Governo falha ligação a apoios europeus para investir na ferrovia

Em causa está a reabertura da linha do Douro até Espanha, um projecto que a Comissão Europeia estima em 163 milhões de euros, para o qual há financiamento, mas que não merece o apoio do Governo português.

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LUSA/PEDRO SARMENTO COSTA

O Governo não respondeu a um contacto da Direcção-Geral para as Políticas Urbanas e Regionais da Comissão Europeia que, através da consultora alemã KWC, realizou um estudo designado “Análise abrangente às actuais ligações fronteiriças de transporte e às falhas nas ligações nas fronteiras internas da UE”.

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O Governo não respondeu a um contacto da Direcção-Geral para as Políticas Urbanas e Regionais da Comissão Europeia que, através da consultora alemã KWC, realizou um estudo designado “Análise abrangente às actuais ligações fronteiriças de transporte e às falhas nas ligações nas fronteiras internas da UE”.

Os consultores identificaram a linha do Douro entre Pocinho e Espanha como uma missing link (ligação em falta) e contactaram o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, ao qual apresentaram um modelo com a procura potencial de passageiros para aquela linha, a oferta de comboios previsível, as necessidades de investimento e até o financiamento comunitário possível. No entanto, o Governo português não respondeu.

Fonte oficial do ministério disse ao PÚBLICO que “o Gabinete do Ministro do Planeamento e das Infraestruturas não recebeu qualquer comunicação ou solicitação da referida entidade, quer por via postal quer através do e-mail oficial (gabinete.ministro@mpi.gov.pt)”.

Ludger Sippel, da KCW, disse ao PÚBLICO que em Dezembro de 2017 enviou também e-mails para Duarte Silva, do Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, bem como para Eduardo Feio e Ana Miranda, do Instituto da Mobilidade e dos Transportes. O PÚBLICO contactou estes últimos e perguntou se tinham recebido a missiva e dela dado conhecimento à tutela, mas não obteve resposta.

A KCW, que lidera o consórcio de consultores que está a trabalhar neste estudo, pedia às autoridades portugueses um interlocutor para ser o contacto de ligação na elaboração deste estudo e perguntava se, para além da linha do Douro, “considera que existe qualquer outra ligação ferroviária fronteiriça de entrada/saída do território [português] que seja elegível para uma futura operação ferroviária regular de passageiros".

Os consultores perguntavam ainda se o Governo português “já analisou o potencial da reabertura desta linha para serviços ferroviários de passageiros“ e se concorda com os estimativas apresentadas.

E a verdade é que o assunto já tinha sido estudado. A Infraestruturas de Portugal tinha desde Setembro de 2016 um estudo sobre a linha do Douro que poderia ter sido enviado para Bruxelas e que responde a todas as perguntas dos consultores.

Esse estudo conclui que “a modernização [da linha do Douro] e a reabertura da ligação internacional pela fronteira de Barca D’Alva permite aumentar a vantagem competitiva desta infra-estrutura, com vista à potenciação do transporte de passageiros, nomeadamente no que respeita ao turismo, e à captação dos fluxos de mercadorias que podem surgir da exploração das minas de Moncorvo e do porto de Leixões para as principais plataformas industriais de Castela-León, em Espanha”.

Ou seja, o estudo da Infraestruturas de Portugal vai até mais longe do que o da Comissão Europeia pois nele integra também o transporte de mercadorias como variável que justifica o investimento na sua reabertura.

O mesmo estudo diz que “a materialização da ligação internacional permite enquadrar a linha do Douro entre dois importantes pólos geradores de tráfego dotados de infra-estruturas de transporte relevantes, tais como o aeroporto Francisco Sá Carneiro e o Terminal de Passageiros do porto de Leixões, no Porto, e a estação do AVE em Salamanca, permitindo criar um eixo turístico de excelência, constituído por quatro destinos classificados pela UNESCO como Património da Humanidade: Porto, Douro Vinhateiro, Gravuras Rupestres do Vale do Côa e Salamanca.”

Após a divulgação deste estudo pelo PÚBLICO, a administração da Infraestruturas de Portugal abriu um inquérito e chamou a depor dezenas de quadros técnicos para tentar saber quem teria divulgado o documento.

No que diz respeito ao contacto da KCW, a consultora pergunta também até que ponto o Governo português estaria disposto a assumir um co-financiamento nacional naquele projecto. É que para projectos fronteiriços existem fundos comunitários ao abrigo do programa INTERREG que poderiam financiar uma via férrea entre Portugal e Espanha. Aliás, são fundos do INTERREG que estão a financiar a abertura da linha internacional Pau – Canfranc, nos Pirinéus, que foi encerrada em 1970. A reabertura desta linha franco-espanhola está prevista para 2020. 

O documento da KCW que foi enviado ao executivo liderado por António Costa estima em 163 milhões de euros o investimento necessário para reabrir Pocinho – Barca d’Alva (um valor muito superior aos 43 milhões de euros previstos no estudo da Infraestruturas de Portugal). Os consultores calculam em 304 o número de passageiros diários na ligação transfronteiriça (111 mil por ano) através de dois pares de comboios entre o Porto e Salamanca. Um serviço cujas receitas de exploração serão superiores aos custos pois, diz o documento, “não é preciso subsídio”.

O trabalho da KCW, que será apresentado na terça-feira, 9 de Outubro em Bruxelas, estudou 365 ligações transfronteiriças na União Europeia tendo seleccionado 48 como geradoras de mais-valias para a economia e o território. Uma delas é a linha do Douro.

O PÚBLICO questionou o ministério liderado por Pedro Marques sobre qual a sua posição acerca da linha do Douro, tendo obtido como resposta que “o Governo não tem mais comentários sobre esta matéria”.

No plano Ferrovia 2020 está prevista a electrificação desta linha até à Régua. Os trabalhos deveriam estar concluídos em finais de 2019, mas ainda nem começaram nem há projecto elaborado.