Redução das propinas: um momento histórico
O Bloco de Esquerda garantiu que o Orçamento do Estado para 2019 reduz o teto máximo das propinas de 1068€ para 856€. Esta medida representa um corte de 20% no seu valor, dando voz a todas as gerações de estudantes que não desistiram de lutar contra esta injustiça.
Em 1992, aquando da sua primeira atualização, as propinas foram apresentadas como uma pequena participação dos estudantes na melhoria das condições de ensino. Essa taxa equivalia a 6,5€, contudo, o movimento estudantil percebeu que a escalada nesse valor era tão certa como dois mais dois serem quatro. A luta anti-propinas tem exatamente a idade da própria medida, acompanha a história do Ensino Superior e nunca nenhum Governo ou qualquer ministro do setor se conseguiram livrar desse combate: alguns caíram, outros tornaram-se adversários eternos do movimento estudantil. Percebe-se porquê: a escolha de reconfigurar um serviço público, gratuito e universal, num mecanismo de prestação de serviços baseado na lógica de utilizador-pagador afasta milhares de jovens portugueses das Universidades e Politécnicos desde 1992.
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Em 1992, aquando da sua primeira atualização, as propinas foram apresentadas como uma pequena participação dos estudantes na melhoria das condições de ensino. Essa taxa equivalia a 6,5€, contudo, o movimento estudantil percebeu que a escalada nesse valor era tão certa como dois mais dois serem quatro. A luta anti-propinas tem exatamente a idade da própria medida, acompanha a história do Ensino Superior e nunca nenhum Governo ou qualquer ministro do setor se conseguiram livrar desse combate: alguns caíram, outros tornaram-se adversários eternos do movimento estudantil. Percebe-se porquê: a escolha de reconfigurar um serviço público, gratuito e universal, num mecanismo de prestação de serviços baseado na lógica de utilizador-pagador afasta milhares de jovens portugueses das Universidades e Politécnicos desde 1992.
O peso das propinas constitui, atualmente, um garrote para centenas de milhares de famílias que têm os seus filhos a estudar no Ensino Superior. Equivalem, em média, a um terço do orçamento das Instituições de Ensino Superior, pagam salários de docentes, investigadores e ainda servem para tapar buracos na conta corrente, como a fatura da água, eletricidade e outros gastos de manutenção. Segundo o relatório Education at a Glance referente a 2015, o financiamento público ao Ensino Superior em Portugal é o menos representativo na Europa e na OCDE, representando apenas 54% (os restantes 46% ficam a cargo das famílias e dos estudantes). O valor médio na União Europeia é de 78,1% e nos países da OCDE de 69,7%. As propinas foram o mote para a desresponsabilização do Estado das suas funções fundamentais, empurrando para a carteira das famílias os custos do ensino superior. A esse respeito, convido o leitor a ler o acórdão 148/1994 que o Tribunal Constitucional produziu em defesa da revisão da política de propinas:
“Esta revisão torna-se urgente, considerando que nesta matéria a situação que, presentemente, se verifica em Portugal é profundamente inequitativa, na medida em que introduz uma discriminação negativa nas despesas das famílias portuguesas com a educação, resultando num maior benefício para as famílias de mais altos rendimentos, e contraria, por essa forma, a justiça distributiva visada pelo sistema fiscal. (...) Acresce, ainda, que se trata de um valor igual para todos os alunos, independentemente da sua situação económica, o que introduz um outro factor de injustiça, uma vez que no ensino superior os benefícios revertem em parte para os próprios alunos.”
A medida inscrita no OE 2019, ainda que não acabe de vez com a política de propinas, é um passo no caminho certo para a sua abolição. Traduz uma alteração estrutural no modelo de financiamento do Ensino Superior, debate esse que está congelado desde o momento em que se impôs a ideia de que a política de propinas é uma inevitabilidade.
A medida é estrutural e não eleitoralista porque não se fica pela resposta imediatista. Desde 2003, aquando da consagração da propina como fator determinante na Lei de Bases do Sistema Educativo, que não aconteceu nenhuma redução do seu valor. É um tiro no porta aviões nas políticas neoliberais no Ensino Superior.
Ainda que o debate seja urgente, convém relembrar que o reforço da ação social, por si só, não resolve um problema colocado a priori: as propinas são o primeiro obstáculo na frequência no ensino superior. Hoje, mais de metade dos bolseiros só recebe um valor de bolsa no valor da propina, o que anula o efeito da própria bolsa e serve somente para financiar, indiretamente, as instituições. Por isso é que são infelizes as tomadas de posição daqueles que, desde sempre, se opuseram a qualquer medida que abolisse ou reduzisse as propinas e que, neste momento histórico, desviam o debate – que é a sua derrota política – para o problema da escassa ação social no ensino superior. Eleitoralista e demagógica é, por exemplo, a proposta que o CDS-PP pretende apresentar no sentido de aumentar o subsídio de alojamento nas bolsas de ação social para os estudantes que não encontrem vaga nas residências universitárias. Pegaram fogo ao mercado de arrendamento com a Lei das Rendas de Assunção Cristas, garantiram que não haveria nenhum corpo de bombeiros em auxílio quando retiraram as residências universitárias das linhas de financiamento do último quadro comunitário e, agora, a partir da costa, de binóculos, atiram peixe miúdo aos tubarões que vivem da especulação imobiliária.
O caminho até aqui não foi fácil nem começou ontem. No Parlamento, todas as vezes que se votaram iniciativas legislativas para pôr um termo à taxa em causa o Partido Socialista, de mãos dadas com a direita, chumbou essas propostas. Já nesta legislatura, o diploma apresentado pelo Bloco contou apenas com os votos favoráveis do PCP e do PEV, com uma tímida abstenção de alguns deputados jovens do PS e com o resto das bancadas a insurgir-se contra o projeto.
O momento é o da efetivação do Estado Social, que consagra uma Educação Pública Universal e Gratuita, que se contrapõe ao mercantilismo excludente que se impôs nas últimas décadas.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico