Dicionário para um Brasil em dia de eleições

O Brasil elege neste domingo um novo Presidente, um novo Congresso de Deputados e os governadores dos estados.

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Uselei Marcelino/Reuters

Atentado – No dia 4 de Setembro, em plena campanha, na cidade de Juiz de Fora, estado de Minas Gerais, Jair Bolsonaro é esfaqueado (o suspeito afirmou que estava a cumprir uma “ordem de Deus”). Passou quase um mês internado e o seu estado de saúde chegou a ser considerado grave, deixando a campanha nas mãos do seu candidato a vice-presidente, o general Hamilton Mourão. Apesar disso, foi publicando vídeos e mensagens nas redes sociais, e manteve-se firme no primeiro lugar das sondagens para a primeira volta das eleições. 

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Atentado – No dia 4 de Setembro, em plena campanha, na cidade de Juiz de Fora, estado de Minas Gerais, Jair Bolsonaro é esfaqueado (o suspeito afirmou que estava a cumprir uma “ordem de Deus”). Passou quase um mês internado e o seu estado de saúde chegou a ser considerado grave, deixando a campanha nas mãos do seu candidato a vice-presidente, o general Hamilton Mourão. Apesar disso, foi publicando vídeos e mensagens nas redes sociais, e manteve-se firme no primeiro lugar das sondagens para a primeira volta das eleições. 

Corrupção – Os mega processos de corrupção que abalaram o Brasil, em especial a Operação Lava-Jato, moldaram politicamente os últimos anos e criaram as condições para a polarização. As investigações desvendaram (e continuam a desvendar) uma corrupção endémica na política brasileira e os principais partidos, como o PT de Lula da Silva, ou o PSDB do candidato Gerardo Alckmin, foram profundamente atingidos. 

Crise económica – Depois de um período de expansão e crescimento económico, em meados de 2012, o Brasil entrou numa espiral descendente que teve o seu apogeu na recessão que provocou uma crise económica a partir de 2014, cujos efeitos se agravaram com a crise política que se iniciou com a reeleição de Dilma Rousseff. Ao longo de 2015, milhões de pessoas saíram às ruas em manifestações contra a Presidente e em defesa  da Lava-JatoRousseff foi destituída no ano seguinte. A solução para a crise ainda está por definir e tem um papel decisivo nestas eleições.

Destituição – Em Agosto de 2016 a Presidente Dilma Rousseff (PT) foi destituída por crimes de responsabilidade na gestão das contas públicas através de um processo de impeachment (a palavra usada no Brasil) aberto em Dezembro de 2015 por Eduardo Cunha, que era presidente da Câmara dos Deputados. Cunha, que já estava a ser investigado pela Lava Jato, está preso. O PT classificou o processo de "golpe" e foi nele que assentou a sua estratégia eleitoral. A queda de Dilma e a entrada de Temer adensaram a crise política e económica.

Ditadura – Poucas vezes se falou tanto em ditadura nas vésperas de umas eleições. Bolsonaro está no grupo dos brasileiros que se recusa a condenar os abusos cometidos pelo Estado durante a época da ditadura militar (1964-1985). Disse que “o grande erro” dos militares foi “torturar e não matar” os opositores. O seu discurso ecoou num sector da sociedade que também não olha de uma forma totalmente negativa para esse período. Um estudo do instituto Pew feito no ano passado mostrava que 23% dos brasileiros apoiam um sistema “não democrático” – um valor acima da média dos restantes países incluídos no estudo. 

Ele Não – Sob este lema nasceu um movimento de mulheres que se opõem a Jair Bolsonaro. Ao longo dos anos, o candidato proferiu declarações consideradas machistas, tal como dizer a uma deputada que nunca a violaria porque ela “não merece”. Na semana passada, foram organizadas manifestações em grandes cidades brasileiras que juntaram milhares de pessoas, na sua maioria mulheres, sob o mote do #EleNão. Apesar disso, Bolsonaro cresceu nas intenções de voto entre o eleitorado feminino, passando de 21% para 27% nas últimas semanas. 

Empresários – A classe empresarial do Brasil apoia silenciosamente o candidato presidencial de extrema-direita, receando o regresso da esquerda ao poder na maior economia da América Latina. O conselheiro económico que Bolsonaro escolheu, Paulo Guedes, dá confiança suficiente a empresários e investidores. Bolsonaro prometeu tornar Guedes um superministro, com liberdade para definir políticas financeiras e económicas.

