Medicamentos para a hiperactividade: "O Parlamento não deve legislar sobre um acto médico"
No dia em que os deputados discutem uma eventual proibição de medicamentos para a hiperactividade, como a Ritalina, a menores de seis anos, o PÚBLICO ouviu dois médicos que têm opiniões diferentes sobre a utilidade de um debate deste tipo.
O tratamento farmacológico da perturbação de hiperactividade com défice de atenção (PHDA) vai ser esta quarta-feira debatido no Parlamento, por iniciativa do PAN e do Bloco de Esquerda. O PAN quer prevenir o alegado consumo abusivo de metilfenidato e atomoxetina, estimulantes do sistema nervoso central usados para tratar este tipo de perturbação, e proibir mesmo que sejam prescritos a crianças com menos de seis anos, enquanto o Bloco de Esquerda pretende que o Governo estude este fenómeno nas escolas. Devem os deputados discutir e legislar sobre estas matérias?
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O tratamento farmacológico da perturbação de hiperactividade com défice de atenção (PHDA) vai ser esta quarta-feira debatido no Parlamento, por iniciativa do PAN e do Bloco de Esquerda. O PAN quer prevenir o alegado consumo abusivo de metilfenidato e atomoxetina, estimulantes do sistema nervoso central usados para tratar este tipo de perturbação, e proibir mesmo que sejam prescritos a crianças com menos de seis anos, enquanto o Bloco de Esquerda pretende que o Governo estude este fenómeno nas escolas. Devem os deputados discutir e legislar sobre estas matérias?
Indicados para tratar a PHDA, os fármacos como a Ritalina, nome comercial mais conhecido do psicoestimulante metilfenidato, que pode ajudar a melhorar a atenção e a concentração, nomeadamente em crianças em idade escolar, dividem opiniões há anos. Há quem defenda que são receitados em excesso e que a PHDA se transformou numa espécie de "epidemia", enquanto outros argumentam que esta ideia não passa de um mito que pode mesmo inibir alguns pais de pedirem ajuda para crianças e jovens com este tipo de perturbação.
A opinião dos especialistas divide-se. “Está aqui a abrir-se um precedente perigoso, o do poder político se meter no acto médico”, contesta o psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Pedro Afonso. “O Parlamento não deve legislar sobre um acto médico”, defende o psiquiatra, para quem o projecto de lei do PAN que visa proibir o uso destes fármacos a crianças com menos de seis anos é “uma falsa questão”, uma vez que a prescrição de medicamentos como a Ritalina é “raríssima” abaixo desta idade, dado que a PHDA se detecta habitualmente quando as crianças entram na escola. Aliás, já está expresso na bula destes medicamentos que não devem ser dados a menores de seis anos.
"Há um exagero da medicação? Há"
Em sentido inverso, a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos vê com bons olhos que o tema seja discutido no Parlamento porque “há pais preocupados, com dúvidas”. “Como porta-vozes da polis, os políticos devem discutir e esclarecer a situação” ouvindo “os que fazem a polémica dentro da medicina”, afirma Ana Vasconcelos, que está convencida de que medicamentos como a Ritalina são demasiado prescritos e que servem sobretudo aos adultos, pais e professores, que “beneficiam de ter crianças que tomam esta medicação”. “Que há um exagero da medicação? Há. Que por vezes há colegas que a dão indevidamente? Há. Que neste momento há que ter melhor informação? Também acho que sim”, defende.
Apesar de admitir que poderá haver casos de crianças que não deviam estar medicadas com estes fármacos, Pedro Afonso está convencido de que são “a excepção” e lamenta que, com estas iniciativas dos partidos, se esteja a lançar "a suspeição" sobre os médicos e a criar um ambiente de "desconfiança colectiva". Até porque para se dizer que há um excesso de prescrição em Portugal seria necessário que se fizesse primeiro "um estudo sério, independente, com critérios científicos" sobre a utilização destes medicamentos, o que até à data "não foi feito".
Pedro Afonso lembra ainda que a PHDA é uma perturbação com "uma base orgânica, neurobiológica”, que resulta de “uma anomalia em determinados circuitos neuronais” e frisa que os medicamentos como a Ritalina são utilizados desde há muitos anos, tendo "provado há muito tempo que são seguros". “Há uma tendência para se criar mitos urbanos relacionados com a saúde”, lamenta, observando que estas iniciativas são "políticas e ideológicas, não têm qualquer base científica" e podem até "contribuir para que alguns pais se sintam culpabilizados" porque os seus filhos são tratados com estes fármacos.
"Há muitos adultos que foram tratados em crianças com estes medicamentos", recorda, frisando que o tratamento farmacológico da PHDA "veio trazer enormes benefícios a milhares de crianças que anteriormente, pelas dificuldades de aprendizagem, estavam condenadas ao insucesso escolar e à exclusão social".
Mas Ana Vasconcelos tem uma opinião diferente. Ao seu consultório, diz, chegam crianças e jovens que já consomem este tipo de medicamentos, que não lhes trouxe “grande benefício”, terá funcionado no primeiro ano, mas depois deixa de ser tão eficiente. “A Ritalina é uma falácia, é como pintar uma parede em vez de arranjar o cano." A pedopsiquiatra diz que só receita Ritalina quando a situação assim o “exige”. “É como tirar as amígdalas, às vezes, vai-se protelando, protelando, mas depois tem de ser”, exemplifica para dizer que só o faz – nunca antes dos seis anos – quando a criança está em sofrimento ou com baixa auto-estima porque não está a aprender.
Quando passa a receita, explica à criança como funciona o medicamento porque “precisamos de compreender para que as coisas façam sentido”. Além disso faz o acompanhamento dessa toma. “Eles não gostam de tomar porque interfere com a espontaneidade, tira-lhes a criatividade, dizem-me”, relata Ana Vasconcelos. Mas, às vezes, são os próprios que pedem para tomar, sobretudo os mais velhos porque querem estar concentrados e fazer os exames na escola.
Sublinhando que tem na sua família crianças que estão medicadas com este medicamento com excelentes resultados terapêuticos, Pedro Afonso assevera que "as melhorias são espectaculares". Quanto ao debate no Parlamento, considera que os deputados têm de ter noção dos "limites da sua actuação". "O acto médico está supervisionado, obedece a critérios científicos rigorosos. Se o Parlamento se põe a legislar sobre estes medicamentos, vai ter que legislar sobre muitos outros."