Microplásticos detectados nas fezes de indivíduos de oito países

Investigadores apresentaram os resultados de um estudo exploratório inédito que, pela primeira vez, quantifica e caracteriza microplásticos encontrados em fezes humanas. Foram identificados até nove tipos de diferentes plásticos e a média foi de 20 partículas em cada dez gramas de fezes.

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Já terão sido produzidos 8300 milhões de toneladas de plástico no planeta REUTERS/Brian Snyder

Uma equipa de investigadores monitorizou um restrito grupo de pessoas de várias partes do mundo e encontrou microplásticos em todas as análises de fezes realizadas. Trata-se de um estudo exploratório que envolveu apenas oito participantes de oito países (Finlândia, Itália, Japão, Holanda, Polónia, Rússia, Reino Unido e Áustria), mas, apesar da reduzida amostra, os cientistas defendem que não se pode ignorar o facto de todos os testes realizados terem sido positivos e confirmada a presença de até nove tipos de microplásticos. O estudo foi apresentado no maior congresso europeu de gastroenterologia, que decorre até esta quarta-feira em Viena, na Áustria.

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Uma equipa de investigadores monitorizou um restrito grupo de pessoas de várias partes do mundo e encontrou microplásticos em todas as análises de fezes realizadas. Trata-se de um estudo exploratório que envolveu apenas oito participantes de oito países (Finlândia, Itália, Japão, Holanda, Polónia, Rússia, Reino Unido e Áustria), mas, apesar da reduzida amostra, os cientistas defendem que não se pode ignorar o facto de todos os testes realizados terem sido positivos e confirmada a presença de até nove tipos de microplásticos. O estudo foi apresentado no maior congresso europeu de gastroenterologia, que decorre até esta quarta-feira em Viena, na Áustria.

“Os seres humanos são expostos aos plásticos de várias maneiras. Mas, pessoalmente, não esperava que todas as amostras testadas dessem um resultado positivo”, refere Philipp Schwabl, investigador da Unidade de Gastroenterologia e Hematologia na Universidade Médica de Viena e autor do estudo exploratório. O trabalho envolveu a análise às fezes de um pequeno grupo de oito pessoas mas, ainda assim, os resultados deixam espaço para grandes preocupações.

O projecto, realizado com especialistas da Agência Ambiental da Áustria, concluiu que a quantidade média de microplásticos (pequenas partículas com menos de cinco milímetros) encontrada nos participantes era de 20 partículas por dez gramas de fezes. Os oito indivíduos mantiveram um diário alimentar na semana que antecedeu a recolha de amostras e este registo mostra que todos foram expostos a plásticos consumindo alimentos embrulhados em plástico ou beberam líquidos de garrafas plásticas. Nenhum dos participantes era vegetariano e seis consumiram peixe do mar. “Os critérios de exclusão foram casos de doença gastrintestinal, tratamento odontológico recente, dietas médicas, abuso de álcool e ingestão de drogas que afectam a frequência, consistência ou reabsorção das fezes”, refere ainda o artigo.

A análise dos dados consistiu na triagem de 11 tipos de plásticos. “A triagem analítica identificou plásticos de poliestireno e poliuretano em duas de cinco amostras, enquanto nas restantes amostras ainda não foram obtidos resultados definitivos devido ao alto conteúdo residual de celulose e gordura mascarando a presença de microplástico.” Conclusão: “O aumento da poluição plástica pode causar contaminação plástica dos alimentos, que podem afectar o trato gastrointestinal. Pela primeira vez foi detectada a presença de micropartículas de poliestireno e poliuretano em amostras de fezes humanas”.

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Investigador Philipp Schwabl DR

Sobre as origens do plástico que estamos a ingerir há, pelo menos, fortes suspeitas. “Os plásticos são consumidos por animais marinhos e entram na cadeia alimentar onde, em última instância, são consumidos pelos seres humanos. Além disso, é altamente provável que, durante várias etapas do processamento de alimentos, ou como resultado da embalagem, os alimentos estejam contaminados com plásticos”, refere Philipp Schwabl. Neste estudo, adianta, todos as amostras doss participantes tinham partículas de polipropileno e polietileno tereftalato, que são os principais componentes de garrafas de plástico. Mas, frisa, qualquer conclusão definitiva baseada apenas nestes dados será precipitada.

“Este é o primeiro estudo deste tipo e confirma o que suspeitamos há muito tempo, que os plásticos acabam por chegar aos intestinos humanos. O mais preocupante é o que isso pode significar para nós, e especialmente para os pacientes com doenças gastrointestinais”, refere Philipp Schwabl num comunicado de imprensa. Sobre os eventuais danos na saúde há já pistas importantes de estudos realizados com outros animais.

“As maiores concentrações de plástico em estudos com animais foram encontradas no intestino, as menores partículas de microplástico são capazes de entrar na corrente sanguínea, no sistema linfático e até chegar ao fígado. Aqui temos as primeiras provas de microplásticos em humanos, mas precisamos de mais investigação para entender o que isso significa para a saúde humana”, diz, adiantando que, também em estudos com animais, “foi demonstrado que os microplásticos podem causar danos intestinais, alteração das vilosidades intestinais, distúrbios na absorção de ferro e stresse hepático”.

Os plásticos estão por todo o lado. A olho nu temos as imagens chocantes de oceanos sufocados com este lixo a boiar na superfície das águas e a asfixiar animais e, a nível microscópico, também já foi possível encontrar microplásticos “escondidos” na nossa cadeia alimentar em produtos como o típico sal marinho que usamos para temperar ou no popular atum, camarão ou lagosta.

Na apresentação feita no congresso europeu em Viena, Philipp Schwabl começou por exibir os gráficos com a produção mundial de plástico a crescer ano após ano. Em 1950 a produção mundial era de 1,7 milhões de toneladas e em 2012 alcançava-se 288 milhões de toneladas, recordou. A este propósito a revista Science publicou recentemente uma análise global da produção de plásticos no mundo, desde o início do seu fabrico em massa nos anos 50, que concluía que já terão sido produzidos 8300 milhões de toneladas de plástico no planeta.

Num esclarecimento posterior à sessão pública, Philipp Schwabl explica que o interesse por este tema surgiu quando, confrontado com esta realidade assustadora, procurou estudos sobre a presença de microplásticos nos humanos e não conseguiu encontrar “nenhum estudo que comprovasse essa hipótese”. Agora, é preciso saber mais. Fazer um estudo alargado a mais participantes de outros países com diferentes dietas e estilos de vida, incluindo outras fontes de contaminação como os cosméticos, para podermos encontrar as esperadas correlações entre os microplásticos e um prejuízo da saúde humana. E também responder a outras questões que ficam em aberto. Para que sejam detectadas 20 partículas de microplásticos em cada dez gramas de fezes, que quantidade estaremos de facto a ingerir? Quanto fica dentro do nosso organismo? E onde?