Fake News – A expressão popularizou-se sobretudo desde a eleição de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos, e entrou nos manuais políticos em todo o mundo. O Brasil não foge à regra, e a proliferação de notícias falsas marcou a campanha. Tem sido noticiada a difusão de conteúdos falsos por parte de apoiantes de Bolsonaro e que tentam desmentir notícias prejudiciais ao candidato de extrema-direita ou descredibilizar sondagens. O Whatsapp é a ferramenta onde as fake news mais circulam. Em conferência de imprensa na semana passada, Fernando Haddad denunciou exactamente isto, falando numa campanha de Bolsonaro contra si. 

Futebol – Foram vários os jogadores de futebol que manifestaram apoio ao candidato Jair Bolsonaro. É pouco comum os futebolistas brasileiros discutirem publicamente política e, menos ainda, revelarem o seu voto. Mas foi o que fez o veterano Felipe Melo, internacional brasileiro a jogar no Palmeiras, que depois de um jogo dedicou o golo que tinha marcado “ao futuro Presidente, Bolsonaro”. Outro jogador que deu o seu apoio ao militar, através do Twitter (abrindo uma polémica entre os seguidores) foi Lucas Moura, jogador da selecção brasileira e do clube inglês Tottenham. Estes dois juntam-se a dezenas de futebolistas que fizeram o mesmo. Não houve qualquer jogador a manifestar publicamente o seu apoio a outro candidato. 

Insegurança – No ano passado foram assassinadas em média mais de sete pessoas por hora no Brasil, de acordo com os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os números sugerem um cenário de guerra num país tecnicamente em paz e são uma das principais munições eleitorais de Jair Bolsonaro. O antigo militar defende a tese de que “bandido bom é bandido morto” e quer liberalizar o acesso às armas de fogo para autodefesa e reduzir a maioridade penal para 16 anos. Quem se debruça sobre o tema alerta para o perigo de o Brasil se transformar num campo de batalha.

Justiça – A temporada eleitoral decorreu à sombra dos tribunais. Há dezenas de candidatos a Presidente, senadores e deputados alvos da Lava-Jato e noutros casos de corrupção. Durante a campanha, os juízes brasileiros mantiveram-se ocupados. No início da semana, Sergio Moro decidiu divulgar o conteúdo de um depoimento de um antigo aliado de Lula em que incriminava o ex-Presidente. O PT acusou-o de estar a fazer jogo político. Pelo meio, o Supremo Tribunal Federal impediu a Folha de São Paulo de entrevistar Lula na cadeia e outro tribunal rejeitou o pedido do ex-Presidente para votar este domingo. Houve ainda a prisão do ex-governador e candidato ao Senado no Paraná, Beto Richa, em plena campanha.

Lula – Apesar de estar preso, a cumprir uma condenação de mais de 12 anos, e de ter sido impedido de se candidatar às eleições, Lula da Silva continua a ser a personagem política mais marcante do PT. Fernando Haddad foi o escolhido para o substituir como candidato presidencial e, embora tenha um perfil intelectual e académico, radicalmente diferente ao do antigo Presidente, fez uma campanha assente no discurso de Lula. Mesmo atrás das grades, Lula marcou o ritmo destas eleições, tornando-as uma disputa entre o petismo e o antipetismo, que Hadad e Bolsonaro corporizam.

Militares – Segundo um levantamento feito pelo site brasileiro UOL, nestas eleições há pelo menos 990 militares a candidatarem-se a cargos electivos, o que perfaz um aumento de 18% em relação a 2014. O jornal Estado de São Paulo diz que para os cargos de presidente, vice-presidente, governador ou vice-governador há um aumento de 92% no número de candidatos originários das Forças Armadas, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros em relação às últimas eleições. Neste caso são 25 os militares, activos ou na reserva, que vão a eleições. Este aumento é consequência, em parte, da entrada em cena de Jair Bolsonaro e do seu seu candidato a vice-presidente e outros elementos do seu partido, o PSL. 

