A democracia está em risco na Roménia, mas “o país acordou”
Foi ministro da Agricultura independente, comissário europeu independente, primeiro-ministro independente. Agora Dacian Ciolos entrou na política. Ao contrário dos seus vizinhos do antigo bloco de Leste, a Roménia "está pronta para a mudança" e empenhada na defesa do Estado de Direito.
Em 2016, Dacian Ciolos foi nomeado primeiro-ministro da Roménia como tecnocrata independente em situação de emergência. Um incêndio numa discoteca de Bucareste levou à queda do governo do PSD, herdeiro do aparelho comunista, e era preciso alguém de fora da política para acalmar as multidões na rua, que clamavam "a corrupção mata". Após o mandato de um ano, Ciolos não quis descalçar os sapatos de tecnocrata e não se candidatou às eleições.
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Em 2016, Dacian Ciolos foi nomeado primeiro-ministro da Roménia como tecnocrata independente em situação de emergência. Um incêndio numa discoteca de Bucareste levou à queda do governo do PSD, herdeiro do aparelho comunista, e era preciso alguém de fora da política para acalmar as multidões na rua, que clamavam "a corrupção mata". Após o mandato de um ano, Ciolos não quis descalçar os sapatos de tecnocrata e não se candidatou às eleições.
No fim do ano, num recorde de abstenção, 38% dos eleitores reelegeram o PSD. Mal tomou posse, o novo governo começou a reverter leis anticorrupção, a eliminar garantias de independência do sistema judicial e a enfraquecer a separação dos poderes do Estado.
Resultado: a dois meses da primeira presidência europeia da Roménia, que começa a 1 de Janeiro de 2019, a União Europeia (UE) está em estado de alerta e os relatórios críticos sucedem-se. Nas ruas, os protestos são frequentes. Na capital, mas também nas pequenas cidades rurais. Este domingo, estão planeadas manifestações contra a nova lei, confirmada há dias pelo Supremo Tribunal, que proíbe “reuniões públicas” espontâneas. Estão a ser organizadas pelo movimento cívico #rezist e são vistas como um teste ao governo do PSD e dos liberais.
Agora, após dois anos à frente da plataforma de cidadãos Roménia 100, Ciolos deu o salto que não quis dar em 2016 e transformou o movimento em partido político. Chama-se Movimento Roménia Juntos e é conhecido como RO+. Aos 49 anos, o ex-ministro e ex-comissário europeu da Agricultura nomeado por José Manuel Durão Barroso concluiu que tem de “fazer alguma coisa” para travar a destruição do Estado de Direito.
O ponto de encontro para a entrevista é a casa de chá Ceainaria Infinitea, num bairro sossegado de Bucareste não longe do Parlamento. São 18h de sábado e as salas estão cheias. Num ambiente aristocrata inglês, com luzes quentes e baixas e cadeirões confortáveis, os ecrãs dos smartphones iluminam as caras dos clientes. Há casais e há grupos de amigos, são todos jovens.
O ex-primeiro-ministro chega sozinho e durante uma hora explica por que está optimista sobre a Roménia, por que mudou de ideias e decidiu dedicar-se à política a tempo inteiro e por que é que a UE não deve aplicar no seu país o artigo 7.º do Tratado da UE, activado quando há “um risco manifesto de violação grave dos valores” da união. “Há uma diferença importante em relação à Hungria ou à Polónia: a sociedade romena está muito activa”, diz com calma. Ciolos, que os romenos pronunciam como “tcholos”, é um homem discreto e contido, que evita adjectivos para descrever os adversários. Abandonado na chávena, o chá de gengibre ficou por beber.
A presidência europeia romena vai forçar Bucareste a congelar as reformas consideradas anti-democráticas ou dará legitimidade ao Governo?
A presidência vai ser um período intermédio. O Governo e o Parlamento vão estar mais focados nas questões europeias, mas o interesse de alguns líderes em mudar o sistema de justiça é tão forte que o processo não vai parar. Esta pressão sobre a justiça existe por causa dos interesses dos políticos que têm problemas directos com a justiça e estão a tentar mudar a legislação para escaparem à justiça. É tão simples quanto isto. Ao contrário do que esperavam, o PSD [com maioria parlamentar] está bloqueado por causa disso. Ainda é possível começar a presidência com outro Governo. Não tenho a certeza que este se mantenha até Janeiro. A pressão dentro do PSD é grande e ao nível intermédio muitos compreendem que o partido arrisca-se a perder muito por causa do ego do seu presidente [Liviu Dragnea, condenado este Verão por instigar abuso do poder]. A pressão interna no PSD começou a ser forte no último mês e vai continuar. Há líderes do partido que sabem que começar a presidência europeia com o actual Governo vai ser uma catástrofe para o partido. Este é o Executivo mais impreparado dos últimos vinte anos.
