Cloete Breytenbach, o fotojornalista de confiança de Jonas Savimbi

Entre 1967 e 1987, ele foi o único homem branco no seio do grupo militar da UNITA. “Comia o que eles comiam, dormia onde eles dormiam. Quiseram dar-me uma arma, mas eu disse-lhes que já tinha a minha câmara fotográfica." Algumas das imagens que recolheu entre a guerra da independência e a guerra civil angolana, muitas delas inéditas, podem ser vistas até 10 de Novembro no Espaço Mira, no Porto.

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Decorria o ano de 1966. Cloete Breytenbach contava então com 15 anos de carreira como fotojornalista ao serviço do Die Burger, um jornal de facção nacionalista, manifesto defensor do regime de apartheid então vigente na África do Sul. A relação estreita que existia entre o diário e o exército sul-africano (SADF) tornou possível o contacto do fotojornalista com um general da UNITA que lhe garantiu ser próximo de Jonas Savimbi (1934-2002). “Disse-lhe que gostaria de passar algum tempo com as forças do exército rebelde e ele respondeu-me que iria tomar as providências necessárias.”

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Decorria o ano de 1966. Cloete Breytenbach contava então com 15 anos de carreira como fotojornalista ao serviço do Die Burger, um jornal de facção nacionalista, manifesto defensor do regime de apartheid então vigente na África do Sul. A relação estreita que existia entre o diário e o exército sul-africano (SADF) tornou possível o contacto do fotojornalista com um general da UNITA que lhe garantiu ser próximo de Jonas Savimbi (1934-2002). “Disse-lhe que gostaria de passar algum tempo com as forças do exército rebelde e ele respondeu-me que iria tomar as providências necessárias.”

O encontro com o chefe da organização não tardou. “Savimbi era um homem muito carismático, inteligente, falava várias línguas”, descreveu Breytenbach. “Era um chefe severo, mas, em simultâneo, muito popular entre os soldados.” Entre os dois estabeleceu-se um elo de confiança que permitiu ao fotógrafo avançar para o terreno sob a protecção da UNITA. “Ele percebeu, logo desde o início, que eu não era um espião, que não tinha uma posição política definida sobre o conflito angolano e que o meu objectivo era, unicamente, documentar. Ele compreendia a necessidade de registo histórico do conflito e fez sempre o que estava ao seu alcance para que eu pudesse acompanhar o grupo.” A relação estreitou-se e Breytenbach chegou mesmo retratar o líder angolano em contexto familiar.

Era fácil atravessar a fronteira entre a África do Sul e Angola e o fotojornalista fê-lo 50 a 60 vezes ao longo de 20 anos. “Pedi sempre autorização a Savimbi antes de ir. Os seus homens encontravam-me na fronteira e levavam-me até ao local onde estavam estabelecidos.” De cada vez que visitou Angola, Breytenbach permaneceu no terreno entre duas semanas e um mês. Percorreu o território do país e esteve presente em todas as frentes activas, tendo então produzido o corpo do trabalho do qual se extraíram as 60 fotografias agora reunidas em A Guerra em Angola 1967-1987, exposição que pode ser vista no Espaço Mira, no Porto, até 10 de Novembro, numa extensão do festival Encontros da Imagem.

Escapou à morte várias vezes, mas viu mais do que desejaria. 

Além de matar

Ao longo da sua carreira de 67 anos, Breytenbach acompanhou de perto vários conflitos no continente africano, nomeadamente no Zimbabué, em Moçambique, no Congo e na África do Sul. Apesar de ter documentado inúmeros confrontos, a morte, o sangue e a crueldade que se praticava no campo de batalha nunca estiveram na mira da sua lente fotográfica. “Um morto é um morto, aqui, em Angola ou na China”, justifica.

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O sul-africano decidiu, ao invés, centrar grande parte da sua narrativa fotográfica no quotidiano dos soldados, nos seus “tempos mortos”, no que decorria entre batalhas. “A vida dos soldados ia para além de matar pessoas”, diz. “Eu queria que as pessoas soubessem o que os rapazes andavam a fazer. Fotografei-os enquanto lavavam a roupa, enquanto liam ou escreviam cartas. Nunca tive uma agenda, nunca fotografei de forma interessada ou tendenciosa. Nunca me interessou quem ganhava ou perdia.”

