Rui Cartaxo: EDP propôs pagar 100 milhões pelas barragens
O ex-assessor de Manuel Pinho defendeu a transparência da metodologia de cálculo do valor que a EDP pagou pela extensão da exploração de 27 barragens – cerca de 700 milhões – e disse que a EDP até só queria pagar 100 milhões.
Rui Cartaxo, que foi assessor do antigo ministro da Economia Manuel Pinho, e participou na definição do valor que a EDP pagou pela extensão das concessões de 27 barragens no ano em que os contratos CMEC entregaram em vigor, defendeu esta terça-feira no Parlamento os méritos da metodologia usada e do valor obtido pelo Estado (cerca de 700 milhões de euros) neste processo, recordando que nas contas da empresa a extensão das concessões não valia mais do que 100 milhões de euros.
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Rui Cartaxo, que foi assessor do antigo ministro da Economia Manuel Pinho, e participou na definição do valor que a EDP pagou pela extensão das concessões de 27 barragens no ano em que os contratos CMEC entregaram em vigor, defendeu esta terça-feira no Parlamento os méritos da metodologia usada e do valor obtido pelo Estado (cerca de 700 milhões de euros) neste processo, recordando que nas contas da empresa a extensão das concessões não valia mais do que 100 milhões de euros.
O ex-economista do Banco de Portugal e ex-presidente da REN, que está a ser ouvido esta terça-feira na comissão de inquérito sobre as rendas da energia, contou que no processo de avaliação do valor da extensão do domínio público hídrico (de cuja coordenação foi incumbido por Manuel Pinho) o Ministério da Economia se viu confrontado com duas posições formais “muito diferentes”.
Uma da REN, que sustentava que a EDP deveria pagar 1600 milhões de euros pelo valor da extensão das barragens, e outra da EDP – que chegou ao Ministério em papel timbrado da eléctrica e que tinha em anexo uma avaliação feita pelo banco Rothschild – que defendia que o valor da concessão andasse algures entre os 127 milhões e os 71,8 milhões de euros, consoante as taxas de juro.
“Ignorar totalmente a posição da EDP não era uma opção que o Estado tivesse na altura porque senão os CAE ficavam em vigor” e havia uma directiva europeia que dizia que 80% da produção eléctrica tinha de ir para o regime de mercado, afirmou Rui Cartaxo (sublinhando que foi um mero assessor e que não teve “capacidade de decisão politica nenhuma”).
No entanto, seguir a recomendação da REN também não era viável: “A REN é excelente na gestão do sistema eléctrico, mas o seu core business não é fazer avaliações financeiras, e quem diz a REN, diz a EDP”, afirmou Cartaxo, para sublinhar que tendo as duas entidades valores tão diferentes, recorrer a dois bancos externos era a “solução lógica” e um “requisito de transparência”.
Sobre o facto de a EDP ter apresentado ao Governo uma proposta para pagar um valor mais alto pelas concessões que os 700 milhões que acabou por pagar (esta terça-feira, na comissão de inquérito a técnica da REN Maria de Lurdes Baía garantiu que, no final de 2006, as duas empresas chegaram a consensualizar o valor da compensação no grupo de trabalho conjunto dos CMEC), Rui Cartaxo frisou que a única posição formal da EDP que recebeu - e que se comprometeu a fazer chegar ao Parlamento - foi a que apontava para um valor próximo de 100 milhões.
A opção do Governo foi a de contratar o Crédit Suisse e a Caixa BI, e Rui Cartaxo sublinhou que “até houve o cuidado” de escolher um banco público (Caixa BI) para essa avaliação. O ex-gestor (que depois de deixar o ministério da Economia foi nomeado pelo Governo para liderar a REN) sublinhou ainda que a Comissão Europeia, quando se pronunciou sobre o tema, demonstrou uma “concordância clara e inequívoca à metodologia de cálculo e do valor que foi pago pela EDP”.
As taxas da discórdia
Cartaxo sublinhou que enquanto a REN defendia que se devia usar a mesma taxa de desconto (6,6%) para calcular o valor residual do investimento inicial (um valor que a EDP teria a receber do Estado se entregasse as barragens) e as previsões dos valores dos seus cash-flows futuros com a venda da energia em mercado (seria da diferença entre estes dois valores que seria calculado o valor da compensação a pagar pela EDP ao Estado), a eléctrica tinha uma opinião distinta, sustentando que a taxa aplicada ao valor residual deveria ser muito menor (na casa dos 4%) que a taxa de desconto dos cash-flows futuros (na ordem dos 8%).
Rui Cartaxo (que antes de se reformar como economista do Banco de Portugal chegou a presidir à administração do Novo Banco) disse concordar com a existência de duas taxas distintas, pois “nunca poderia estar de acordo” com o facto de que dois fluxos financeiros com riscos “muito diferentes” pudessem ser descontados pela mesma taxa. Em resposta a André Pinotes, do PS, o ex-gestor sublinhou que só subscreveria a teoria da taxa de desconto única se alguém o convencesse que os riscos de receber um valor que é conhecido hoje (o valor contabilístico dos activos) e o de receber um valor com base numa previsão dos cash-flows gerados com a venda de energia em mercado nos 25 anos adicionais de exploração das centrais são idênticos
Cartaxo (que é arguido na investigação dos CMEC) sustentou também que a extensão das concessões das barragens sem concurso público já estava prevista na legislação do sector eléctrico desde 1995 e não foi uma novidade introduzida em 2007.
“A extensão das barragens para além dos CAE [contratos de aquisição de energia] esteve sempre prevista na legislação desde 95”, mas os acordos de cessação dos CAE (de Janeiro de 2005) “foram mais longe e consagraram explicitamente” uma cláusula suspensiva da entrada em vigor dos CMEC, que dava à EDP esse direito de prorrogação. Mas, para isso, era preciso que a eléctrica concordasse com os termos da compensação ao Estado, caso contrário os CAE continuariam em vigor.
Esse era o "trunfo que a EDP tinha na mão" e que era "a maior limitação à posição negocial do Estado, que nunca pôde ignorar a posição da EDP", afirmou.