A jornada de um homem transgénero: esta é a história de Harrison
Há sete anos, começou a sua jornada para "se sentir mais como ele próprio". Hoje, com 29, Harrison já tem uma “bela barba ruiva” e está quase a conseguir nadar em público. “É muito mais do que sorte, karma, bênção ou aquilo em que acreditam”, diz. “Honestamente nunca pensei chegar até aqui.”
Para Harrison Massie, fazer a transição de mulher para homem nunca foi uma questão de trocar um género pelo outro. Começou a sua jornada para "se sentir mais como ele próprio" há sete anos. “Não tenho vergonha de dizer que já fui mulher”, diz à Reuters o jovem, hoje com 29 anos, que vive em Saint Louis, Missuri. “Em última análise, é parte de quem sou e de como fui criado e adoro ter a perspectiva de ambos os géneros.”
Ansiava sentir-se mais confortável no seu próprio corpo, queria ter certas características masculinas, como um peito liso. E, ano após ano, foto a foto, a sua amiga Sara Swaty acompanhou todo o processo de transição. “Em trabalhos anteriores nunca tive a oportunidade de criar uma ligação tão profunda com alguém e de documentar o processo de transição desde o início”, conta a fotógrafa, que conheceu Harrison quando eram adolescentes. “Sempre abordei as sessões fotográficas com conceitos claros e ideias de como queria que as imagens ficassem. Mas com Harrison, eu… fazia o que ele queria, e fiz o meu melhor para o fotografar como ele se sentia, não como eu o via.”
A rejeição por parte da família e amigos é comum para muitas pessoas transgénero. Num estudo publicado em 2016 pela revista LGBT Health, 31% dos indivíduos transgénero inquiridos disse que tinha sido moderadamente rejeitado pelas suas famílias e 14% respondeu que tinha sido fortemente rejeitado. Também um estudo recente feito nos Estados Unidos concluiu que quase metade dos adolescentes transgénero que fizeram a transição de mulher para homem tentou suicidar-se pelo menos uma vez. Harrison, porém, sempre teve o apoio dos seus entes queridos.
“Harrison tem sido a minha alma gémea, o meu companheiro”, ressalva o seu pai, Robbin, um professor reformado na casa dos 60 anos. “Ele disse que ia fazer a transição e que queria tornar-se um rapaz e eu aceitei.” Já a sua mãe, Stephanie, confessa que no início foi muito difícil aceitar essa decisão. "Era como a morte desse filho." No entanto, com o tempo, apercebeu-se que Harrison era a mesma pessoa e a relação nunca enfraqueceu. “Ele ainda é o bebé, a alegria em pessoa.” Jasa, a irmã mais velha, concorda. “Eu sabia que isto era o que ele queria, sabia que o tornaria muito mais feliz e, de facto, aconteceu”, sublinha. “Tenho muito orgulho nele e no homem em que se tornou.”
Há dois anos, conheceu Sandra Mazoni, de 29 anos, barmaid e acrobata. Hoje estão noivos — o casal comprou recentemente uma casa em Saint Louis. Na primeira vez que a convidou para sair estava muito nervoso, mal conseguia respirar na sua presença, como confessou a um amigo. Agora, um ano depois do noivado, o cenário é diferente. "Já aprendi a respirar com ela por perto", diz Harrison, entre risos.
Quando os amigos mais próximos souberam da sua transição, não ficaram surpreendidos. Já estavam à espera, já tinham reparado nas coisas que dizia ou fazia. “Quando ele contou que era 'trans', meio que olhámos uns para os outros e dissemos 'Dah'”, recorda George Caputa, que vive na Alemanha. “Quando realmente se ama e apoia alguém 'trans', a sua identidade sexual pouco tem a ver com o que amamos na pessoa.”
Os primeiros meses de injecções da terapia hormonal foram acompanhados de perto pelo grupo, que se reunia em celebração para ajudá-lo a sentir-se mais confortável com o processo. O que, para Swaty, foi bastante marcante: “Passar tempo com um grupo tão bonito e sentir o amor que partilham uns com os outros é incrivelmente inspirador.”
Mas Harrison também tem enfrentado desafios, nomeadamente no mercado de trabalho. “Quando comecei o processo de transição não conseguia encontrar um emprego de maneira nenhuma”, conta. “De cada vez que tentava explicar ao entrevistador que o meu nome de nascimento (nome antes da transição) não era o nome que eu utilizava, ficavam confusos e não me contratavam.” Acabou por encontrar o seu futuro como barman, gerindo um bar em Saint Louis, o que lhe permite expressar-se e ser apreciado.
Os cuidados de saúde foram também uma das suas maiores preocupações. Com uma cobertura insuficiente, o acesso à testosterona a um preço acessível era por vezes difícil e muitas vezes acabava por ter de pagar do seu próprio bolso. Gastou sensivelmente 110 dólares por mês durante sete anos, mais de nove mil dólares no total.
A ausência de um seguro de saúde é actualmente uma das suas maiores inquietações, até porque representa um obstáculo à cirurgia ao peito, um procedimento que inclui a remoção cirúrgica das mamas e reconstrução e que pode custar vários milhares de dólares. Por isso, encorajado pelos amigos e ansioso por pôr um fim à dor provocada por anos e anos a utilizar uma cinta à volta do peito, Harrison criou uma página no portal GoFundMe.com para angariar dinheiro suficiente para a cirurgia. “Sempre senti que a cirurgia estaria fora do meu alcance devido ao preço, daí ter demorado sete anos para pedir o dinheiro”, escreveu na página. “Esta é a minha jornada. Por favor, ajudem-me a sentir-me melhor, não só pela dor, mas também a melhorar a minha auto-estima.” Até agora, angariou 8330 dólares, ultrapassando o objectivo de oito mil dólares.
Ao longo dos últimos sete anos, Harrison deixou de ser a “rapariga bonita” e passou a ser ele mesmo. Já tem uma “bela barba ruiva” e está quase a conseguir nadar em público. “É muito mais que sorte, karma, bênção ou aquilo em que acreditam”, diz. “Honestamente nunca pensei chegar até aqui.”
Tradução de Ana Silva