Fim de acordo histórico EUA-Rússia pode rasgar limites às armas nucleares
EUA anunciaram que vão sair do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio, assinado em 1987 por Reagan e Gorbatchov. Especialistas alertam que a decisão pode levar ao colapso do START em 2021.
No dia 8 de Dezembro de 1987, quando Washington e Moscovo se preparavam para assinar o tratado que iria destruir os seus mísseis de médio alcance, o então líder soviético, Mikhail Gorbatchov, terminou a sua declaração com uma frase que resumia o optimismo daquela época: "Que este dia marque a separação entre uma era de crescente risco de ameaça nuclear e uma era de desnuclearização da vida humana."
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No dia 8 de Dezembro de 1987, quando Washington e Moscovo se preparavam para assinar o tratado que iria destruir os seus mísseis de médio alcance, o então líder soviético, Mikhail Gorbatchov, terminou a sua declaração com uma frase que resumia o optimismo daquela época: "Que este dia marque a separação entre uma era de crescente risco de ameaça nuclear e uma era de desnuclearização da vida humana."
Agora, 31 anos depois, voltam a ouvir-se alertas sobre um possível regresso aos tempos da proliferação nuclear, em comentários à decisão anunciada no sábado pelo Presidente dos EUA, Donald Trump: "Vamos pôr fim ao acordo e vamos sair."
Em causa está o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio, assinado por Ronald Reagan e Mikhail Gorbatchov em 1987, e que só vincula os EUA e a Rússia. No essencial, o tratado levou os dois países a destruir 2692 mísseis de curto e médio alcance (entre 500 km e 5500 km), com capacidade para serem armados com ogivas nucleares, e a comprometerem-se a não fabricar novas versões dessas armas — nem das plataformas móveis que permitem o seu lançamento. O acordo abrange apenas os mísseis disparados a partir do solo, por terem maior mobilidade e permitirem ataques com menos tempo de aviso.
O impulso para a assinatura deste tratado começou uma década antes, em meados da década de 1970, numa época em que não se vislumbrava um mundo muito diferente daquele que tinha nascido após a II Guerra Mundial: para efeitos de superioridade militar, os EUA e a União Soviética só tinham de tirar as medidas entre si para estabelecerem os limites dos seus arsenais.
Mas agora, como referiu o Presidente norte-americano no seu anúncio de sábado, há outros adversários em jogo, em particular a China — que pode continuar a crescer sem ter de cumprir os limites do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio. "Teremos de desenvolver essas armas, a não ser que a Rússia e a China venham ter connosco e digam que temos todos de deixar de desenvolver essas armas. Mas se a Rússia e a China estão a desenvolvê-las, e nós continuamos a cumprir o acordo, isso é inaceitável", disse o Presidente norte-americano.
Os EUA acusam a Rússia de violar o tratado ao fabricar o míssil Novator 9M729, que Washington diz ter um alcance superior aos limites estabelecidos e que a Rússia afirma estar abaixo dos 500 km. Mas a Administração Trump não é a primeira a acusar Moscovo de violar o histórico tratado. Em 2014, o Presidente Barack Obama fez o mesmo, mas terá sido convencido pelos parceiros europeus a não rasgar o acordo.
Já este ano, os EUA lançaram um programa de pesquisa e desenvolvimento (permitido pelo tratado) focado em mísseis de médio alcance lançados a partir do solo. Até lá, os analistas dizem que Washington pode adaptar os Tomahawk, usados pela Marinha, para serem colocados em terra, no território de países aliados na Europa e na zona do Pacífico, se o tratado for rasgado.
Seja qual for o motivo que mais pesa na vontade dos EUA de saírem do histórico tratado — uma resposta a violações por parte da Rússia ou o receio de perder o ascendente em relação à China —, a decisão da Casa Branca fez soar os alarmes nos grupos e instituições que analisam as questões militares.
"Esta é a crise mais grave no controlo das armas nucleares desde os anos 1980", disse ao Guardian o director-adjunto do grupo independente Royal United Services Institute, Malcolm Chalmers.
O especialista sublinha que o possível colapso do tratado pode levar ao fim de outro acordo histórico sobre desarmamento — o New START, assinado em 2010 pelos presidentes Barack Obama e Dmitri Medvedev, com vista à redução de armas nucleares, e que expira dentro de três anos. Se isso acontecer, diz Chamber, "o mundo pode ficar sem quaisquer limites aos arsenais nucleares pela primeira vez desde 1972".
"Um erro", diz Gorbatchov
O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Riabkov, disse que o anúncio do Presidente norte-americano é "um passo muito perigoso, que irá motivar uma condenação da comunidade internacional", salientando que o tratado em causa é "muito importante para a segurança internacional e para a manutenção da estabilidade estratégica no campo das armas nucleares".
O Kremlin fez saber que o Presidente russo, Vladimir Putin, vai esperar para ouvir as explicações do conselheiro de Segurança Nacional norte-americano, John Bolton, que visita o país esta semana.
Mikhail Gorbatchov, o líder da União Soviética que assinou o histórico tratado naquele dia 8 de Dezembro de 1987 em Washington, ao lado de Ronald Reagan, também comentou o anúncio do Presidente Trump, considerando que se trata de "um erro". "Não pode ser assim tão difícil de perceber que descartar acordos como este é uma decisão com vistas curtas", disse Gorbatchov, agora com 87 anos, à agência Interfax. "E vai sabotar os esforços feitos pelos líderes da União Soviética, e dos próprios Estados Unidos, para alcançarmos o desarmamento nuclear."