“Mito” – Apesar de estar na política activa há 27 anos, Jair Bolsonaro entrou nestas eleições como o candidato que dá voz àqueles que, na classe média, média alta e alta, estão revoltados com a corrupção, a insegurança galopante e a crise política e que procuraram um candidato de fora do sistema. Esta espécie de aura de salvador que Bolsonaro carrega levou a que, num dos muitos memes que foram feitos, surgisse no corpo de Will Smith, no cartaz do filme pós-apocalíptico I Am Legend, que no Brasil teve o título Eu Sou o Mito. O capitão na reserva passou a ser conhecido como o “Mito” que chegou para libertar o país da corrupção e da crise.

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Nordeste – É no Nordeste, que inclui os estados mais pobres do Brasil, que o PT tem os seus bastiões eleitorais. É lá que a memória dos programas sociais implementados por Lula continua fresca. À partida para a campanha, o duelo que se antecipava seria entre Haddad e Ciro Gomes, que foi governador do Ceará. Mas, contra as expectativas, foi Bolsonaro quem ameaçou a hegemonia “petista” nas sondagens finais na região.

PSDB – Pela primeira vez desde 1989, o candidato do Partido da Social Democracia Brasileira está totalmente fora da corrida ao Palácio do Planalto. Foi pelo PSDB que Fernando Henrique Cardoso foi eleito duas vezes consecutivas e, mesmo durante a era de domínio do PT, foram candidatos “tucanos” que se apresentaram como a alternativa mais válida. Tudo mudou este ano. Alckmin nunca esteve acima dos 10% nas sondagens e os eleitores preferiram o militar na reforma Jair Bolsonaro como “antídoto” para o PT.

Reforma eleitoral – De forma a supervisionar melhor os gastos nas campanhas – que foi o epicentro dos esquemas de corrupção desvendados em processos como a Lava-Jato e o Mensalão –, e para amenizar a fragmentação num país que conta com 35 partidos oficiais, e quase todos com representação parlamentar, o Brasil avançou para uma reforma eleitoral. Algumas medidas estão já em vigor. Entre elas, está a chamada "cláusula barreira" que obriga os partidos a terem pelo menos 1,5% dos votos, em pelo menos nove estados, para terem acesso ao fundo partidário e ao tempo de antena na televisão; o fundo eleitoral partidário, a forma criada para contornar a decisão do Supremo Tribunal que proibiu empresas de financiarem campanhas; e um tecto estabelecido para os gastos nas campanhas, que não existia até aqui. 

Rejeição – Se por um lado as sondagens têm mantido Fernando Haddad e Jair Bolsonaro destacados nos dois primeiros lugares das intenções de voto, também lhes dão as maiores taxas de rejeição. O candidato do PT tem visto a rejeição aumentar, chegando quase aos 40%. A rejeição a Bolsonaro é de 44%, mas o valor têm-se mantido estável.

Religião – As orações ocupam uma parte importante da vida da maioria dos brasileiros e a influência das igrejas evangélicas é cada vez maior. No parlamento, a chamada “bancada da Bíblia” junta actualmente 182 deputados, unidos pela defesa de uma agenda conservadora, contra o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e até contra a mostra de certas peças de arte que considera atentatórias da moral e dos bons costumes. Edir Macedo, o fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, a maior denominação evangélica no Brasil, assumiu o apoio a Jair Bolsonaro, fechando os olhos ao terceiro casamento do antigo capitão do Exército.

Televisão – O cálculo do tempo de antena está constantemente presente na cabeça dos estrategas das campanhas no momento de fazer alianças. A televisão é ainda o meio de comunicação que chega a mais brasileiros, mas está a mudar. Geraldo Alckmin era dono de cinco minutos diários para fazer chegar a sua mensagem a milhões de eleitores, mas as sondagens são lideradas por Bolsonaro, um candidato que praticamente não teve direito a tempo de antena. 

Temer – Michel Temer, do Movimento Democrático Brasileiro (direita) passou de vice-presidente a Presidente do Brasil com a queda de Rousseff. E rapidamente caiu também nas malhas da Justiça, com várias acusações contra si que não chegaram aos tribunais pois tem imunidade (e o seu levantamento tem sido travado pelos deputados). Tem níveis de impopularidade históricos, o que o fez desistir de se candidatar. Lançou, em vez disso, Henrique Meirelles, que foi seu ministro das Finanças, que não passa dos 3% nas sondagens. Temer é, por isso, o rosto do descrédito no “centrão” que abriu alas às alternativas mais radicais.