Leslie, um fenómeno “bastante invulgar” que (também) surpreendeu os cientistas

Uma depressão pós-tropical entrou em Portugal, entre as 22h30 e as 22h40 de sábado, com ventos a cerca de 110 quilómetros por hora, depois de ter deixado de ser um furacão poucas horas antes. Este é um fenómeno atípico?

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No sábado, às 22h40, a estação do IPMA de Figueira da Foz/Vila Verde registou uma rajada de cerca de 176 quilómetros por hora. Isto está relacionado com um fenómeno chamado "jacto de sting" IPMA

Nos últimos dias, tem sido impossível não ouvir um nome: Leslie. A depressão que atingiu, sobretudo, os distritos de Leiria e de Coimbra deixou milhares de pessoas sem electricidade, derrubou centenas de árvores e provocou o corte de várias estradas. Mas, afinal, o que foi o fenómeno Leslie? Era um furacão até chegar bem perto da costa continental portuguesa. Depois, transformou-se rapidamente numa tempestade e numa depressão. O Leslie surpreendeu os cientistas que a classificam como “bastante invulgar”. Está relacionada com as alterações climáticas? Ainda é cedo e um fenómeno demasiado isolado para o afirmar.

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Nos últimos dias, tem sido impossível não ouvir um nome: Leslie. A depressão que atingiu, sobretudo, os distritos de Leiria e de Coimbra deixou milhares de pessoas sem electricidade, derrubou centenas de árvores e provocou o corte de várias estradas. Mas, afinal, o que foi o fenómeno Leslie? Era um furacão até chegar bem perto da costa continental portuguesa. Depois, transformou-se rapidamente numa tempestade e numa depressão. O Leslie surpreendeu os cientistas que a classificam como “bastante invulgar”. Está relacionada com as alterações climáticas? Ainda é cedo e um fenómeno demasiado isolado para o afirmar.

“O que é bastante invulgar é que esta depressão nasceu como uma tempestade tropical na zona Oeste do Atlântico e teve um percurso aleatório”, começa por dizer o físico Filipe Duarte Santos. Depois do seu nascimento, passou por uma série de transformações: tornou-se num ciclone tropical (furacão), que, por sua vez, passou a tempestade tropical. Mas não parou por aqui: essa tempestade ganhou força, uma direcção e tornou-se outra vez um furacão. Às 16h de sábado estava a cerca de 250 quilómetros a oeste/sudoeste de Lisboa e ainda era furacão. Às 19h já era novamente uma tempestade tropical a cerca 150 quilómetros a oeste da Ericeira. E às 20h20 já era uma depressão pós-tropical.

Filipe Duarte Santos explica ainda que a maioria destes temporais costuma nascer junto à costa de África ocidental e que atravessa o Atlântico na direcção do golfo do México e, depois, dá uma curva e vai para Oeste. “Mas este nasceu já no [meio do] Atlântico, o que já é uma coisa extraordinária.” 

Por que é que isto acontece? O físico diz que é necessário distinguirmos dois aspectos. “O primeiro é o mecanismo que leva à formação de um temporal, que depois se transforma num ciclone tropical.” Ainda não se percebeu se as alterações climáticas favorecem a formação inicial destes temporais. “O segundo aspecto refere aquilo que ‘alimenta’ um ciclone tropical, que lhe dá força, aumenta a intensidade dos seus ventos e a quantidade de precipitação.” De acordo com Filipe Duarte Santos, isso relaciona-se com a temperatura da superfície dos oceanos. “E a temperatura da superfície dos oceanos, em média, aumentou 1,5 graus Celsius desde 1900 até agora. O que é uma coisa gigantesca.”

Diálogo entre a tempestade e o ambiente

Mas voltemos ainda à “visita” da Leslie a Portugal. Quando entrou em terra, entre as 22h30 e as 22h40, já era uma depressão pós-tropical, mas com ventos sustentados (vento continuo num intervalo de tempo) muito fortes a cerca de 110 quilómetros por hora. “Em alguns sítios, os ventos eram equivalentes à força de um furacão”, recorda Paulo Pinto, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). “Isto do ponto de vista dos registos meteorológicos [em Portugal fazem-se de forma sistemática desde 1860] é inédito e causou uma grande perplexidade nas pessoas que trabalham estes assuntos”, acrescenta Filipe Duarte Santos.

Além disso, a estação do IPMA de Figueira da Foz/Vila Verde registou às 22h40 de sábado uma rajada de cerca de 176 quilómetros por hora. Isto está relacionado com um fenómeno chamado “jacto de sting”. Paulo Pinto explica que houve uma espécie de diálogo entre a tempestade e o ambiente envolvente, que era de ar relativamente seco. Esse ar começou a entrar na tempestade e, ao entrar, o ar começou a sublimar e a evaporar algum gelo e água em altitude, respectivamente. Dessa sublimação e evaporação resultou um arrefecimento do ar seco. E esse ar ficou mais denso. “Na sequência desse processo continuado, as correntes de ar tendem a acelerar-se para níveis mais baixos e podem, por vezes, atingir a superfície.” Foi isso que aconteceu na Figueira da Foz.

Paulo Pinto refere que não tem conhecimento de outro jacto de sting associado a este tipo de fenómeno. Contudo, frisa que só há radares e instrumentos de medição mais evoluídos há relativamente pouco tempo. Mesmo assim, diz que um jacto de sting, que ocorreu a 23 de Dezembro de 2009, foi semelhante ao de sábado relativamente aos estragos que provocou e à natureza do vento. Mas a tempestade associada ao jacto de sting de 2009 tinha-se desenvolvido nas latitudes médias.

Quanto a parecenças do Leslie com outros furacões, como o Ophelia, Paulo Pinto diz que apenas se assemelham por aconteceram os dois em meados de Outubro

Sobre se esta foi a maior tempestade em Portugal desde 1842 (como se chegou a dizer), Paulo Pinto responde: “Não posso confirmar nem desmentir.” Se foi a maior por ser o único caso em que o furacão chegou muito perto da costa continental portuguesa, afirma que sim. Quanto aos estragos e à área que abrangeu, o meteorologista lembra o chamado “ciclone de 1941”, que provocou cerca de 200 mortes por sobreelevação do nível do mar que teve reflexo no rio Tejo. Mas, adianta ainda que os tempos também são outros. Tem é a certeza de uma coisa: este fenómeno vai ser motivo de interesse na comunidade científica.

Filipe Duarte Santos confirma que “a comunidade científica que trabalha nestas questões dos ciclones tropicais ficou surpreendida” com este fenómeno que atingiu as costas da Europa ocidental.

E poderemos associá-lo às alterações climáticas? “Nunca podemos estabelecer uma ligação com as alterações climáticas de um fenómeno que é o único”, responde o físico. “Temos sempre de recorrer a estatísticas.” Como tal, menciona o aumento de ciclones com intensidade muito elevada na zona oeste do Atlântico Norte e no Atlântico Norte para nos referir que isso, sim, já é uma manifestação das alterações climáticas.