Há dias, num encontro com jornalistas estrangeiros, Victor Negrescu, ministro para os Assuntos Europeus, falou sobre a presidência romena como se não existisse um braço-de-ferro com a Comissão Europeia e disse que, nos próximos seis meses, o Governo quer aumentar a reputação internacional do país.
Ele é um jovem, foi eurodeputado e colocaram-no no Governo apenas por questões de imagem, mas infelizmente já usa a narrativa populista. Não tem poder. Este governo não tem legitimidade. Continuo em contacto com muitos líderes europeus e sei que, nos últimos meses, o Governo tentou visitar capitais para discutir a presidência e alguns Estados-membros evitaram recebê-lo. Muitos ministros dos Negócios Estrangeiros e até primeiros-ministros preferiram evitar ter encontros com o Governo romeno nas suas capitais.
Vai ser uma presidência de fachada?
As instituições europeias funcionam com procedimentos. Uma presidência pode ser forte ou fraca, mas as coisas continuam a avançar. Podemos ter uma presidência discreta, na qual poucas coisas acontecem e não há decisões. Ou se há, são geridas pela Comissão ou os Estados-membros poderosos — não pela presidência. Na presidência romena, a possibilidade de fazer alguma coisa só existe até Abril. Depois, começa a campanha para as eleições europeias e as decisões serão bloqueadas de uma forma natural.
A União Europeia deve aplicar o artigo 7.º do seu Tratado à Roménia como fez com a Hungria?
É muito bom a sociedade civil estar tão activa. Precisamos de estimular e apoiar as pessoas a resolverem os seus problemas nos seus países. Não é bom haver sempre alguém de fora que vem resolver os problemas internos: os americanos garantem a nossa defesa, a UE resolve os nossos problemas económicos, a Comissão resolve os nossos problemas da justiça. Há uma diferença importante em relação à Hungria ou à Polónia: a sociedade romena está muito activa e está nas ruas a defender o Estado de Direito. O último euro-barómetro mostra uma descida do apoio dos roménios à Europa, mas penso que é uma descida temporária e resulta do facto de a Comissão não ser mais forte contra o que está a acontecer no país. Mas a Roménia continua a ser pró-europeia.
Como é que a União Europeia pode ser mais forte?
A Comissão tem o Mecanismo de Verificação e Cooperação (CVM na sigla inglesa), que é um instrumento muito forte. Além disso, devia tomar posições públicas mais fortes sempre que o Estado de Direito não é respeitado.
Aplicar o artigo 7.º ajudaria a evitar o aparecimento de líderes como Viktor Orbán?
Para evitar a ‘Orbanização’ da Roménia temos de ter uma sociedade civil forte. Os políticos do tipo de Orbán aparecem quando as pessoas pensam que um único político pode resolver os problemas. Os problemas resolverem-se com a sociedade civil. Por isso decidimos criar um novo partido político.
A plataforma cívica que criou há dois anos não chega?
Para mudar as coisas não basta um movimento cívico. A mudança tem de ser mais profunda. Precisamos de líderes políticos novos que façam política de uma forma diferente. Não falamos de ideologias. Falamos de velhos partidos e velhos comportamentos e de novos partidos e novos comportamentos. Na Europa, e na Roménia mais ainda, estamos à procura de uma nova forma de fazer política.
Quem são esses novos políticos?
Começámos a construir este movimento com as pessoas que estiveram no meu Governo. Em 2016, quando os convidei, eu estava sozinho. Fui nomeado primeiro-ministro dois dias antes de tomar posse e tive cinco dias para apresentar um executivo e um programa. Muitos de nós trabalhámos juntos pela primeira vez. Na altura, muito disseram: “Senhor primeiro-ministro, aceito fazer este trabalho — com uma condição: não fazer política, não ter de candidatar-me a eleições, não ser ligado aos partidos.” Quando terminámos o mandato e essas pessoas viram o que aconteceu, disseram: “Dacian, temos de fazer alguma coisa, não podemos ficar fora do processo.” Foi daí que nasceu a Plataforma Roménia 100.
Vai candidatar-se a Presidente ou a primeiro-ministro?
Vamos concorrer a todas as eleições: europeias, autárquicas (estamos a estimular novas pessoas, em particular jovens, a envolverem-se nas comunidades a nível local), presidenciais e às legislativas de 2020. Estou pronto para os dois cargos. Verei para qual serei mais útil. Primeiro temos de saber o que vai acontecer com o actual Presidente, que é um homem aberto e pró-democracia.