Nessa época, era duro ser um soldado rebelde em África, garante. As longas caminhadas diárias no mato, o racionamento de alimentos, o perigo iminente tornavam a experiência esgotante. A camaradagem e a boa disposição funcionavam como um antídoto. “Os soldados da UNITA tratavam-se como seres humanos, mutuamente”, descreve, referindo de seguida que o mesmo não acontecia entre os soldados do MPLA. “Creio que a maioria dos soldados da UNITA não se interessava pelos factos, pelo resultado do conflito ou pela consequência das suas próprias acções. O soldado médio queria apenas ter comida na mesa, queria um emprego. Se alguém o mandasse matar, ele fazia-o sem questionar, sem conhecer o motivo. Milhares de jovens alistaram-se no exército porque não tinham nada mais interessante para fazer. E ali sempre podiam usar armas. Não as usavam para defender um ideal, não tinham razões de ordem ideológica para lutar. Lutavam para defender um líder. Lutavam para servir Savimbi.”

“Não é um milagre estar vivo”

Cloete Breytenbach correu muitos riscos enquanto fotojornalista – riscos calculados. “Eu andava sempre na cauda do pelotão e nunca assumia riscos desnecessários.” Se a situação se tornava demasiado perigosa, abandonava o campo de batalha e regressava a casa. “Nunca quis ser um herói porque nunca quis morrer lá. Se morresse, o que aconteceria às imagens que tinha feito?” Apesar de tomar as precauções necessárias, sentiu a sua vida “por um fio” algumas vezes. “Fui passageiro de um veículo que pisou uma mina. O nosso era o último de uma fila de vários jipes. Ninguém viu a mina, mas eu vi. Os que iam à frente passaram por ela, sem dar conta, mas o nosso carro pisou-a. Eu vi, eu ouvi e gritei: 'parem, parem!'. Saímos todos e a mina explodiu. O carro explodiu.”

Por alguma razão, a vida de Breytenbach foi sempre poupada. “Não diria que é um milagre estar vivo hoje, mas admito que tive muita sorte. Não me teria surpreendido se tivesse morrido logo no início [da minha carreira]. Mas nunca me arrependi de ter estado em lugares perigosos; por vezes, arrependi-me de não ter escolhido outros lugares perigosos, de não ter estado presente noutros sítios.”

A colecção de 60 fotografias que está patente no Espaço Mira contém também imagens do quotidiano das tropas portuguesas durante o período da Guerra Colonial. “Nessa altura, a guerra era muito simples, pouco sofisticada. Os transportes eram rudimentares – faziam-se sobretudo com recurso à força animal –, o armamento era arcaico, o ritmo era lento e a violência era moderada.” Após a independência de Angola, quando a guerra civil estourou, outras forças do panorama político mundial envolveram-se no conflito. “A União Soviética envolveu-se na guerra – e arrastou consigo as forças do exército de Fidel Castro – e os Estados Unidos também, fazendo da África do Sul seu aliado. Foi um período de grandes avanços tecnológicos, no que toca a armamento, e Angola apresentava-se como cenário perfeito para o teste dessas novas ferramentas de guerra. O resultado foi calamitoso.”

Foto
CLOETE BREYTENBACH

Cloete Breytenbach é da opinião de que ninguém ganhou ou perdeu a guerra. “No final de contas, apenas Angola sofreu”, conclui. “O país ficou destruído, sofreu anos e anos de atraso no desenvolvimento. Quando voltei a Luanda, no final da guerra civil, há poucos anos, apenas alguns edifícios e estruturas do tempo da ocupação portuguesa se mantinham, sobretudo pontes e alguns prédios. As outras estruturas que existiam na altura em que lá estive a documentar desapareceram.”

Ao longo da sua carreira, Breytenbach publicou 11 fotolivros e produziu 30 documentários sobre conflitos em países africanos. Actualmente, vive na Cidade do Cabo e produz documentários para a televisão.