Tribunal de Contas arrasa investimento do Estado para reforço da rede SIRESP
Entidade que fiscaliza as contas públicas diz que Estado assumiu despesa de 15,6 milhões que deverá ser da empresa SIRESP. Acórdão aponta para infracções financeiras. Operadora vai recorrer.
O Tribunal de Contas (TdC) arrasa um aditamento ao contrato entre o Estado e a empresa que gere a rede de emergência nacional, SIRESP SA, no acórdão em que recusa dar o visto a esta alteração contratual que previa um investimento público de 15,58 milhões de euros. Mesmo depois de o Ministério da Administração Interna (MAI) lhe ter fornecido vários dados pedidos, o TdC mantém "sérias dúvidas" sobre a assumpção desta despesa por parte do Estado, entendendo que devia ser a empresa a suportá-la, e critica a negociação, referindo que esta revela "uma total ausência de transparência num processo que deveria ser claro, objectivo e sindicável". O MAI e o Ministério das Finanças recusam as críticas, defendendo-se com o "interesse público" e "segurança das populações" e garantem que a SIRESP vai recorrer da decisão.
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O Tribunal de Contas (TdC) arrasa um aditamento ao contrato entre o Estado e a empresa que gere a rede de emergência nacional, SIRESP SA, no acórdão em que recusa dar o visto a esta alteração contratual que previa um investimento público de 15,58 milhões de euros. Mesmo depois de o Ministério da Administração Interna (MAI) lhe ter fornecido vários dados pedidos, o TdC mantém "sérias dúvidas" sobre a assumpção desta despesa por parte do Estado, entendendo que devia ser a empresa a suportá-la, e critica a negociação, referindo que esta revela "uma total ausência de transparência num processo que deveria ser claro, objectivo e sindicável". O MAI e o Ministério das Finanças recusam as críticas, defendendo-se com o "interesse público" e "segurança das populações" e garantem que a SIRESP vai recorrer da decisão.
A história deste negócio começa ainda em 2017 depois dos incêndios. Tendo em conta as falhas da rede SIRESP durante os fogos que vitimaram mais de uma centena de pessoas, o primeiro-ministro pressionou a Meo/Altice, à data a maior accionista da SIRESP e a fornecedora do serviço, para que esta encontrasse soluções para garantir que a rede não falhe nas situações em que é necessária.
O Governo queria soluções para a redundância e resiliência da rede e acabou a negociar um aditamento ao contrato com a empresa - uma espécie de PPP em que o Estado tinha supervisão mas não era accionista -, que tinha associado um investimento público em antenas-satélite e geradores a gasóleo de 15,58 milhões de euros.
Foi a esse contrato que o TdC recusou o visto, dizendo que se este produziu efeitos antes - porque a operadora realizou quatro subcontratos para pôr as soluções em prática - pode haver infracção financeira. No acórdão assinado pelo conselheiro Fernando Oliveira Silva, é decidida a não atribuição de visto e a instauração de processo "para efeitos de concretização do âmbito da infracção", uma vez que o contrato "terá produzido os seus efeitos antes do visto". Questionado pelo PÚBLICO, o TdC explica que, "se os subcontratos são uma decorrência deste aditamento contratual (celebrado entre o Estado e a Operadora SIRESP), eles não deveriam produzir efeitos antes do visto deste contrato principal", o que aconteceu. Já sobre eventuais responsabilidades dos autores, uma vez que os subcontratos foram realizados pela operadora e não por responsáveis públicos, o TdC diz que "é prematuro tirar neste momento ilações sobre o eventual apuramento de responsabilidades, uma vez que esse é um processo autónomo".
O MAI não refere a existência destes compromissos pela operadora, mas garante em todo este processo "não foram produzidos quaisquer efeitos financeiros". Ou seja, os contratos foram celebrados pela SIRESP SA, na esperança de que o visto seria obtido. Não sendo, fica a despesa, para já, a cargo da operadora e não do lado público. Contudo, a empresa, "tendo sido notificada pelo Tribunal de Contas da recusa de visto ao aditamento ao contrato SIRESP", já anunciou que vai "recorrer do acórdão".
São quatro os subcontratos em causa, sendo o mais expressivo com a Meo no valor de 10,82 milhões de euros. Há outro também com a Meo no valor de 1,6 milhões de euros, um terceiro com a Moreme de 1,8 milhões de euros e por fim com a Motorola, de 153,1 mil euros.
Processo pouco transparente
Não há actas nem relatórios e, assim, o TdC não pode aferir, entre outros aspectos, se o preço que o Estado se predispunha a pagar era o justo e aceitável. É esta uma das conclusões do acórdão sobre o processo de negociação entre o Governo e a empresas gestora da rede: "Todo o historial inerente a este processo, de grande opacidade - que não é, no entanto, justificável apesar da inegável urgência que lhe subjaz - e de ausência de informação, não permite sindicar se a solução apresentada é a que melhor serve o interesse público", diz o Tribunal.
Para sustentar esta tese, o TdC apresenta dois argumentos. Em primeiro lugar, diz que "não é seguro que este aditamento contratual seja absolutamente necessário", uma vez que para o relator do acórdão o contrato original do SIRESP prevê que é a operadora quem tem de garantir as condições de funcionamento da rede. Em segundo lugar, mesmo que fosse demonstrada essa necessidade absoluta do aditamento, questiona "se não seria preferível auscultar o mercado, ao invés de validar, sem mais - como parece ter sucedido -, o orçamento apresentado pela operadora SIRESP, ainda mais pertinente quando se aproxima o termo do contrato de PPP". Assim, conclui, "o valor contratual a que se chegou não está devidamente fundamentado".