Neste sábado testa-se o músculo da contestação popular às dragagens no Sado
As obras do alargamento do Porto de Setúbal tem sido mediáticas mas a população não é contra, diz a administração portuária. Manifestação de hoje é teste decisivo
A manifestação convocada para hoje por diversas associações ambientalistas contra as dragagens no rio Sado vai ser um teste decisivo ao envolvimento da população de Setúbal na luta contra as obras de alargamento dos canais de acesso ao porto.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A manifestação convocada para hoje por diversas associações ambientalistas contra as dragagens no rio Sado vai ser um teste decisivo ao envolvimento da população de Setúbal na luta contra as obras de alargamento dos canais de acesso ao porto.
As dragagens, prestes a começar, têm sido notícia e foram já objecto de uma acção judicial do Clube da Arrábida, mas, segundo a presidente da Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS), a contestação não é verdadeiramente popular.
“Tem sido com grande perplexidade que tenho assistido a algumas opiniões extemporâneas, sem qualquer fundamento científico”, diz Lídia Sequeira, que aponta o Clube da Arrábida como responsável pelo “alarmismo na opinião pública” sobre as dragagens.
A presidente da Câmara de Setúbal, apesar de as obras do porto, promovidas pela APSS, não serem da responsabilidade do município, também diz que os contestatários das dragagens são “meia dúzia”.
Os protestos públicos promovidos até agora têm permitido esta interpretação. A primeira manifestação, há um mês (dia 15 de Setembro), convocada pelo grupo Sado de Luto, juntou 15 pessoas, e o segundo protesto, uma vigília na Praça do Bocage, há duas semanas (dia 3 de Outubro), contou com a participação de menos de 150 pessoas.
A manifestação de hoje, marcada para as 16h, assume, por isso, a importância de teste decisivo ao envolvimento popular na luta contra as obras e até de última esperança de que as dragagens possam ser travadas fora do tribunal.
A organização está consciente do carácter decisivo da manifestação de hoje. “Se a adesão não tiver expressão numérica, a contestação na rua fica afectada e, a partir daí, resta-nos a via judicial”, admite Pedro Vieira, presidente do Clube da Arrábida, que aguarda decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada sobre o caso. Na decisão preliminar, o tribunal indeferiu a providência cautelar para a suspensão das obras.
Ao PÚBLICO o dirigente mostrou-se, no entanto, confiante na força do protesto de hoje. “Estou entusiasmado, porque a adesão nos últimos dias, tem sido enorme”, afirma Pedro Vieira.
A iniciativa assume aspectos pouco comuns. Além de ser a primeira manifestação contra as dragagens no Sado que envolve um número alargado de entidades — Clube da Arrábida, Quercus, Zero, as plataformas Sado de Luto e SOS Sado, e a Cooperativa de Pesca de Setúbal, Sesimbra e Sines, Sesibal —, é também um dos raros casos em que a Quercus e a Zero participam conjuntamente.
Segundo Paulo do Carmo, dirigente nacional da Quercus, a parceria com a Zero é “casual” e decorre da circunstância de haver uma liderança, pontual, de um terceiro, que é Clube da Arrábida.
Francisco Ferreira considera “natural” o envolvimento da Zero, uma vez que a associação tem muitas pessoas ligadas a Setúbal, incluindo o próprio, e que a conjugação de esforços decorre da “importância do Sado”. “Há uma grande confluência e uma partilha de ideias comuns em relação aos impactos muito significativos deste projecto”, disse ao PÚBLICO, adiantando que espera grande participação das pessoas que “estão muito sensíveis”.
A Liga para a Protecção da Natureza (LPN) entretanto demarcou-se, por razões éticas, por não se ter pronunciado, mesmo depois de formalmente convidada, durante o período de consulta pública do estudo de impacte ambiental (EIA).
O protesto está marcado para o Jardim da Beira-Mar, com desfile até à Docapesca.
Golfinhos e praias em risco
Os ambientalistas contestam as dragagens no Sado por considerarem que colocam em risco o golfinhos, as praias da Arrábida, e a fauna do Parque Marinho Luís Saldanha.
A declaração de impacte ambiental (DIA), que avalia o estudo de impacte ambiental (EIA) admite que as dragagens provocam um “efeito sumidouro” que pode agravar o problema da falta de areia das praias como o Portinho da Arrábida e perturbar a comunidade de roazes corvineiros do Sado, devido ao ruído e à redução do alimento. A dieta destes mamíferos depende muito dos chocos existentes no estuário.
Na fase de consulta pública, a Câmara de Setúbal defendeu a utilização da areia retirada do rio para enchimento das praias da Arrábida e esse parecer, segundo a presidente da APSS, deverá ser seguido.
Um dos argumentos usados contra o estudo de impacte ambiental é o de que foram mais valorizados os interesses económicos, de desenvolvimento do porto, do que os ambiental e paisagístico. E as obras estão a ser contestadas também pelo receio de que possam destruir o valor turístico da zona, onde pontificam a península de Tróia e a baía de Setúbal.
Ontem mesmo, José Roquette, do Pestana Hotel Group, dizia ser “incompreensível, e de enorme irresponsabilidade, que se ponha em risco todo o ecossistema do estuário do Sado e da península de Tróia”.
A TSF revelou ontem que o Governo travou a inclusão desta zona de Setúbal na Rede Natura 2000. Os ambientalistas reagem dizendo que a opção não foi inocente. “Revela má-fé, porque se o Sado integrasse a rede, agora seria mais difícil fazerem as dragagens”, disse Paulo do Carmo ao PÚBLICO.
As obras no Porto de Setúbal, num valor de 25 milhões de euros, destinam-se ao alargamento e aprofundamento dos dois canais de navegação do Sado para permitir a entrada de navios de maior calado. Os ambientalistas dizem que são 6,5 milhões de metros cúbicos mas a presidente da APSS assegura que são 3,5 milhões e que esta quantidade é que consta no contrato de empreitada.