Hotéis vazios, barcos atracados: o que acontece quando uma ilha do Pacífico enfurece a China

O Presidente Tommy Remengesau diz que Pequim está a usar o boicote ao turismo para pressionar o país a romper laços com Taiwan. "Mas a nossa escolha não é a política de 'uma só China".

Foto
Palau Reuters

Quartos de hotel vazios, barcos de turismo parados e agências de viagens encerradas revelam os problemas em Palau, um pequeno país da Micronésia, no Pacífico, e uma das vítimas da guerra diplomática entre a China e Taiwan.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Quartos de hotel vazios, barcos de turismo parados e agências de viagens encerradas revelam os problemas em Palau, um pequeno país da Micronésia, no Pacífico, e uma das vítimas da guerra diplomática entre a China e Taiwan.

No fim do ano passado, a China proibiu os seus turistas de visitarem o idílico arquipélago tropical, classificando-o de destino ilegal devido ao que dizem ser a falta de estatuto diplomático. 

À medida que a China aumenta a sua influência no Pacífico, Palau, que é um dos 17 aliados que Taipei têm no mundo, está sob pressão para mudar de lado, segundo representantes e empresários locais. 

“Existe uma discussão sobre a forma como a China usa o turismo como arma”, disse Jeffrey Barabe, proprietário do Palau Central Hotel e do Palau Carolines Resort, em Koror. “Alguns acreditam que o fluxo de dólares [investidos pelos chineses] foi premeditado e que agora querem recuperá-lo para pressionar Palau a estabelecer laços diplomáticos com Pequim.”

No centro turístico de Koror, os efeitos da estratégia chinesa são óbvios. Os hotéis e restaurantes estão vazios, as agências de viagem estão fechadas e os barcos que levam os turistas até às deslumbrantes Rock Islands estão atracados no porto.

Antes da proibição, metade dos turistas em Palau eram chineses. Dos 122 mil visitantes em 2017, 55 mil eram da China e nove mil de Taiwan, segundo os dados oficiais. 

Os chineses investiram com frenesim no mercado imobiliário construindo hotéis e comprando grandes terrenos para construção junto à costa.

O declínio desde que a proibição do turismo chinês foi anunciada foi tão grave que a Palau Pacific Airlines, uma companhia aérea charter de Taiwan, anunciou em Julho que no fim de Setembro deixava de realizar voos para a China, que fica a apenas quatro horas de distância.

Patrocinados

O Governo de Pequim “fez um esforço para diminuir ou para travar a quantidade de turistas que chegam a Palau”, disse a companhia aérea taiwanesa, que registou um decréscimo de 50% nas reservas desde que a proibição começou.

A China já tinha usado a arma do turismo como instrumento diplomático no ano passado ao proibir viagens à Coreia do Sul, depois de Seul ter instalado um controverso sistema de defesa antimíssil dos Estados Unidos, o THAAD.

Questionado sobre se designar Palau como destino ilegal é uma forma de pressionar o país para se afastar de Taiwan, o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês respondeu que as relações com outros países têm de funcionar de acordo com o princípio “uma só China”. 

O princípio “uma só China” é essencial para o Governo de Pequim que considera Taiwan como parte inseparável da China.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Taiwan diz que a China aliciou quatro países a trocarem as relações diplomáticas de Taipé para Pequim nos últimos dois anos ao oferecer pacotes de ajuda e investimentos generosos. 

“Apesar de Taiwan enfrentar sérios desafios diplomáticos, o governo não irá ceder à pressão de Pequim”, diz uma nota publicada pelo MNE de Taiwan no seu site. “Taiwan vai trabalhar com nações aliadas para garantir a paz regional e a estabilidade e garantir o seu lugar dentro da comunidade internacional.”

Um novo objectivo

O Presidente de Palau, Tommy Remengesau Jr., disse que não houve quaisquer comunicações oficiais por parte de Pequim sobre as restrições turísticas. “Não é segredo que a China quer que nós e os restantes aliados diplomáticos de Taiwan troquemos de lado, mas a nossa escolha não é a política de 'uma só China'”, disse Remengesauo à Reuters durante uma entrevista na segunda maior cidade do país, Meyuns.

Remengesau, cujo segundo e último mandato como Presidente termina em Janeiro de 2021, disse que Palau aceitou o investimento e o turismo oriundos da China mas que os princípios e ideais democráticos do Governo se aproximam mais de Taiwan do que de Pequim. 

Palau estava a adaptar-se ao recuo da China focando-se nos visitantes com mais meios económicos do que no turismo de massas que teve um efeitos no ambiente, disse Remengesau, vestido com uma T-shirt cor de limão e com um colar de conchas ao pescoço. 

