Com esforço, é possível limitar aquecimento global a 1,5 graus
É preciso adoptar “medidas sem precedentes” para que a temperatura global não ultrapasse os 1,5 graus Celsius. Portugal pode ser um bom exemplo, diz associação ambientalista Zero
Nos próximos anos, o aumento da temperatura global vai levar à subida do nível da água do mar, ao aumento dos fenómenos climáticos extremos em número e em intensidade, à destruição de alguns ecossistemas, a perdas na produção de alimentos e por aí em diante. Tudo isto são certezas quase absolutas para a comunidade científica. Mas há uma forma de, pelo menos, atenuar estas alterações: limitando o aumento da temperatura global a 1,5 graus Celsius em relação aos valores pré-industriais. E, apesar de exigir um esforço significativo, ainda é possível fazê-lo, diz o último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa) divulgado esta segunda-feira.
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Nos próximos anos, o aumento da temperatura global vai levar à subida do nível da água do mar, ao aumento dos fenómenos climáticos extremos em número e em intensidade, à destruição de alguns ecossistemas, a perdas na produção de alimentos e por aí em diante. Tudo isto são certezas quase absolutas para a comunidade científica. Mas há uma forma de, pelo menos, atenuar estas alterações: limitando o aumento da temperatura global a 1,5 graus Celsius em relação aos valores pré-industriais. E, apesar de exigir um esforço significativo, ainda é possível fazê-lo, diz o último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa) divulgado esta segunda-feira.
O relatório mostra como o aumento da temperatura em relação ao período pré-industrial em 1,5 graus Celsius e não em dois graus Celsius (valor limite apontado no início da década) pode contribuir para atenuar os efeitos nefastos do aquecimento global no ambiente, na saúde, biodiversidade, produção de alimentos e condições de vida.
Caso tudo se mantenha como agora, “o aquecimento global deve atingir os 1,5 graus Celsius entre 2030 e 2052”, aponta este relatório. “Uma das principais mensagens do documento é que já estamos a ver as consequências do aquecimento global em um grau Celsius, com temperaturas mais extremas, aumento do nível do mar e diminuição do gelo do Árctico”, disse Panmao Zhai, um dos representantes do IPCC envolvido na elaboração do documento.
Em 2017, o Acordo de Paris já referia a necessidade de limitar a subida da temperatura em valores bem “abaixo dos dois graus Celsius” e a prosseguir esforços para “limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus Celsius”.
O problema, lembra ao PÚBLICO o responsável da associação ambientalista Zero, Francisco Ferreira, “era saber se era ou não viável chegar aos 1,5 graus Celsius”. Algo que o IPCC resolveu agora ao provar que sim depois de analisados mais de seis mil estudos científicos produzidos nos últimos anos - um trabalho feito por 91 cientistas e revisto por milhares de especialistas e representantes de vários governos. “Há um antes e um depois do relatório. Temos os países e a comunidade científica a assumir esta realidade.”
O primeiro teste à importância dada, em termos políticos, às provas científicas aqui apresentadas acontece já na terça-feira, durante a reunião dos ministros do Ambiente da União Europeia, no Luxemburgo, lembra o representante da Zero.
O caminho para limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius em relação à temperatura pré-industrial exigirá algum esforço. O relatório diz mesmo que é algo que “requer uma transição rápida e profunda nos sectores da energia, uso do solo, urbanismo e infra-estruturas (incluindo transportes e edifícios) e sistemas industriais”. Estas alterações “não têm precedentes em termos de escala”. E mais: “Implicam reduções profundas nas emissões de todos os sectores, um portefólio alargado de opções de mitigação e um aumento significativo no financiamento dessas opções.”
As energias renováveis, por exemplo, deverão representar, em 2050, entre 70 e 85% da oferta energética. Por seu turno, as emissões de dióxido de carbono devem ser nulas em meados do século.
Quanto ao uso do solo, também são aconselhadas algumas alterações. Nomeadamente, na conversão de zonas alocadas à produção de alimentos para culturas energéticas (biocombustíveis). “Estas grandes transições representam desafios profundos para a gestão sustentável das várias utilizações do solo para uso humano, alimentos, fibra, bioenergia, armazenamento de carbono, biodiversidade, entre outros”, lê-se no relatório.
