Menos de 10% dos portugueses seguem a Dieta Mediterrânica

Manifesto em dez pontos defende a necessidade de preservar esta forma de comer que é menos seguida no Sul do país e entre os mais desfavorecidos.

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Rui Gaudêncio

Apesar das campanhas de promoção da Dieta Mediterrânica, em Portugal menos de 10% da população pratica na sua totalidade este tipo de alimentação, que em 2010 foi reconhecida pela UNESCO como Património Imaterial da Humanidade. É sobretudo no Sul e entre as populações mais desfavorecidas que a Dieta Mediterrânica tem menor penetração, indicam dados da Unidade de Investigação EpiDoC da Nova Medical School.

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Apesar das campanhas de promoção da Dieta Mediterrânica, em Portugal menos de 10% da população pratica na sua totalidade este tipo de alimentação, que em 2010 foi reconhecida pela UNESCO como Património Imaterial da Humanidade. É sobretudo no Sul e entre as populações mais desfavorecidas que a Dieta Mediterrânica tem menor penetração, indicam dados da Unidade de Investigação EpiDoC da Nova Medical School.

Perante esta constatação, três personalidades ligadas de diferentes formas à Dieta Mediterrânica lançaram um manifesto em dez pontos para a preservação desta em Portugal, alertando para a necessidade de haver políticas pensadas para que mais gente tenha a possibilidade de comer de acordo com os princípios desta dieta.

O documento é assinado por Pedro Graça, nutricionista da Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto e director do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direcção Geral de Saúde, Jorge Queiroz, sociólogo que foi membro da delegação de Portugal na inscrição da Dieta na UNESCO, e Graça Bertrand Cabral, antropóloga e técnica superior da Comissão Nacional da UNESCO.

Pedro Graça reconhece que, face ao trabalho de divulgação que tem sido feito nos últimos anos, “esperava-se que houvesse uma maior adesão”. Considera que isso se deve, por um lado, a um modelo de comunicação que chega sobretudo a pessoas que já estão à partida interessadas nessa informação e que, por outro lado, tem sido muito centrado nas vantagens nutricionais de certos produtos ligados à Dieta Mediterrânica, como o azeite.

É importante fazer passar outras ideias, diz. “Uma palavra central é a convivialidade” e esta implica tempo. Daí que o um dos pontos do manifesto diga que “a preservação da Dieta Mediterrânica é a preservação do tempo das famílias para produzir, comprar, cozinhar e estar juntos à mesa”. Este talvez seja, contudo, o ponto em que as políticas públicas menos podem intervir.

Mas há outros que se ligam, por exemplo, à agricultura e ao ambiente, e em que faz sentido pensar em políticas mais concretas: “Preservar a Dieta Mediterrânica é preservar a biodiversidade e a diversidade cultural”; é necessária “a preservação de quem produz localmente e o fortalecimento das economias regionais”; e a Dieta Mediterrânica é “um modo de preservação do planeta onde o sector do ambiente terá uma palavra central”, alerta o manifesto.

Uma das razões, segundo Pedro Graça, para que as populações do Sul estejam ainda mais distantes da Dieta Mediterrânica do que as do resto do país pode ser “a perda de laços com a produção agrícola de forma mais intensa do que a que aconteceu no Norte”. Daí, sublinha, a importância do envolvimento dos Ministérios da Agricultura e do Ambiente, devendo este "ter a Dieta Mediterrânica como tema central e um grande envolvimento na sua promoção”.

As políticas económicas são também chamadas a ter um papel no ponto em que se defende que a preservação da Dieta Mediterrânica “deve possibilitar que todos tenham acesso a ela, independentemente da sua capacidade económica”. “Temos milhares de famílias que recebem apoio alimentar”, lembra Pedro Graça, “esses cabazes podiam integrar produtos da Dieta Mediterrânica, podíamos começar a trabalhar nisso imediatamente.”

Políticas para a famílias

Da mesma forma, é importante que as políticas para a família e a igualdade de género se preocupem com esta questão porque “preservar a Dieta Mediterrânica é reconhecer o trabalho da mulher como guardiã da alimentação saudável da família, a herança e a transmissão de conhecimentos e segredos culinários do passado, mas também hoje a participação do homem na partilha das tarefas domésticas de alimentação e outras”, como defende o ponto 7 do manifesto.

A educação tem um papel fundamental, consideram os três signatários do documento, defendendo “o reconhecimento destes sabores e saberes na escola, onde o comer mediterrânico e o saber cozinhar mediterrânico devem fazer parte do dia-a-dia das escolas nacionais e dos seus objectivos de ensino”.

É, contudo, ao sector da saúde que cabe a definição clara do que faz e do que não faz parte da Dieta Mediterrânica e por isso é preciso o “envolvimento e capacitação” deste sector para o tema. Pedro Graça lembra que, neste âmbito, é fundamental fazer passar uma mensagem muito clara: a Dieta Mediterrânica implica um consumo moderado, e não excessivo, de alimentos, por muito saudáveis que estes possam ser.

“Frugalidade é uma palavra que desapareceu”, lamenta o responsável pelo programa nacional para a promoção da alimentação saudável. “Por outro lado, ainda há a ideia de que a Dieta Mediterrânica é muito rural, mas por todo o mundo mediterrânico ela foi sempre também uma dieta dos centros urbanos. Temos que dizer que hoje a Dieta Mediterrânica também pode ser cosmopolita e inclui pratos que podem ser uma espécie de fast-food.”

Na lógica de uma política interministerial, a cultura é outra área que tem que estar envolvida, na opinião dos signatários. “A preservação da Dieta Mediterrânica é a preservação da cultura popular e alimentar das sociedades do Sul, devendo este processo ter uma participação central do sector da cultura”, defende o 10.º ponto do manifesto. “É preciso”, conclui Pedro Graça, “chamar as pessoas ligadas à cultura e à gastronomia, que também faz parte da cultura, a trabalhar esta questão”.