Quem são as pessoas que protestam na rua?
Representam toda a sociedade, talvez não tanto a população pobre das zonas rurais, porque não são pró-activos na expressão da sua opinião e em Dezembro de 2016 votaram sobretudo no PSD. Mas o PSD está a perder esse eleitorado e essas pessoas estão à procura de alternativas.
Como é que sabe isso?
Viajo por todo o país, sou um antigo agricultor, sou ex-ministro da Agricultura, sou ex-comissário europeu para a Agricultura. As pessoas conhecem-me nas zonas rurais — tenho um diálogo natural com eles. Ainda não temos um partido político registado, mas nas sondagens já temos 16% e 17% das intenções de voto. Mais de um terço dos nossos eleitores potenciais vem das zonas rurais.
Também da Moldávia, uma das regiões mais pobres do país?
Sim: 47% dos nossos apoiantes são da Moldávia e da Olténia.
Se regressar ao governo, qual é a nova estratégia?
Completamente diferente. Em 2016, gerimos crises e iniciámos reformas, mas contra a vontade do Parlamento. A administração pública é dominada pelos partidos políticos, mas quando se dá liberdade aos funcionários, eles começam a expor os problemas. Foi o que aconteceu em 2016. Vamos começar por reformar a administração pública. Já temos um plano. Com coisas simples como tirar a política da administração pública, garantir transparência e tornar a fiscalidade previsível podemos aumentar o investimento e estimular o empreendedorismo. Temos de continuar a desmantelar as redes de corrupção, mas é fundamental sublinhar que a luta anti-corrupção está a funcionar.
Está ou estava?
Agora é só um intervalo. Não é demasiado tarde para recomeçar o processo. Basta o novo governo deixar a justiça fazer o seu trabalho. Temos de ter uma clara separação de poderes. Este é o problema: o Parlamento está a tentar ir contra a justiça e a tentar reduzir os poderes do Presidente. Num país democrático, seria normal o ministro da Justiça ver como estão a funcionar as instituições da justiça sob o ponto de vista administrativo, para garantir que trabalham de forma eficiente. Na Roménia estão a tentar usar essas boas práticas europeias para controlar instituições como a inspecção judicial e pressionar investigadores.
A democracia está em risco na Roménia?
Do ponto de vista institucional, sim. Mas tendo em conta a sociedade civil, penso que o risco não é muito elevado. Estou bastante optimista com o que vai acontecer. É mais importante este despertar dos romenos do que a alteração de algumas leis. Podemos corrigir as leis. Mais importante do que isso é que o país acordou e temos uma sociedade civil forte e comprometida. O que não acontecia até há pouco tempo. As coisas más que estão a acontecer na Roménia estão a ter um impacto positivo: as novas gerações estão mais interessadas e compreendem o que se está a passar, e a minha esperança é que se envolvam de forma prática. Foi por isso que decidi envolver-me. Nos últimos dez anos, sempre que assumi posições políticas, nunca quis integrar-me num partido. Fui ministro da Agricultura independente, fui comissário europeu independente, fui primeiro-ministro independente. Agora decidi entrar na política porque a sociedade está pronta para a mudança: quando viajo pelo país falo com pessoas muito empenhadas no futuro que pensam que estão sozinhas e não têm poder para mudar as coisas. O que estamos a tentar fazer é provar a essas pessoas que, na verdade, são muitos.
Quantas pessoas tem do seu lado?
Veremos. Quando criámos o movimento Roménia 100, em três semanas tínhamos 40 mil pessoas registadas a dizer que queriam fazer algo pelo país. Quando anunciámos que íamos criar um novo partido, em três semanas tínhamos 30 mil. Hoje temos 54 mil. São muitas pessoas a dizerem que querem estar politicamente activas. Dois terços querem ser militantes do partido. Num país que era mais ou menos indiferente aos partidos políticos, ter este nível de interesse num partido novo é muito.
O Supremo Tribunal acaba de proibir as “manifestações espontâneas” e no domingo estão previstos protestos. Vai participar?
Com certeza. Essa lei prova que o Governo não percebeu nada do que se passou na Roménia no último ano. As pessoas não se vão deixar impressionar por este tipo de lei. A lei é anti-constitucional.
A Roménia ganhou a democracia com manifestações espontâneas e 30 anos depois está a proibi-las. O país está a andar para trás?
Isso mostra apenas que os líderes da maioria parlamentar não estão a compreender nada do que se está a passar na sociedade romena. Essa lei não terá influência no país.
O PÚBLICO viajou a convite do governo romeno.