Dez anos depois da Grande Recessão – Estamos preparados para a próxima?
Em vez de nos preocuparmos com medidas que nos permitem responder a uma crise, porque não tentar evitá-la em primeiro lugar?
Dez anos depois da queda do Lehman Brothers, a economia norte-americana encontra-se na sua segunda maior expansão desde a II Guerra Mundial. A situação macroeconómica na Europa aparenta estar estável, apesar de algumas preocupações de abrandamento. As medidas de resposta à crise aparentam, grosso modo, ter funcionado. Mas voltariam a funcionar, face a um novo colapso do sistema financeiro?
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Dez anos depois da queda do Lehman Brothers, a economia norte-americana encontra-se na sua segunda maior expansão desde a II Guerra Mundial. A situação macroeconómica na Europa aparenta estar estável, apesar de algumas preocupações de abrandamento. As medidas de resposta à crise aparentam, grosso modo, ter funcionado. Mas voltariam a funcionar, face a um novo colapso do sistema financeiro?
A 15 de Setembro de 2008, o quarto maior banco de investimento dos EUA declarava falência. Ao contrário do que tinha acontecido em março desse ano com o Bear Sterns, as autoridades norte-americanas acabam por não conseguir oferecer um resgate público ao Lehman Brothers, espoletando uma onda de pânico que alastrou pelos mercados globais. A economia americana já enfrentava uma recessão desde finais de 2007, mas é a partir deste dia que se percebe que “desta vez é diferente” e que esta não seria uma recessão como as outras. Acaba por se tornar na “Grande Recessão”, a maior desde a Grande Depressão (e pior do que esta em países como a Grécia).
Perdas no mercado imobiliário norte-americano levam a que o colapso financeiro nos EUA se alastre a bancos europeus. Anos de práticas fraudulentas nas finanças públicas gregas lançam gasolina para o fogo. Irlanda e Espanha tentam levar a cabo desastrosos resgates públicos dos respetivos sistemas bancários, ao mesmo tempo que estes entram em colapso devido a bolhas imobiliárias locais. Portugal e Itália, países com condições macroeconómicas semelhantes a estes, são afetados por contágio.
Enfrentando condições catastróficas, autoridades orçamentais e monetárias dos dois lados do Atlântico respondem com um arsenal de medidas. Em fevereiro de 2009, a Administração de Barack Obama lança o maior programa de estímulo orçamental da história dos EUA. A Reserva Federal ativa três grandes programas de compra de ativos (Quantitative Easing), para além de inúmeros programas de apoio à liquidez. O Congresso reforça a regulação financeira através da Lei Dodd-Frank. Na Europa, havia menos espaço para manobra: confrontados com a inação por parte do BCE, vários governos, como o português, começaram por responder com estímulos orçamentais. A capacidade orçamental não era, contudo, tão grande como a norte-americana, e em breve vários desses Estados encontrar-se-iam a braços com crises de dívida soberana. Por fim, com a tomada de posse de Mario Draghi em 2011, o BCE começa a “facilitar” e leva a cabo intervenções monetárias de grande escala.
Para além do custo humano, a Grande Recessão implicou grandes custos orçamentais devido a muitas destas medidas de resposta. Os níveis de dívida pública da maioria das economias desenvolvidas aumentaram consideravelmente entre 2008 e 2018. Nos EUA e no Reino Unido, por exemplo, a dívida pública duplicou e encontra--se a níveis nunca antes vistos desde a II Guerra Mundial.
A tendência de subida de taxas de juro de referência pode trazer problemas de financiamento a alguns países. A capacidade de resposta orçamental não foi eliminada, mas é certamente mais baixa do que em 2008.
Face a limitações orçamentais, podem as autoridades monetárias ajudar? Os principais bancos centrais levaram a cabo grandes programas de compra de ativos, levando a que os seus balanços adquirissem dimensões nunca antes vistas. Nos EUA e no Reino Unido, o tamanho dos ativos dos respetivos bancos centrais saltou de uma média de 5% do PIB para mais de 22%. Na zona euro, os ativos do BCE correspondem a mais de 40% do PIB total. No Japão e na Suíça, este número supera os 100%. Bancos centrais com balanços “obesos” levantam preocupações políticas e podem derradeiramente ter consequências orçamentais. Apesar de a Reserva Federal, por exemplo, ter já iniciado um processo de normalização que visa reduzir o peso dos seus ativos, há quem receie que este processo seja demasiado demorado, especialmente se a próxima crise estiver à porta. Com as taxas de juro de referência ainda em níveis historicamente baixos nas economias desenvolvidas, este instrumento de política monetária convencional terá utilidade limitada em caso de uma (grande) recessão. Assim, os bancos centrais teriam de recorrer outra vez a políticas não convencionais, que envolvem tipicamente um aumento dos seus ativos.
Em vez de nos preocuparmos com medidas que nos permitem responder a uma crise, porque não tentar evitá-la em primeiro lugar? É este o papel das políticas macroprudenciais: instituições e regulações que tentam tornar o sistema financeiro menos vulnerável a crises. Na Europa foram dados passos importantes no sentido de harmonizar e fortalecer a regulação de instituições financeiras através da União Bancária, mas ainda persistem vulnerabilidades e incertezas quanto à capacidade de ação dos supervisores comuns. Nos EUA, o atual Congresso procede ao desmantelamento da Lei Dodd-Frank.
As maiores ameaças à capacidade de resposta a uma nova crise podem, contudo, ser políticas. A ascensão do populismo e o crescente ceticismo em relação a instituições de natureza tecnocrática como bancos centrais, reguladores financeiros ou a própria União Europeia podem impor barreiras políticas à capacidade de ação deste tipo de instituições. Principalmente em alturas de crise — quando medidas pouco populares têm frequentemente de ser tomadas.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
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