essa realidade e notam que a cidade é segura, limpa e que os serviços públicos funcionam bem.

Scarlett, uma estudante universitária de 21 anos que está a fazer jogging no parque, diz que em São Caetano se sente segura. “Consigo andar à noite, em São Paulo não me sinto tão segura”, diz. Ainda não decidiu como vai votar, mas de certeza não será em Bolsonaro. “Ele é machista e homofóbico”, justifica.

Para os dois amigos que se encontraram no mesmo parque, o capitão reformado também não é a escolha ideal. Ambos se definem como liberais e são eleitores do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), mas não votaram em Geraldo Alckmin na primeira volta. “Só votámos no Bolsonaro para não deixar ganhar o PT”, explica Valdemar. Os dados mostram que na primeira volta o candidato militar conseguiu agregar o voto antipetista, que tradicionalmente pertencia aos “tucanos” do PSDB, e a tendência deverá manter-se este domingo.

As ruas de São Caetano são limpas, há canteiros com flores em várias avenidas e o trânsito é calmo, bem diferente do caos permanente de São Paulo. Genival, de 68 anos, vive há 24 na cidade, onde tem uma sorveteria mesmo em frente ao parque Chico Mendes. “É Bolsonaro para a cabeça”, afirma.

Tal como a esmagadora maioria dos eleitores do ex-capitão do Exército, diz ser necessária uma “mudança”. “É muita safadeza, o PT está acabando com a nação, ficam com tudo para eles”, diz Genival. Apesar da revolta, a vida em São Caetano agrada-lhe, mas garante que a cidade “já foi melhor”. Diz que os postos de saúde estão “sempre cheios” ultimamente. “Vem gente de todo o lado aqui”, porque “há recursos, há estruturas”.

A liderança do ranking do IDH conferiu a São Caetano uma certa aura de elitismo. A percepção é de que tudo é mais caro na cidade, tanto as rendas das casas como até a roupa nas lojas. Em 2013, o prefeito Paulo Pinheiro disse que não queria novos moradores para evitar tornar a cidade num “dormitório”.

No coração do “lulismo”

Ao lado fica a cidade de São Bernardo do Campo, que aparece em 28.º lugar no ranking do IDH brasileiro. A diferença não é muita, mas nas ruas nota-se mais sujidade, casas mais degradadas e pessoas a dormirem nos passeios entre duas caixas de cartão.

Priscilla, de 27 anos, e Gabriel, de 30, mudaram-se de Santo André para São Bernardo há três anos, depois de Gabriel, que é editor de vídeo, ter arranjado trabalho na cidade. Por não terem feito todas as alterações burocráticas necessárias, os títulos de eleitor de ambos estão bloqueados e, por isso, não podem votar este domingo. Mas se o fizessem, Haddad teria mais dois votos. “Merda por merda, é melhor a que já conhecemos”, desabafa Priscilla, que teria preferido o candidato do Partido Democrático Trabalhista, Ciro Gomes. Ambos receiam o tratamento que Bolsonaro possa dar às minorias.

Nos olhos de Reginaldo, um vendedor de 46 anos, nota-se a raiva quando explica o seu voto em Bolsonaro. “Precisa mudar, chega de roubalheira, chega de PT”, diz de um só fôlego. “Está vendo o que eu sustento?”, pergunta apontando para um edifício ao cimo de um morro. É a sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, local onde Lula se notabilizou como líder sindical nos anos 1970. “Só vagabundos.”

Não há muito movimento à entrada do edifício do sindicato, apenas um ou outro membro a pedir alguns esclarecimentos. Numa das paredes anuncia-se a aplicação para telemóvel do sindicato para facilitar a troca de informações entre os militantes. No balcão onde estão expostas t-shirts com a cara de Lula para venda, conversa-se sobre a visita a Curitiba no dia seguinte, para prestar homenagem ao ex-Presidente que fez 73 anos este sábado. Foi neste local que Lula se entregou em Abril à Polícia Federal, em frente a uma multidão de apoiantes que denunciavam mais um “golpe” contra o PT.

Esperança na "virada"

O presidente do sindicato, Wagner Santana, vai buscar o seu “optimismo militante” para dizer que a vitória de Haddad no domingo é possível. As últimas sondagens mostram a redução da diferença entre Bolsonaro e o candidato do PT e é nessa base que os seus apoiantes têm alimentado esperança numa “virada”. Nos últimos dias, têm-se visto nas principais avenidas de São Paulo grupos de militantes do PT e de outros partidos de esquerda a tentar abordar eleitores indecisos.

Santana conta uma piada que tem corrido entre as redes sociais dos “petistas”, que diz que “a candidatura do Bolsonaro é a única em que os seus apoiantes tentam convencer os outros de que ele não fará nada do que promete”. O líder do Sindicato dos Metalúrgicos não tem dúvidas de que os direitos laborais serão postos em causa numa presidência de Bolsonaro.

Conhecido no meio sindical como Wagnão, o funcionário da fábrica da Volkswagen em São Bernardo admite que o PT foi apanhado de surpresa pelo apoio que Bolsonaro foi recebendo nas últimas semanas e que transformou a segunda volta num debate entre a democracia e a repressão. “As últimas eleições foram disputadas entre projectos e visões de país, e estávamos preparados para isso, não para essa outra discussão, para uma campanha virtual”, diz o sindicalista, referindo-se à incessante militância de apoio a Bolsonaro em redes sociais como o Whatsapp.

“Estamos habituados a debater, a conversar”, continua Santana, que considera que a ausência de debates entre os candidatos prejudicou o PT: “A primeira coisa que eles fizeram foi estimular o ódio para que não nos ouvissem, e tiraram à esquerda a sua principal arma que é o argumento, o debate, a troca de ideias.”

Olhando para as últimas semanas, Santana rebate as críticas frequentes de que uma candidatura mais ampla da esquerda teria mais hipóteses de derrotar Bolsonaro do que uma “chapa” liderada pelo PT. Tratou-se de uma questão de “sobrevivência” do próprio partido, admite. “O PT não cometeria o suicídio político de não ter uma figura que não defendesse a sua imagem, e a campanha era essencial para isso”, justifica.

Do outro lado da rua, mesmo em frente à entrada principal do sindicato, está a oficina de automóveis onde trabalha Luciano, de 53 anos. Irá votar em Bolsonaro, mas diz não esperar nada do militar. “Não aguento mais o PT, acabaram com o país”, afirma, olhando para o edifício.