A propósito do eucalipto e do preconceito contra o ordenamento florestal
A ideia de que quem procura ordenamento da floresta está simplesmente contra o eucalipto não resiste a um esforço mínimo para conhecer e refletir sobre a realidade.
Suscitou comentários surpreendentes a recente aprovação, pela Assembleia da República, de uma recomendação ao Governo para desenvolver um programa de apoio ao arranque dos rebentos de eucaliptos que proliferam sem controlo, em largas manchas florestais consumidas pelos incêndios do ano passado e áreas próximas.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Suscitou comentários surpreendentes a recente aprovação, pela Assembleia da República, de uma recomendação ao Governo para desenvolver um programa de apoio ao arranque dos rebentos de eucaliptos que proliferam sem controlo, em largas manchas florestais consumidas pelos incêndios do ano passado e áreas próximas.
A iniciativa parlamentar do Bloco de Esquerda respondeu às preocupações expressas por produtores florestais, técnicos e autarcas de diversos partidos. De facto, a situação criada nada tem a ver com a boa gestão da floresta e coloca em causa o próprio ordenamento florestal de forma evidente. Daí ter sido aprovada sem votos contra na Assembleia da República.
Na edição de sábado deste jornal, o editorial do jornalista Manuel Carvalho arrisca outras explicações para tão alargado entendimento parlamentar. Tratar-se-ia do resultado de uma “gritaria condenatória”, resultado de uma “profissão de fé” num “ecologismo radical”, sem “nenhuma ciência”. Uma “crença perigosa”, “um disparate”...
A ideia preconceituosa, tão cara a certos “lobbies”, de que quem procura ordenamento da floresta está simplesmente contra o eucalipto e o diaboliza, não resiste a um esforço mínimo para conhecer e refletir sobre a realidade.
Acontece que controlar a regeneração natural de eucaliptos ou de acácias após incêndios é um ato normal de ordenamento florestal e de proteção das populações. O problema é a frequente falta de recursos para o fazer, principalmente nas regiões da pequena propriedade florestal dispersa.
O que está a acontecer com a proliferação incontrolada de eucaliptos constituirá, em pouco tempo, uma massa vegetal em que o fogo será imparável no dia em que lá entrar. Daí ter de ser parada, sob pena de invadir áreas antes ocupadas por outras espécies e de se tornar uma situação irresolúvel.
O desordenamento florestal foi largamente referenciado como uma das razões para as tragédias do ano passado pelos cientistas da Comissão Técnica Independente, no Relatório sobre incêndios de 2017. Esse trabalho foi outro dos fundamentos da iniciativa parlamentar do Bloco de Esquerda.
Depois da aprovação desta recomendação ao Governo, o editorialista espera agora “o pior”: uma “lei que force os proprietários a travar a regeneração natural” dos eucaliptos. Pois devemos esclarecer que as notícias para Manuel Carvalho não são boas. Essa lei já existe, é o RJAAR – Regime Jurídico das Ações de Arborização e Rearborização, pelo menos desde 2013. Trata-se agora de apoiar os produtores florestais no seu cumprimento.
Agrupamento dos pequenos proprietários em Unidades de Gestão Florestal; ordenamento florestal com diversificação do mosaico rural; contenção da mancha contínua e incontrolada de eucaliptos e de outras espécies de crescimento rápido e remuneração dos serviços ambientais prestados pela agricultura, eis algumas das linhas que se impõem numa política florestal com futuro. Menos preconceito e mais investimento nestes objetivos seriam muito úteis para a floresta.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico