De Coimbra a Grândola a 500 rotações por minuto
Um disco-livro reúne 14 das muitas versões de Grândola Vila Morena, incluindo a gravação da primeira vez em que ela foi cantada ao vivo por José Afonso, na Galiza, em 1972.
Aconteceu em 2004 e foi uma ousadia: num único disco-livro, reuniram-se 24 versões da mundialmente conhecida canção Coimbra, música de Raúl Ferrão e letra de José Galhardo. Uma pequena parte, já que nas pesquisas para o disco foram encontradas pelo co-editor, José Moças (da Tradisom), mais de 200 versões. O ímpeto para tal edição partiu de José Miguel Júdice e ali se incluíram as “Coimbras” de Alberto Ribeiro (que primeiro a cantou), Amália Rodrigues (que a celebrizou), Louis Armstrong, Bert Kaempfert, Chet Atkins, Bing Crosby. Eartha Kitt, Caetano Veloso, Xavier Cugat, Perez Prado, Vic Damone ou Liberace.
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Aconteceu em 2004 e foi uma ousadia: num único disco-livro, reuniram-se 24 versões da mundialmente conhecida canção Coimbra, música de Raúl Ferrão e letra de José Galhardo. Uma pequena parte, já que nas pesquisas para o disco foram encontradas pelo co-editor, José Moças (da Tradisom), mais de 200 versões. O ímpeto para tal edição partiu de José Miguel Júdice e ali se incluíram as “Coimbras” de Alberto Ribeiro (que primeiro a cantou), Amália Rodrigues (que a celebrizou), Louis Armstrong, Bert Kaempfert, Chet Atkins, Bing Crosby. Eartha Kitt, Caetano Veloso, Xavier Cugat, Perez Prado, Vic Damone ou Liberace.
Sucede que Coimbra é também conhecida como Abril em Portugal, e foi aliás esse o título que lhe deram nas versões inglesa ou francesa. O Estado Novo aproveitou o slogan e, a partir dele, gerou intensa propaganda, instituindo até (em 1966) o Dia Nacional do Turista, celebrado a 20 de Abril de cada ano. Isto durou até 1974, quando a menção de “Abril em Portugal” passou a ser referência internacional para outra coisa: a “revolução dos cravos”. Entre ambos, havia apenas em comum as flores (o regime mandava distribuí-las aos turistas e no dia 25 foram entregues aos soldados revoltosos) e a música. Se a imorredoura Coimbra foi aproveitada politicamente para expandir uma ideia de Portugal, na madrugada de 24 para 25 de Abril de 1974, como senha do golpe militar que abriu as portas à democracia, uma outra canção emergia: Grândola, Vila Morena, de José Afonso. Ele estava a leste desta apropriação, mas satisfez-se com ela, dado o uso. Porquê Grândola? Porque não estava proibida pela censura (passava sem problema nas rádios) e porque era mobilizadora. É bem curioso o relatório de 5 páginas feito, à data, por dois agentes da Repartição de Fiscalização da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, após assistirem ao I Encontro da Canção Portuguesa, no Coliseu dos Recreios (Lisboa), no “dia 29 de Março [de 1974] das 21.00 às 01.30 horas”. A dado passo, escrevem: “Finalmente JOSÉ AFONSO também cantou. Mas primeiro todos os artistas deram os braços, e oscilavam o corpo da esquerda para a direita, no que foram logo imitados pelo público. Interpretou ‘Grandola [sic], vila morena’ e ‘Milho Verde’ e novamente ‘Grandola’ [sic], acompanhado pelo público, que berrava, cremos que intencionalmente, a estrofe ‘o povo é quem mais ordena’. Pode-se constatar o final como apoteótico, com jogos de luzes a incidir sobre os artistas e sobre o público.” O relatório é datado de 1 de Abril de 1974 e tem esta nota das despesas feitas: “Transportes: 18$50”.
Pois agora sucede com Grândola o que sucedeu com Coimbra: um disco-livro, editado pela Câmara Municipal de Grândola e com lançamento marcado para o próximo sábado (às 16h, no Cineteatro Grandolense), reúne 14 das dezenas de versões existentes da canção, tocadas e gravadas em vários países. Além da original, gravada por José Afonso no disco Cantigas do Maio (1971), incluem-se versões da Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense (à qual o autor dedicou o poema inicial, ainda sem música, em Maio de 1964), Amália Rodrigues, Franz Joseph Degenhardt, UHF, Edyta Geppert, Grupo Coral Etnográfico Vila Morena, Sable Sun: In Rock, Brita Papini e Maria Ahlstrom, Rodrigo Leão com Camané e a Orquestra Sinfonietta de Lisboa, Agit Prop, Nara Leão e Carlos Martins. E se o disco Coimbra incluía a sua primeira interpretação ao vivo (pelo cantor e actor Alberto Ribeiro, no filme Capas Negras, de 1946, onde contracenou com Amália), também aqui se inclui a gravação, até agora inédita, da primeira vez em que Grândola foi cantada ao vivo por José Afonso; não em Grândola mas na Galiza, em Santiago de Compostela, em Maio de 1972.
Registos históricos, lançados com 14 anos de intervalo, Coimbra e Grândola, que antes rodaram a 45 e 33 rotações (nos antigos discos de vinil) encontram-se agora a 500 rotações por minuto, que é a velocidade máxima a que gira um CD (entre 180 e 500 rotações por minuto, consoante a leitura esteja mais longe ou mais perto do centro do disco). Ligados a dois nomes maiores da música portuguesa de sempre: Amália Rodrigues e José Afonso.
No lançamento de Grândola, este sábado, estarão Alcides Bizarro (da Câmara de Grândola), António Manuel Ribeiro (dos UHF), Arturo Reguera (co-organizador do concerto na Galiza em 1972), Carlos Martins, Francisco Fanhais, José Mário Branco e Rui Vieira Nery. Com música e exposições, de dia 11 a dia 14, num encontro intitulado Sem Muros Nem Ameias. Organizado pelo Observatório da Canção de Protesto e sempre com entrada livre.