Uma das maiores atracções turísticas de Palau, o Lago Jellyfish, foi encerrado em 2017 depois de terem atribuído a redução do número de alforrecas aos grandes grupos de turistas que ali nadavam. 

“A verdade é que números não são sinónimo de lucro. [A ausência de turistas chineses] fez com que dessemos mais prioridade à qualidade do que à quantidade”, disse Remengesau, que em 2015 atribuiu às águas territoriais de Palau o estatuto de santuário. 

Cimentar a influência

Antigos representantes do governo de Palau dizem que Pequim tenta cimentar a sua influência na região em preparação para o fim dos Tratados de Livre Associação entre os Estados Unidos, os Estados Federados da Micronésia, as Ilhas Marshall e Palau em 2023 e 2024. Os Estados Unidos atribuem em média 200 milhões de dólares por ano a estes países e são responsáveis pela sua defesa. Cada um dos países tem assento na Organização das Nações Unidas. 

Em Dezembro do ano passado, os Estados Unidos deram 124 milhões de dólares a Palau, que serão entregues até 2024, mas não anunciaram se pretendem estender os acordos. 

“Os Estados Unidos e a China não são adversários”, disse um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA à Reuters. “Porém, temos questões em relação à sustentabilidade dos empréstimos a países que estão endividados com a China, mas também nos preocupa as condições ambientais, sociais e de trabalho que muitas vezes advêm de projectos financiados pela China.”

Um relatório de segurança realizado em Junho pela Comissão EUA-China para a Segurança e Economia revelou que o crescente empenho económico de Pequim no Pacífico se deve às suas prioridades diplomáticas e estratégicas, que incluem a redução da presença internacional de Taiwan, ganhar acesso a recursos naturais e criar uma marinha capaz de actuar globalmente, navegando nas águas profundas dos oceanos.

Antigos funcionários do governo da Micronésia disseram que Pequim também quer estender a iniciativa da Nova Rota da Seda a Palau, e que a China poderia vir a ser uma importante fonte de investimento quando os Tratados de Livre Associação terminarem. 

“A China está a criar aberturas”, disse o ex-Presidente de Palau Johnson Toribiong. “Devíamos atrair investidores e esse é um factor muito importante na relação Palau-China.”

Toribiong, que foi Presidente até 2013, defende que Palau não se deve isolar. “Eu gosto de Taiwan. Mas agora até os taiwaneses querem a China. Os empresários também querem a China. Eles não querem saber das consequências políticas, só pensam na economia”, disse Toribiong.   

Anualmente, Palau recebe de Taiwan dez milhões de dólares, juntamente com subsídios para a educação e saúde. 

O Presidente Remengesau disse que não houve conversações oficiais entre Palau e a China sobre o financiamento depois de os tratados terminarem, mas que o governo está a discutir o assunto internamente. 

Dinheiro chinês

A China tornou-se rapidamente num dos mais importantes jogadores na economia do Pacífico, gastando milhares de milhões de dólares em trocas, investimento, auxílio e turismo na Micronésia e a região circundante.

A troca de bens entre a China e os países-membros do Fórum das Ilhas do Pacífico atingiu os 8,2 mil milhões de dólares em 2017, contra os 1,6 mil milhões de dólares gastos pelos EUA, de acordo com um relatório de segurança dos Estados Unidos. Os empréstimos chineses com condições especiais a ilhas do Pacífico também aumentaram brutalmente. 

Ao contrário da China, os esforços de Washington para fortalecer a sua ligação a Palau têm-se resumido a coisas superficiais, dize residentes que dão como exemplo o aumento do tamanho das bandeiras nos carros oficiais americanos e o aumento da sinalização sobre a presença de organismos dos EUA. 

Contudo, a actividade chinesa diminuiu significativamente. 

Num terreno com floresta verdejante alugado pelo grupo chinês Hanergy, um portão de metal enferrujado impede a entrada e não há sinais de construção. A Hanergy não respondeu aos pedidos de comentário sobre o projecto. Noutro terreno que fica numa colina com vista para o oceano e alugado por outro empresário chinês existe apenas uma antiga mansão escrevinhada com grafitis

Jackson M. Henry, um avaliador de imobiliário em Koror que ajuda empresas chinesas a alugar terras a clãs locais, disse que está a tentar criar um canal que facilite o investimento chinês antes das eleições de 2020. O candidato Surangel Whipps Jr., favorável ao incremento deste negócio entre China e Palau, está entre os favoritos para vencer as eleições.

Henry, que foi embaixador de Paleu em Taiwan e director do Departamento de Turismo de Papau, diz que neste momento o país que o melhor de dois mundos: ser amigo de Taiwan e da China. Mas acredita que os empresários chineses vão voltar a interessar-se por Palau. “Os chineses só estão à espera do próximo governo e de melhores relações com a China.”

Reuters Special Reports
Tradução de Ana Silva