Três bombeiros não viram sinais de espancamento em jovens da Cova da Moura
Bombeiros que chegaram à Esquadra de Alfragide quatro horas depois de agressões a jovens não se recordam de ver lesões significativas. Juízes e MP quiseram saber nesta sexta-feira por que razão os encaminharam, então, para o hospital.
Quando chegaram à Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial de Alfragide, a 5 de Fevereiro de 2015, pelo menos três bombeiros da Amadora não notaram nada de anormal no espaço. Passavam-se quatro horas sobre os acontecimentos que estão no centro do julgamento, a decorrer no Tribunal de Sintra, no qual 17 polícias respondem pelos crimes de falsificação de auto, tortura e racismo contra seis jovens da Cova da Moura (Amadora). Não viram nem sangue no chão, nem sinais de “espancamento” nos jovens, disseram em resposta ao advogado de defesa.
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Quando chegaram à Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial de Alfragide, a 5 de Fevereiro de 2015, pelo menos três bombeiros da Amadora não notaram nada de anormal no espaço. Passavam-se quatro horas sobre os acontecimentos que estão no centro do julgamento, a decorrer no Tribunal de Sintra, no qual 17 polícias respondem pelos crimes de falsificação de auto, tortura e racismo contra seis jovens da Cova da Moura (Amadora). Não viram nem sangue no chão, nem sinais de “espancamento” nos jovens, disseram em resposta ao advogado de defesa.
Esta sexta-feira, os bombeiros Vítor Silva, Valéria Souza e Ana Sofia Moreira (estas duas faziam uma dupla) confirmaram ao tribunal ter chegado àquela esquadra quase ao mesmo tempo, pouco depois das 18h, como está escrito no verbete, ou seja, quatro horas depois das agressões de que os polícias estão acusados. Um dos jovens, Celso Lopes, levou um tiro na perna disparado pelo agente João Nunes.
Este agente, em depoimento ao tribunal, disse não se ter dado conta que tinha acertado no jovem. As lesões estão documentadas pelos registos hospitalares e o cenário de agressão está descrito no auto como tendo ocorrido pelas 14h30, sendo que os polícias dizem ter-se defendido para evitar que invadissem a esquadra.
Os primeiros três bombeiros que estiveram no local, ouvidos pelo Tribunal de Sintra, e uma funcionária do INEM que chegaria à esquadra depois mas que nem sequer entrou, disseram não se recordar da maior parte dos pormenores daquele dia. “Talvez esteja um bocado confuso”, “são muitos serviços”, disse, a determinada altura, Vítor Silva.
Nem se lembram de qual era exactamente o estado físico dos jovens. O próprio bombeiro que assistiu Rui Moniz não se recordava que este — vítima de um AVC em criança — tem dificuldades de locomoção e usa uma tala no braço devido à sua condição de saúde.
Valéria Souza, que disse já conhecer os 17 agentes que estão em tribunal por via da sua função antes mesmo do episódio, respondeu a várias perguntas com um “não sei” “não me lembro” — inclusivamente sobre se tinha notado algum sangue no corpo dos jovens já que estes foram transportados para o hospital e o verbete refere que ela usou um penso para limpar uma das vítimas.
Deixou o procurador do Ministério Público, Manuel das Dores, irritado com as respostas vagas às sucessivas perguntas mas com a certeza de ter visto pedras e vidros no chão à entrada da esquadra — os polícias acusaram os jovens de terem atirado pedras à esquadra.
Contradições
A bombeira, que com a colega Ana Moreira foi a primeira a chegar ao local, terá visto algumas escoriações no corpo de quem assistiu mas não sinais de espancamento, disse ao advogado dos polícias. Também Vítor Silva referiu “algumas” escoriações na mão de Rui Moniz. No seu verbete referiu que houve “queda acidental” e não agressão, ao contrário dos outros verbetes que explicitamente referem agressão porque foi essa a informação que o jovem lhe transmitiu, justificou.
Já a funcionária do INEM referiu que o jovem que assistiu vinha com ar cabisbaixo e que um dos agentes lhe pediu para não falar com ele.
Mas se não havia sinais de lesões graves, então por que levaram estes jovens ao hospital, quiseram saber a juíza e o Ministério Público? Vitor Silva disse ter “vaga ideia” de o “jovem ter dito não querer ser assistido ali”, pedindo-lhe para ir para o hospital — e se a vítima “está consciente, e quer ir ao hospital, encaminhamos”; Valéria Souza referiu que quem toma a decisão é o 112, depois de lhes ser comunicado o diagnóstico; e Ana Sofia Moreira explicou que depois de passar os dados ao médico este, se considerar que não é grave, ordena que se preste assistência no local — porém, quando há uma “necessidade gritante” não precisam sequer de chamar o médico, encaminham para o hospital. Por outro lado, continuou, se o médico considerar que não há necessidade de ir ao hospital, e a vítima quiser ir na mesma, não poderá ir na ambulância do INEM, terá que ir na dos bombeiros e aí o valor da deslocação é pago pela própria pessoa.
As bombeiras, que relataram factos contraditórios, esperaram pela chegada do INEM para abandonar o local. Nesse intervalo, Ana Sofia Moreira conta que ficou no carro com uma das vítimas enquanto Valéria Souza permaneceu dentro da esquadra.
Sofia Moreira relatou ainda em tribunal que naquele mesmo dia 5 de Fevereiro já tinham sido chamadas àquela mesma esquadra, horas antes, para assistir um outro jovem — provavelmente Bruno Lopes, o primeiro a ser detido na Cova da Moura. Já Valéria Souza deu outra versão: diz que foram não à Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial de Alfragide mas a outra que fica em frente, a 64.ª.