Como se põem mais raparigas a sonhar com tecnologia?
São precisas mais pessoas com competências em tecnologia na Europa e – para isso – é preciso aliciar mais mulheres, argumentam empresas, políticos e instituições europeias. A forma de o fazer, porém, é alvo de debate.
Em criança, Ana Ferreira, de 31 anos, nunca sonhou em passar os dias a escrever código em frente a um computador. Natural de Viseu, diz que chegou à área da tecnologia quase por acaso. Sem qualquer contacto com o mundo da programação na escola, aventurou-se num curso de Ciências da Informação porque alguns familiares lhe disseram que havia empregabilidade e dinheiro na área. Não era a primeira escolha (o sonho era no mundo da veterinária), mas entrou no curso – com um foco para o sector da saúde – e ficou porque gostou.
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Em criança, Ana Ferreira, de 31 anos, nunca sonhou em passar os dias a escrever código em frente a um computador. Natural de Viseu, diz que chegou à área da tecnologia quase por acaso. Sem qualquer contacto com o mundo da programação na escola, aventurou-se num curso de Ciências da Informação porque alguns familiares lhe disseram que havia empregabilidade e dinheiro na área. Não era a primeira escolha (o sonho era no mundo da veterinária), mas entrou no curso – com um foco para o sector da saúde – e ficou porque gostou.
Em oito anos, já desenvolveu vários projectos para a área da medicina, para a banca, e para empresas online. Ana faz parte de uma minoria. Em 2018, ainda há três vezes mais homens a trabalhar em informática e tecnologia do que mulheres na Europa. Não é por falta de posições: dados recentes do Parlamento Europeu mostram que nos próximos dois anos existirão cerca de 756 mil vagas no sector das tecnologias de informação e comunicação. São precisas mais pessoas com competências nesta área e, para isso, é preciso aliciar mais mulheres, argumentam empresas, políticos e instituições europeias.
“Quando comecei a trabalhar, era quase sempre a única em grupos de trabalho com cerca de oito homens. Havia a ideia de que para uma mulher fazer qualquer coisa, precisava sempre de ajuda”, lembra Ana Ferreira. Nos tempos livres, gere um grupo dedicado a mulheres portuguesas na área, nas redes sociais. “Hoje somos mais, mas ainda somos poucas, e é preciso mais informação direccionada às raparigas.”
Para perceber o estado actual das competências digitais dos cidadãos, este mês a rede europeia REISearch lançou o jogo online iNerd. Faz parte da terceira campanha deste projecto europeu lançado pelo Atomium – Instituto Europeu para a Ciência, Media e Democracia, para criar uma ponte entre cidadãos, investigadores e políticos em torno de diversos tópicos sociais. O objectivo da campanha de 2018, que quer saber “quão nerd é a Europa” – partilhada em jornais de oito países, incluindo o PÚBLICO –, é identificar o nível de literacia digital dos cidadãos e depois ajudá-los a melhorar com vídeos e textos.
Em Portugal, há cada vez mais projectos para motivar mulheres a entrar na área da tecnologia e a ser iNerds. Vários são promovidos no âmbito do InCode 2030, uma iniciativa do Governo para desenvolver competências digitais no país. O Google apoia o Women Techmakers, encontros mensais para dar apoio e visibilidade a mulheres na área da tecnologia. A Microsoft tem o Do IT, Girls!, sessões em que jovens aprendem mais sobre programação e robótica.
Ao nível do ensino, o Technovation, apoiado pela Universidade Nova de Lisboa, equipa estudantes do sexo feminino entre os dez e os 18 anos com formação na área da tecnologia e do empreendedorismo. Desde 2016, que o Instituto Superior Técnico (IST) também atribui a duas estudantes o Prémio Maria de Lourdes Pintasilgo, homenagem à antiga primeira-ministra, no valor de 5000 euros.
Muitos questionam-se, porém, se iniciativas orientadas apenas para o género feminino são justas. “Só aumenta mais o desequilíbrio”, argumenta Ana Costa, 24 anos, uma estudante de engenharia do IST, em Lisboa. “Com prémios, cursos e eventos só para homens, era considerado discriminação”, diz a estudante. “Isto passa a ideia de que são precisos concursos só para mulheres porque estas nunca ganhariam a competir com os homens.”
Hugo Tavares, 34 anos, engenheiro numa multinacional em Lisboa, partilha da mesma opinião. “Se o melhor aluno é um rapaz e não ganha prémio, por que é que a melhor aluna ganha? Mérito devia ser mérito. Para mim, quotas não funcionam.”
Foi em 2017 que o Parlamento português aprovou uma lei que introduziu quotas de género nas administrações e nos órgãos de fiscalização das empresas públicas e das cotadas em bolsa. Pelo menos, 33,3% dos cargos terão de ser ocupados por mulheres.
Em 2018, a média de mulheres em Portugal em áreas das STEM (sigla inglesa para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática) está acima da média europeia: no país, há 53% de mulheres nestes sectores, enquanto na União Europeia o valor ronda os 40%.
“Se olharmos para as STEM, Portugal está perto do topo dos rankings com mais mulheres na área. Mas estes valores são deturpados pela quantidade de mulheres nas ciências [em geral]. Os números são muito menores nas tecnologias, engenharias e matemática”, diz ao PÚBLICO Vanda Jesus, directora de comunicação da Microsoft.
Há quatro anos, a Microsoft Portugal diz que não recebia quase nenhuns currículos de jovens mulheres para as áreas mais técnicas de engenharia e programação. Daí, nasceu o programa Do IT, Girls! Inicialmente, destinava-se a estudantes universitários. Em 2016, o foco passou para estudantes do secundário na área das ciências e tecnologia e, desde 2017, o foco são as estudantes do ensino básico. “Percebemos que tínhamos de ir mais atrás”, diz Vanda de Jesus. “Nas universidades, só chegamos a 10% das raparigas.”
O objectivo da Microsoft é que o programa desapareça. “Se tudo for bem feito, o problema de mulheres em falta deixa de existir”, diz Vanda de Jesus.
Inês Armada Brás, de 26 anos, formada em Engenharia Informática e de Computadores acredita que o caminho ainda é longo. Nos tempos livres, integra a organização Women Techmakers Portugal, a comunidade do Google para dar mais destaque às mulheres na área.
Para Brás, é preciso garantir que as mulheres não sejam invisíveis. “Somos educadas para a hétero-norma, em que ter uma opinião ou falar mais alto é visto como histeria. Todos temos colegas mulheres, mas não se vêem. Em eventos de tecnologia, 95% dos que falam são homens. É preciso mostrar as mulheres da área. Ensiná-las a falar e a partilhar experiências”, diz. “Já aconteceu a todas. Ser o colega masculino a conseguir a promoção, a ter a proposta escolhida.”