Nova secretária de Estado reforça perfil "tecnocrático" da Cultura, diz sector
Ângela Carvalho Ferreira toma posse na quarta-feira e junta-se a Graça Fonseca na pasta da Cultura. Representantes dos sectores das maiores contestações à anterior equipa ministerial dividem-se entre optimismo e medo de “um erro estratégico gigante".
A nova secretária de Estado da Cultura é Ângela Carvalho Ferreira, cujo percurso tem acompanhado em parte o da ministra Graça Fonseca na Câmara de Lisboa e no actual Governo, e as expectativas dos grupos que mais contestaram a anterior equipa governativa da Cultura focam-se agora no desejo de ver mais pensamento estratégico para o sector, mas também no temor de que estes nomes representem “uma espécie de visão tecnocrática do sector cultural”, como diz ao PÚBLICO Cíntia Gil, directora do festival DocLisboa.
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A nova secretária de Estado da Cultura é Ângela Carvalho Ferreira, cujo percurso tem acompanhado em parte o da ministra Graça Fonseca na Câmara de Lisboa e no actual Governo, e as expectativas dos grupos que mais contestaram a anterior equipa governativa da Cultura focam-se agora no desejo de ver mais pensamento estratégico para o sector, mas também no temor de que estes nomes representem “uma espécie de visão tecnocrática do sector cultural”, como diz ao PÚBLICO Cíntia Gil, directora do festival DocLisboa.
Ângela Carvalho Ferreira, arquitecta de formação, era chefe de gabinete da nova ministra Graça Fonseca na Modernização Administrativa e na Câmara de Lisboa esteve ligada ao planeamento e gestão urbanística. Foi chefe de divisão dessa área, bem como do Apoio Socioeducativo do Departamento de Educação. Ângela Carvalho Ferreira, cujo nome foi conhecido esta terça-feira, foi ainda directora do Departamento de Projectos Estruturantes da Direcção Municipal de Urbanismo e tomará posse quarta-feira juntamente com os novos secretários de Estado vindos da remodelação governamental do fim-de-semana.
“Havia suspeitas de que a nomeação de Graça Fonseca adviesse mais uma necessidade de execução do que estava pré-definido do que de desenvolver uma política consistente para a cultura”, reflecte Cíntia Gil. É uma das representantes da Plataforma do Cinema, que integra o DocLisboa e 13 outras estruturas do sector, protagonizou o primeiro momento de grande contestação ao anterior secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, em torno da regulamentação da Lei do Cinema e do modelo de constituição dos júris que arbitram sobre os concursos de atribuição de apoios ao cinema e audiovisual. A estrutura ainda não reuniu para estudar a proposta de Orçamento do Estado para 2019, mas Cíntia Gil, falando enquanto responsável do festival, recebeu o nome da nova titular da pasta que até aqui se encarregava do cinema e do audiovisual como “um erro estratégico gigante, mais um tiro no pé”.
Para a responsável, o Governo “está preocupado com a execução do que está já definido no Orçamento do Estado” e as escolhas de duas personalidades que, como descreve por seu turno ao PÚBLICO o artista plástico Pedro Portugal, configuram uma equipa mais técnica sem uma aparente relação directa com o sector.
Os artistas plásticos protagonizaram o mais recente dos momentos de contestação na Cultura, levando até ao primeiro-ministro uma carta de apelo e denúncia sobre a situação da arte contemporânea em Portugal, tendo recebido de António Costa a promessa de um fundo de aquisições para os próximos dez anos. “Os três grandes protestos do sector, o do cinema, o do apoio às artes e dos artistas plásticos foram dirigidos ao primeiro-ministro por não reconhecimento” do ministro Castro Mendes como decisor, lembra Cíntia Gil. Graça Fonseca e Ângela Carvalho Ferreira podem representar “a perda da oportunidade de fazer uma ponte com o sector que precisa de reconhecer na tutela um interlocutor”, lamenta.
“Temo que não vão ser interlocutoras, que não haja grandes ideias. Quando o que este sector precisa é de ideias. O sector é muito frágil e simultaneamente muito criativo – é preciso uma estratégia criativa equilibrada que reconheça as necessidades estruturais dos agentes cultural e os potenciais do sector.”
Mais optimista é Tânia Guerreiro, da Rede, e membro do grupo de trabalho nomeado pelo Ministério da Cultura para reflectir sobre o actual modelo de apoio às artes que tanta contestação gerou na Primavera passada. “Esperamos, desde o início, que o ministério tenha poder político para trabalhar e uma visão estratégica para a cultura. Não estamos satisfeitos como que tem acontecido nos últimos anos e esperamos que uma alteração seja pelo melhor”, diz ao PÚBLICO. André Albuquerque, dirigente do sindicato Cena, recorda que a nova equipa tem vários temas em aberto - "os dossiers do cinema e do apoio às artes são questões longe de estar terminadas" - e espera que "de uma vez por todas haja alguém capaz de implementar um serviço público de cultura" no país.
Voltando a pôr a tónica na necessidade de um novo modelo para as artes, depois daquele que Miguel Honrado pôs em campo, Tânia Guerreiro diz: “Vamos esperar para ver e estamos como sempre disponíveis para colaborar e para ser ouvidos. Contamos que o modelo não só seja revisto mas sim que haja um novo modelo, de raiz”.
Pedro Portugal recorda também que das reivindicações dos artistas só uma política para as aquisições obteve resposta, e que é fundamental que a arte contemporânea não esteja sob a alçada da Direcção-Geral das Artes, mais dedicada às artes performativas, e a constituição de um museu nacional de arte contemporânea.
"Já chega que o sector seja resiliente. Tem de haver um prémio para essa resiliência", considera André Albuquerque. "A produção independente está bastante deficitária e a não poder crescer."