Rastreios oncológicos ficaram abaixo das metas em 2017
Adaptação a novos equipamentos ou a desistência dos utentes são alguns dos motivos apontados por algumas das administrações regionais de saúde para explicar os resultados que ficaram aquém do desejado.
Em quase todo o país houve problemas com os rastreios oncológicos da mama, do colo do útero e do cólon e recto, levando a que as taxas de adesão ficassem abaixo das metas definidas para 2017 por várias administrações regionais de saúde (ARS). Alterações do tipo de teste, adaptação a novos equipamentos, a não convocatória por parte dos médicos ou a desistência dos utentes são alguns dos motivos apontados para os resultados que ficaram aquém do desejado.
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Em quase todo o país houve problemas com os rastreios oncológicos da mama, do colo do útero e do cólon e recto, levando a que as taxas de adesão ficassem abaixo das metas definidas para 2017 por várias administrações regionais de saúde (ARS). Alterações do tipo de teste, adaptação a novos equipamentos, a não convocatória por parte dos médicos ou a desistência dos utentes são alguns dos motivos apontados para os resultados que ficaram aquém do desejado.
Segundo estimativas da Agência Internacional para a Investigação do Cancro, o número de novos casos de cancro em Portugal ultrapassará este ano os 58 mil.
É a ARS-Algarve que no relatório de actividades de 2017 mais detalha os problemas que sentiu no terreno. No caso do cancro da mama, a adesão ao rastreio foi de 57% da “população elegível”, abaixo dos 64% previstos.
Os rastreios têm sempre como alvo um grupo populacional, com determinadas características. Por exemplo, o do cancro da mama destina-se, segundo as orientações definidas para 2018, à população feminina entre os 50 e os 69 anos. Em cada ARS, as metas são definidas em função da percentagem da população desse grupo, a chamada “população elegível”, a que se pretende chegar num determinado período de tempo.
A ARS-Algarve aponta vários motivos para ter ficado aquém do objectivo traçado. Vão desde as condições climáticas — se os rastreios estão marcados para dias com muita chuva e frio, isso afasta a adesão das pessoas, admite a ARS — à aquisição de uma nova unidade móvel a meio de 2017 que obrigou a um período de adaptação, passando por uma avaria no final do ano que levou a remarcações e a desistências em Lagoa.
Muitas convocatórias enviadas por correio são devolvidas, acrescenta ainda a ARS-Algarve, “sendo que esta razão representa 59% dos motivos exclusão”. Também há utentes que cancelam, “pois indicam que realizaram mamografia há pouco tempo”.
No rastreio do cancro do colo do útero a meta era de 22%, mas a adesão ficou nos 12% em relação à população elegível. “Esta grande diferença prende-se com o facto de os médicos de família não estarem a convocar as suas utentes para este rastreio”, diz a ARS, que admite, como outros motivos possíveis, a recusa das mulheres, sobretudo as de mais idade, de irem a uma consulta de planeamento familiar e o facto de existirem utentes sem médico de família.
O projecto-piloto do rastreio do cancro do cólon e recto iniciou-se em Julho de 2017 em dois centros de saúde, mas o protocolo com o hospital para a realização de colonoscopias só ficou estabelecido no final do ano passado. Já em Julho deste ano o programa foi alargado aos concelhos de Faro e Olhão. Entre Setembro de 2017 e a primeira quinzena de Julho de 2018 fizeram-se cerca de três mil testes, segundo informação no site da ARS. Destes, 95 deram positivo e foram encaminhados para os hospitais da região.
Diminuição “drástica”
O PÚBLICO consultou todos os relatórios anuais das ARS relativos a 2017 que estão disponíveis nos respectivos sites. Só a ARS-Norte não tem relatório publicado no seu site. Em relação a todas as outras é possível fazer a análise sobre em que ponto estamos em matéria de rastreios.
