O que revela o assassinato do saudita Jamal Khashoggi
Pactuar com um regime desta natureza é assumir que crimes tão hediondos no modus faciendi e nas desculpas apresentadas possam ser tolerados.
O assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi no consulado da Arábita Saudita em Istambul revela, em toda a sua nudez, a natureza do regime absolutista monárquico no poder em Riad. O poder saudita congeminou o assassinato de um prestigiado intelectual árabe porque ele não aceitava a mordaça de escrever o que o palácio real queria.
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O assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi no consulado da Arábita Saudita em Istambul revela, em toda a sua nudez, a natureza do regime absolutista monárquico no poder em Riad. O poder saudita congeminou o assassinato de um prestigiado intelectual árabe porque ele não aceitava a mordaça de escrever o que o palácio real queria.
Quando a notícia do casamento de Jamal bateu no consulado, deve ter sido imediatamente transmitida aos mais altos dirigentes sauditas que, sabendo que para casar ele teria de se deslocar ao consulado, organizaram friamente o seu assassinato. Receberam-no no consulado e uma equipa de carniceiros profissionais, vindos da capital do reino obscurantista no mesmo dia, matou-o e fê-lo desaparecer, ao que se sabe levando-o esquartejado para Riad e afirmando que ele tinha saído do consulado.
A sua noiva, fora do consulado, esperou 11 horas seguidas sem o ver sair. Os dirigentes sauditas tinham perfeita consciência do escândalo que rebentaria, mas para eles todos os escândalos são melhores que Jamal Khashoggi continuar a escrever o que pensava nos jornais onde escrevia. Na verdade, o poder saudita está habituado a comprar quem quer que seja com os seus triliões. Quem não se render deve ser assassinado, nem que seja no estrangeiro.
Veja-se a posição de Trump. De início considerou muito grave e exigiu que se apurassem responsabilidades, combinando com Riad enviar Pompeo para ele sair de lá “convencido” que a Suas Altezas reais nunca lhes passou pela cabeça assassinar Jamal, sendo que algum dos carrascos o deve ter feito por descuido. Eis o que Trump, e provavelmente Macron e Theresa May, queriam ouvir.
Esta última e os seus amigos, por uma tentativa de envenenamento de um espião russo convertido para espiar Putin, puseram a Europa em alvoroço com a expulsão de centenas de diplomatas russos, como não se via há décadas, nem no período da guerra fria.
Trump e Pompeo já avançaram com a desculpa que criaram com o tal príncipe “moderno” para que tudo fique na mesma. Os carrascos encarregados de matar Khashoggi afinal saíram de Riad para lhe fazer perguntas sobre a prenda de casamento e Jamal, com o susto, morreu, pois não imaginava que os enviados de Salman lhe quisessem desejar felicidades. Trump já afirmou que vai continuar a vender milhares de milhões à Arábia Saudita em armamento para abafar a revolta no Iémen. Os amigos são para as ocasiões.
Pactuar com um poder desta natureza é assumir que crimes tão hediondos no modus faciendi e nas desculpas apresentadas possam ser tolerados. Resta a todos, sobretudo aos Estados, a aceitação ou rejeição de semelhante barbaridade para que armadilhas deste tipo não possam ser montadas seja onde for e por quem quer que seja.