Mirós vão ficar 25 anos em Serralves e nova exposição pode acontecer já em 2019

Câmara do Porto vai pagar 100 mil euros/ano pelo depósito da colecção e contribuir com um milhão para as obras da adaptação da Casa de Serralves, que deverá tê-la em exposição permanente.

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André Rodrigues

A decisão política principal já tinha sido tomada há dois anos, mas agora ficou preto no branco: a colecção de 85 obras de Joán Miró (1893-1983) que pertenceu ao Banco Português de Negócios (BPN) vai ficar no Porto durante um período de 25 anos, à guarda da Fundação de Serralves. As obras deverão ficar em exposição permanente na Casa de Serralves.

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A decisão política principal já tinha sido tomada há dois anos, mas agora ficou preto no branco: a colecção de 85 obras de Joán Miró (1893-1983) que pertenceu ao Banco Português de Negócios (BPN) vai ficar no Porto durante um período de 25 anos, à guarda da Fundação de Serralves. As obras deverão ficar em exposição permanente na Casa de Serralves.

Fundação, Câmara Municipal e Governo anunciaram esta quarta-feira a assinatura de dois protocolos, numa sessão realizada nos paços do concelho portuenses que contou com a presença do primeiro-ministro, António Costa, do autarca Rui Moreira e da presidente do Conselho de Administração de Serralves, Ana Pinho. Pelo primeiro, o Estado, através da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), cede a colecção de obras do pintor surrealista catalão por um período de 25 anos ao município do Porto, ficando este obrigado a “garantir a protecção, conservação, valorização e divulgação cultural das obras”. Seguidamente, a Câmara do Porto e a Fundação de Serralves irão celebrar um Protocolo de Depósito e de Promoção Cultural da colecção, pelo mesmo prazo de 25 anos, segundo o qual o município se compromete a pagar à fundação, pelo seu depósito, a verba anual de 100 mil euros e também a financiar, “até um milhão de euros, as obras de ampliação, remodelação ou conservação da Casa de Serralves, que receberá a exposição permanente”. À Fundação caberão a promoção e a divulgação das obras.

O acordo entre as três partes foi alcançado há cerca de um mês, após um longo período de negociações mediado pelo advogado António Lobo Xavier.

No final da cerimónia, Rui Moreira explicou ao PÚBLICO que o prazo de 25 anos agora estabelecido responde não só a uma exigência legal, mas “é também um prazo relativamente razoável para amortizar o investimento que vai ser feito pela Câmara no depósito em Serralves”.

“Os valores a que chegámos foram negociados muito duramente e parecem-nos razoáveis para aquilo que seria o custo de colocar a colecção noutro sítio qualquer”, acrescentou o autarca. Recorde-se que, num primeiro momento, a autarquia admitiu colocar a colecção no antigo Matadouro Municipal, para o qual existe um plano de adaptação a centro cultural e tecnológico.   

Rui Moreira considerou ainda que o acordo vem “cumprir as expectativas” criadas há dois anos, quando o primeiro-ministro António Costa anunciou a decisão de ceder ao Porto a guarda da colecção Miró. “É um acordo satisfatório, na medida em que conseguimos garantir que a colecção estará sempre exposta – não poderíamos ficar com os Mirós para que eles ficassem nas reservas de Serralves e fossem exibidos só de vez em quando”, acrescentou o autarca, ressalvando que caberá agora à fundação decidir “como instalar” e também “como expor” este acervo.

A colecção Miró vai ficar, de resto, também disponível para a itinerância pelo país, através da Rede Portuguesa de Museus, tutelada pela DGPC, e para exposições internacionais, através do intercâmbio que a Fundação de Serralves tem com várias entidades estrangeiras. O que de resto já aconteceu – referiu Ana Pinho, no decorrer da sessão – com a apresentação da primeira exposição, Joan Miró: Materialidade e metamorfose, em Pádua, Itália, depois da sua passagem por Serralves (onde recebeu mais de 240 mil visitas) e pelo Palácio da Ajuda, em Lisboa.

"Obras não serão complicadas"

Era também já do conhecimento público que o arquitecto Álvaro Siza tinha sido convidado a realizar o projecto de adaptação da bela casa cor-de-rosa de arquitectura modernista mandada edificar pelo Conde de Vizela para acolher as obras de Miró. No final da cerimónia oficial, a presidente do conselho de administração de Serralves disse ao PÚBLICO ser ainda cedo para avançar uma data para a realização das obras, e também não adiantou nenhuma verba relativa ao custo final da intervenção. Mas assegurou que “as obras não serão complicadas, e irão durar apenas alguns meses”.

Na sua intervenção, a presidente de Serralves realçara, de resto, que o projecto de Siza responderá à preocupação de “conviver com a arquitectura da Casa”, através de uma solução que irá permitir “conciliar a identidade do edifício com a sua nova valência”.

No final da sessão, Ana Pinho comunicou a António Costa a possibilidade de uma nova exposição com parte da colecção do pintor surrealista catalão ser apresentada já no próximo ano, de novo em Serralves; isso “poderá acontecer antes das obras”, confirmou a administradora ao PÚBLICO, lembrando contudo que os termos do protocolo com a Câmara do Porto têm de passar pelo crivo do Tribunal de Contas – o que, de resto, se aplica também ao acordo entre a câmara e o Estado, que carece igualmente ainda de aprovação pelos órgãos da autarquia.

"Um dia feliz"

A cerimónia desta quarta-feira teve a particularidade de registar o primeiro acto público da nova ministra da Cultura, Graça Fonseca, que classificou a ocasião como “um dia feliz”. Lembrou que o acordo agora alcançado significa a concretização de mais “uma parceria fundamental para a política pública da cultura, que tem de ser feita sempre em rede, entre o Estado, as autarquias e os privados”.

Depois de lembrar a história da colecção Miró e a reversão pelo actual Governo da intenção do anterior executivo de Pedro Passos Coelho de vender as obras (chegou a estar várias vezes agendado um leilão na Christie’s de Londres), Graça Fonseca puxou pelos números do Orçamento de Estado (OE), dizendo que “a Cultura é a área que mais subiu nos últimos anos, 38%”, e que o projecto de OE actualmente em debate na Assembleia da República significa uma subida de mais de 12% relativamente a 2018.

Já António Costa relembrou que a decisão de escolher o Porto como sede da colecção Miró respondeu ao desejo de “potenciar e diversificar o acesso à cultura no conjunto do território nacional”. E associou a solução agora encontrada para este dossier – para a qual lembrou as relevantes contribuições dos anteriores ministros da Cultura João Soares e Luís Filipe Castro Mendes, além da do negociador Lobo Xavier – a um programa político que está a cuidar também de encontrar destinos para colecções como a do BES, citando a propósito a distribuição de algumas das obras desse acervo por diferentes museus do país, e da Fundação Ellipse, do extinto Banco Privado Português. “Porque Lisboa também faz parte do país, mas há mais país para além de Lisboa”, disse o primeiro-ministro.