Foi também no rastreio do cancro do cólon e recto que a ARS-Centro registou maiores dificuldades, desde logo ao não conseguir o alargamento a toda a região. A meta de 7% de utentes com exame efectuado também não foi atingida. A população elegível era de 281 mil pessoas. Foram rastreadas 9670. No relatório de actividades reconhece-se que a cobertura “sofreu uma diminuição drástica no segundo semestre de 2017, passando de 7% em 2016 para 3,4%” no ano passado. Que a ARS justifica com o ”processo de mudança do teste primário de rastreio [o tipo de análise que se faz], situação que irá ficar regularizada em 2018”, garante.
No cancro do colo do útero, a meta para a taxa de cobertura para o triénio 2015-2017 era de 52%. Os resultados ficaram-se pelos 50,3%. De acordo o relatório, foram rastreadas 68.433 de mais de 142 mil mulheres elegíveis. Quanto ao ano passado, “foram rastreadas menos de metade das mulheres que cumpriam os critérios para o rastreio”, mas não indica razões para este resultado.
No rastreio do cancro da mama atingiu-se a meta. A ARS-Centro rastreou em 2017 quase cem mil mulheres de um universo de 147 mil convidadas a fazê-lo. O objectivo era 65% da população-alvo.
Alentejo cumpre uma meta
No relatório de actividades de 2017, a ARS-Alentejo afirma que, das metas propostas para os três rastreios, “duas não foram atingidas e a outra somente alcançada”. A meta para a adesão ao rastreio do cancro da mama era de 62,5% e a do cancro do cólon e recto era 55%. Ficaram-se pelos 60,4% e os 52%, respectivamente.
Sem adiantar o que falhou, a ARS Alentejo diz no relatório que foram rastreadas cerca de 26 mil mulheres. Destas, 112 foram encaminhadas para observação hospitalar. Quanto ao rastreio do cólon e recto, dos pouco mais de 6300 utentes seleccionados, 3307 fizeram o exame. As 25 pessoas em que se confirmou resultado positivo foram referenciadas para os serviços de cirurgia e oncologia.
Só no rastreio do cancro do colo do útero a meta de 75% de adesão foi atingida. Em 2017 foram rastreadas 12.671 mulheres, o que representou “76,5% do total das mulheres convocadas”.
O PÚBLICO perguntou às três ARS se os problemas identificados em 2017 já estavam ultrapassados e que medidas tomaram para o fazer, mas não obteve respostas em tempo útil.
Já a ARS de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) adianta apenas que convidou mais de 50 mil mulheres a fazer o rastreio do cancro da mama, das quais 30.427 aceitaram. “O que corresponde a uma taxa de adesão anual de cerca de 60%”, diz no relatório. Foram “encaminhadas para tratamento oncológico hospitalar 131 mulheres com aferição positiva”. A taxa de cobertura geográfica foi de 27%. O alargamento do rastreio a toda a região estava previsto para este ano. Ao PÚBLICO, fonte da ARSLVT explicou que “a assinatura do protocolo dar-se-á ainda este ano”, mas o alargamento “acontecerá a partir de Janeiro de 2019”.
Para os rastreios do cancro do colo do útero e do cólon e recto (ambos começaram em 2017 com projectos-piloto), as metas definidas diziam apenas respeito à percentagem de centros de saúde com rastreio implementado, que a ARS deu como atingidas. No primeiro a taxa de cobertura geográfica foi de 40% e no segundo de 33%.
Dificuldades logísticas
O coordenador do Programa Nacional das Doenças Oncológicas, Nuno Miranda, reconhece que as metas nacionais ficaram “um pouco aquém” do que queria para 2017. “Existiram dificuldades logísticas que ficarão ultrapassadas entre este ano e o próximo. Havia necessidade de ter uma ter uma plataforma única nacional que permitisse suportar os rastreios. Foi preciso uniformizar os programas e isso foi um trabalho mais moroso do que parecia inicialmente”, explicou.
“Mas em 2018 temos uma recuperação importante, em especial na implementação do rastreio do cólon e recto. Neste momento já temos uma cobertura de 30% da população” elegível, afirmou, adiantando que o rastreio do cancro do colo do útero começou este ano em Lisboa e Vale do Tejo.
Nuno Miranda salientou que “a meta nacional para 2020 é ter cobertura completa dos três rastreios”, objectivo que crê ser possível pelos sinais positivos deste ano.