PS temeu uma agenda de direita com Joana Marques Vidal

Caso Sócrates fica indelevelmente ligado ao mandato da procuradora-geral da República que deixa hoje o Palácio Palmela.

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Costa com Marques Vidal: a ainda PGR nem sempre foi consensual no PS Nuno Ferreira Santos (arquivo)

O primeiro-ministro elogiou há dias a prestação de Joana Marques Vidal à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR), afirmando que “é mesmo uma pessoa feliz por ser a primeira que cessa funções, não manchando o seu mandato com críticas, mas só com elogios”. Mas há seis anos, quando o nome da magistrada foi escolhido para o cargo, o PS não se reviu na escolha, não só por ter sido indicada por um governo de direita (PSD/CDS) mas também por ser de uma família com uma “agenda de direita”.

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O primeiro-ministro elogiou há dias a prestação de Joana Marques Vidal à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR), afirmando que “é mesmo uma pessoa feliz por ser a primeira que cessa funções, não manchando o seu mandato com críticas, mas só com elogios”. Mas há seis anos, quando o nome da magistrada foi escolhido para o cargo, o PS não se reviu na escolha, não só por ter sido indicada por um governo de direita (PSD/CDS) mas também por ser de uma família com uma “agenda de direita”.

“À partida, tudo o que viesse do anterior Governo e do anterior Presidente da República era de desconfiar e eu incluo-me nessa mesma atitude por parte do PS e ainda por cima vindo ela da família Marques Vidal, que tem, como se sabe, uma agenda de direita, de extrema-direita”, diz agora Ana Gomes. A eurodeputada refere-se a José Marques Vidal, pai da magistrada (que foi vice-procurador-geral da República), e ao irmão, João Marques Vidal, o procurador que investigou o processo Face Oculta, tendo partido dele a iniciativa da investigação que culminou com a destruição das escutas a José Sócrates.

Na mesma linha, o dirigente nacional do PS, Manuel Pizarro, assume que no “início havia um problema: o apelido Marques Vidal que, justa ou injustamente, está associado a uma posição conservadora, porventura, a uma posição reaccionária”.

Cumprido o mandato, os dois socialistas fazem agora uma avaliação “globalmente positiva” da prestação de Joana Marques Vidal na PGR, mas apontam-lhe também falta de coragem para levar até ao fim alguns processos, como o caso dos submarinos, e de ter uma “intervenção politicamente selectiva para não pôr em causa pessoas de direita”.

“Joana Marques Vidal contribuiu para dar credibilidade e prestígio ao Ministério Público, mas o seu mandato não foi feito só de rosas maravilhosas, como agora dizem. Não estou a afirmar que a procuradora tem a culpa de tudo, mas foi sob a sua responsabilidade que o processo dos submarinos foi arquivado e essa decisão não a engulo”, declara, desapontada, a eurodeputada.

“Foi já com Joana Marques Vidal que foi tomada a decisão política de arquivar o trabalho de uma procuradora que exigia a continuação da investigação orientada para os possíveis corrompidos, designadamente decisores políticos, intervenientes no processo dos submarinos, que nunca foram investigados, e isto é uma escolha política do Ministério Público”, avalia Ana Gomes.

Porém, para a eurodeputada, o caso “mais escandaloso é o do apagão fiscal, que está relacionado com o caso BES e que deveria ter merecido ser a prioridade das prioridades e ter todos os meios para se investigar. Estamos a falar de pelo menos dez mil milhões de euros”.

Os dois socialistas evitam falar do caso Sócrates, mas é com esta PGR que o antigo líder do PS é detido (em Novembro de 2014) e é deduzida a acusação. “Houve muita cosia importante que se fez e que foi positiva e o caso Sócrates é um deles, mas vamos ver o que vai dizer o tribunal”, aponta a eurodeputada. Já Manuel Pizarro tenta justificar a evolução do sentimento de aproximação do PS em relação à magistrada. “Provou ao longo do seu mandato que é uma pessoa com uma posição própria. O facto de vir de uma família onde havia gente com uma posição muito conservadora não a diminuiu nem a condicionou”, sublinha.

Rio aos ziguezagues

Do lado do PSD ouviram-se várias vozes a elogiar Joana Marques Vidal, mas Rui Rio foi resistindo sempre a comentar o mandato da procuradora, quer enquanto candidato à liderança, quer já como presidente do partido, ao contrário do seu adversário na corrida interna, Santana Lopes. E, depois de eleito, foram várias as vezes que criticou o Ministério Público, sem nunca se se comprometer com uma posição relativamente à recondução da PGR.

Em Janeiro, em entrevista à SIC, Rio corrigiu o tiro. “Reconheço uma evolução positiva” no MP, disse, numa declaração que veio contradizer aquela que o candidato produziu durante o debate com Santana, em que afirmou textualmente que o balanço que fazia do mandato de Joana Marques Vidal “não é positivo”. Mas manteve as críticas ao MP e não disse se estava "a favor ou contra” a recondução da procuradora, endossando na altura uma decisão para a futura direcção do PSD.

Em Setembro, na Áustria, onde se deslocou para uma reunião do PPE, Rio admitiu que a recondução da procuradora não o surpreenderia. Um dia depois, numa declaração a partir do Porto, o líder do PSD surpreendeu ao dizer que não encontrava razões para substituir Joana Marques Vidal. De resto, fez-lhe um rasgado elogio: “Terá sido até o melhor [procurador-geral] desde o 25 de Abril até hoje.”