Reflexões sobre arbitragem
Algo que sempre me perturbou e que me continua a perturbar é a forma como as pessoas, em geral, olham para os erros cometidos pelos jogadores e treinadores e como olham em relação aos erros cometidos pelos árbitros.
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Algo que sempre me perturbou e que me continua a perturbar é a forma como as pessoas, em geral, olham para os erros cometidos pelos jogadores e treinadores e como olham em relação aos erros cometidos pelos árbitros.
Um avançado falha um golo de baliza aberta ou um guarda-redes que ao tentar jogar a bola com os pés a deixa entrar na baliza ou passa para um adversário são criticados sim, no limite pela sua competência ou falta dela, ou muitas vezes desculpados pelo facto de terem tido azar ou de terem sido vítimas de um momento infeliz. Para um árbitro que não assinala um penálti ou um assistente que valida um golo em fora de jogo, nunca é um azar ou um caso de incompetência, o princípio geral é o de ter sido intencional, propositado, o de estar ao serviço de alguém, de ser corrupto, etc.
E se me incomoda este tipo de observação por parte do público em geral, basta ter assistido a um programa humorístico este fim-de-semana num canal público e ter visto e ouvido o que uma senhora “do povo” disse em linguagem ofensiva e grosseira sobre os árbitros, tendo tido o sublinhado com aplausos do resto da plateia e gargalhadas de aprovação, para este incómodo se acentuar.
Muito triste e de nível muito baixo, sobretudo, porque esse programa passou no mesmo dia em que três árbitros e dois GNR foram agredidos no final do jogo entre Salgueiros e Oliveira do Douro a contar para a divisão de elite da AF Porto. Mas também fico incomodado quando, nessa mesmo manhã, o treinador do Varzim criticou na praça pública o futebol em geral, quando disse: “O futebol português é uma vergonha”. Mesmo com razões sobre lances do jogo em que a sua equipa saiu prejudicada, a sua mensagem além de não acrescentar nada em termos de resolução para os problemas reais que existem, só lançou mais suspeitas e críticas generalistas ao futebol em geral e aos árbitros em particular. E, uma vez mais, num jogo em que tantos erraram e que são desculpados por serem humanos a equipa de arbitragem é a principal suspeita de ter errado porque está ao serviço de alguém e alguma coisa. O mesmo treinador disse: “Parece que está tudo controlado e já decidiram quem vai subir”.
A questão é, quem é que já decidiu? Nomes, dados concretos, pessoas, clubes, árbitros, quem? Isso sim era serviço público. Estas frases são mais do mesmo, ou seja, uma mão cheia de nada. Enquanto isto, a Liga portuguesa e a federação continuam activas a passar multas financeiras ridículas em vez de seguirem o exemplo da Liga inglesa onde as penalizações financeiras são a sério. Liga e federação continuam a querer fazer jogos à porta fechada em vez de proibirem os verdadeiros prevaricadores de irem aos estádios com as apresentações à hora do jogo nas esquadras de polícia, e a suspenderem temporariamente quem agride árbitros em vez de os erradicarem para sempre da participação em jogos e em espectáculos desportivos.
Acreditem que apenas com punições severas e drásticas aos que prevaricam conseguirão de uma vez por todas resolver estes e outros problemas. Mas num país carregado de processos de justiça relacionados com o futebol, onde o tempo passa e nenhuma medida de concreto é realmente tomada, fica a vontade e a necessidade de uma intervenção do poder político tal como aconteceu em Inglaterra e que resolveu a título definitivo o problema do hooliganismo.
Entretanto, no plano mais prático e na sequência do jogo Estoril-Varzim lançou-se a questão do porquê de não se alargar a utilização do videoárbitro (VAR) para todas as competições profissionais, onde se iriam incluir, obviamente, os jogos da II Liga. De resto, esta questão do VAR já tinha sido lançada a propósito da Taça da Liga, que também não tem VAR na fase de grupos e em que na primeira jornada houve erros claros e óbvios que poderiam ter sido resolvidos se essa tecnologia estivesse disponível.
A questão para esta situação passa claramente por questões financeiras, pois cada jogo custa em termos de videoárbitro 3000 euros, multiplicando pelos nove jogos em cada jornada teríamos um valor de 27.000 euros. Se olharmos para o aspecto "macro" de uma época desportiva (34 jornadas), teríamos um investimento de quase um milhão de euros. Ora, parece-me ser bem evidente o motivo pelo qual a federação dificilmente alargará o VAR para a II Liga, não obstante tratar-se também de futebol profissional. Em conclusão, lembrem-se que enquanto o poço não seca, não sabemos dar valor à água. Por isso, se o futebol é a nossa paixão, não a deixem secar, depois pode ser tarde.