Num comunicado, a associação ambientalista Zero também ressalva que “é preciso fazer mais do que já está provado que funciona”. E adianta que “serão necessárias mudanças profundas de estilo de vida, incluindo a alteração para uma dieta mais saudável e equilibrada e usar modos de transporte mais limpos. Será necessário ir além da dependência de crescimento do produto interno bruto (PIB) para novas políticas económicas que criam bem-estar para todos, respeitando os limites do planeta”.
Nesse comunicado, Francisco Ferreira lembra que “o relatório reforça a necessidade de cada um dos países, incluindo Portugal, ir muito mais além e mais depressa em relação ao actualmente previsto. O roteiro para a neutralidade carbónica em 2050 que o Governo está a preparar é uma oportunidade única que tem de ser concretizada pelos próximos governos, num consenso alargado de todas as forças políticas e assumido por toda a sociedade. Portugal é dos países europeus mais afectados pelas alterações climáticas e não pode falhar uma transição para 100% de energias renováveis e uma rápida descarbonização dos transportes, entre outras medidas.” É importante “que não deixemos de ser um exemplo”, diz ao PÚBLICO.
O físico Filipe Duarte dos Santos, da Universidade de Lisboa, foi um dos revisores do relatório do IPCC em 2014. Hoje, diz-se “moderadamente optimista” em relação à probabilidade de conter o aquecimento global em 1,5 graus Celsius. “Francamente, seria extraordinário e muito positivo”, mas é “pouco provável”. Porquê? A nossa dependência de combustíveis fósseis, a desflorestação e o mau uso do solo são os principais culpados.
“Enquanto as pessoas não se convencerem [que as alterações climáticas existem], e a maneira de isso acontecer vai ser ao sentirem-nas na pele, vamos continuar assim”, lamenta o físico.
Diferença de menos 0,5 graus
Os cientistas envolvidos na produção do relatório chegaram à conclusão de que há ganhos significativos em evitar que o aumento da temperatura global ultrapasse os 1,5 graus Celsius. Por exemplo, a subida do nível do mar em 2100 ficará dez centímetros abaixo do que acontecerá se os termómetros globais chegarem aos dois graus Celsius. Uma diferença que poderá significar que “menos dez milhões de pessoas ficarão expostas aos riscos” associados a este fenómeno.
Caso os esforços envidados não sejam suficientes para impedir que a temperatura global suba menos de dois graus Celsius, prevê-se que, entre 105.000 espécies analisadas, 18% dos insectos, 16% das plantas e 8% dos vertebrados percam metade da sua área geográfica. Se o objectivo for conseguido e a temperatura global se ficar pelos 1,5 graus Celsius, continua a haver perda, mas cai para metade. A sobrevivência de espécies marinhas como os recifes de corais também está em causa e é menos provável se a temperatura global subir mais do que 1,5 graus Celsius.
Na agricultura, “estima-se que limitar o aquecimento a 1,5 graus Celsius resulte em perdas menores nas culturas do milho, arroz, trigo e outras culturas de cereais, particularmente na África subsariana, Sudeste asiático e Américas Central e do Sul”.
A saúde humana e as condições de vida das populações também estão em risco. A previsão é de que “qualquer aumento na temperatura” possa afectar a saúde humana. Verificando-se um impacto maior na mortalidade associada ao calor e aos níveis de ozono. As ondas de calor nas cidades serão mais graves e aumenta o risco proliferação dos vectores de malária e dengue.
Limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius pode significar uma redução no número de pessoas expostas a riscos relacionados com as alterações climáticas e a situações de pobreza “em vários milhões até 2050”. Na sequência da publicação do relatório pelo IPCC, o presidente da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, Francesco Rocca, avisou que “mais de metade das operações da organização são uma resposta directa a fenómenos relacionados com o clima. Se esta é a situação agora, então é difícil prever a escala das crises futuras num mundo que será 1,5 ou dois graus Celsius mais quente”.