Aumentos salariais: sindicatos acusam Centeno de tentar dividir a sociedade

“Violento, incompreensível e inaceitável” são algumas palavras escolhidas por sindicalistas para descrever o cenário de aumentar em cinco euros a Função Pública. “Deviam ter vergonha de fazer a proposta.” O BE não interpreta as declarações do ministro de forma taxativa, nem vê as propostas como fechadas.

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As declarações de Mário Centeno provocaram indignação nos sindicatos Miguel Manso

Não foram boas notícias para os sindicatos. As palavras do ministro das Finanças, Mário Centeno, divulgadas pelo PÚBLICO neste sábado, foram recebidas com indignação pelos sindicalistas, que acusam o ministro de tentar uma manobra política que passa por dividir a sociedade em relação aos aumentos na Função Pública.

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Não foram boas notícias para os sindicatos. As palavras do ministro das Finanças, Mário Centeno, divulgadas pelo PÚBLICO neste sábado, foram recebidas com indignação pelos sindicalistas, que acusam o ministro de tentar uma manobra política que passa por dividir a sociedade em relação aos aumentos na Função Pública.

Isto porque, nas declarações que fez ao PÚBLICO, Mário Centeno diz que os compromissos com os funcionários públicos custam 800 milhões em 2019, considerando todas as medidas previstas. E que nesse bolo de 800 milhões incluem-se 50 milhões para aumentos salariais, que estão a ser negociados no âmbito do Orçamento do Estado a 2019.

“Não há margem visível, estamos a debater um adicional de 50 milhões de euros em cima dos 750 milhões de euros que já vão estar no Orçamento do Estado para despesas com pessoal”, disse o ministro. “Temos 800 milhões de euros em cima da mesa”, concretizou. “É o compromisso que, neste momento, conseguimos assumir com os trabalhadores da Administração Pública. É um crescimento claramente acima de 3% na massa salarial, não há margem visível para ir mais longe”, acrescentou.

Diferentes sindicalistas ouvidos pelo PÚBLICO argumentam que pôr em cima da mesa o número de 800 milhões de euros não passa de uma manobra política que pretende dar a ideia de haver um grande montante de dinheiro para a Função Pública e criar, assim, divisões na sociedade e entre os trabalhadores.

“Primeiro, não havia condições para aumentos. Até que o primeiro-ministro veio dizer ‘sim senhor’. Registamos como muito positiva a abertura do Governo para negociar aumentos de salários da Função Pública travados há dez anos. Agora, os 50 milhões num bolo de 800 é qualquer coisa que até estranhamos, porque quando se está a negociar com representantes dos trabalhadores não há necessidade de vir dizer isto. Isto só serve para criar fracturas na sociedade portuguesa e até virar trabalhadores contra trabalhadores”, diz José Abraão, da Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP).

Helena Rodrigues, do Sindicato dos Quadros Técnicos, alerta para os perigos de criar divisões entre trabalhadores da Função Pública e do privado: “O empobrecimento dos trabalhadores da Função Pública vai empobrecer os trabalhadores todos. Vai estender-se aos outros trabalhadores.”

José Abraão acrescenta outro ponto: “Tudo o que esperamos é que o Governo acomode no orçamento as condições devidas aos trabalhadores de forma razoável e que possa chegar a todos. Não fazendo nenhum tipo de distinção e dignificando os trabalhadores. Porque não é compreensível que Governo considere trabalhadores de primeira ou segunda.”

Em causa, está o facto de Centeno ter confirmado haver três propostas para distribuir os 50 milhões pela Administração Pública. Uma prevê aumentos para os trabalhadores que, após a actualização do salário mínimo, estão nos escalões entre 600 euros e 635 euros (o aumento máximo chegaria aos 35 euros). Outra passa por um aumento de 10 euros para trabalhadores com salários inferiores a 835 euros. Num terceiro cenário, seriam abrangidos todos os funcionários públicos, o que daria um aumento mensal de cinco euros.

“Cinco euros? A FESAP não conhece nenhuma proposta nem de cinco, nem dez ou de 50. Isto devia ser negociado com sindicatos, à mesa das negociações. A confirmar-se a proposta dos cinco euros, de que se vai falando, é qualquer coisa de violento, incompreensível e inaceitável ao fim de tanto tempo. Não vale a pena abanarem com tantos milhões para depois nos darem tostões”, insiste José Abraão.

Valor insuficiente para BE e PCP

O argumento de que estas questões são matéria de negociação com sindicatos é corroborado pelo PCP. “O PCP bate-se em todos os planos da sua intervenção pelo aumento dos salários. No entanto, o aumento dos salários e a sua expressão concreta é do âmbito da negociação com os sindicatos”, lê-se numa nota enviada pelos comunistas às redacções na quinta-feira e para a qual remeteram neste sábado, quando contactados pelo PÚBLICO.

Porém, em entrevista ao Observador na sexta-feira, o secretário-geral do PCP, que defende aumentos para todos na Função Pública, admite que 50 milhões “é claramente insuficiente tendo em conta o ponto de partida, foram nove anos [sem aumentos]”.

Também o BE entende que 50 milhões são “claramente insuficientes”, mas não interpreta de forma definitiva as declarações do ministro, nem dá como fechadas as propostas. “Até ao final das negociações há sempre tempo para avanços”, diz Mariana Mortágua, acrescentando: “É cedo para fechar porta a possíveis soluções que vão além das propostas iniciais do Governo. Há uns meses, o Governo não estava disponível para tocar nos salários da Função Pública e agora já foi possível pôr a questão na mesa. As soluções finais que acabamos por encontrar, muitas vezes, afastam-se das propostas iniciais e melhoram as propostas iniciais. Em negociação, conseguimos sempre encontrar soluções melhores para as pessoas. Nestes três anos, nas pensões, no IRS, já conseguimos tornar muitos impossíveis possíveis.”

800 milhões? “Surreal”

Já o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, lamenta a atitude do ministro que vê como uma “tentativa de imposição” de um valor, numa matéria que tem de ser negociada com os sindicatos. “O valor é irrisório”, diz, sublinhando que não se aproxima “nem de perto, nem de longe” dos valores que o Governo disponibiliza para resolver os problemas da banca. “Não faz sentido esta posição do Governo, nem este aperto do cinto para os trabalhadores e aumento do cinto para a banca”, continua, considerando que o executivo está a “tratar de forma desrespeitosa” os trabalhadores.

“Quando fala de 800 milhões, é preciso ter em consideração que qualquer entidade patronal tem compromissos com trabalhadores e que estamos a falar duma entidade que, durante 10 anos, o que fez foi reduzir encargos com trabalhadores. Desde quando é que entidade patronal não assume os compromissos que tem? É surreal fazer essa referência dos 800 milhões de euros”, continua Arménio Carlos que preferia, por exemplo, que o valor disponibilizado para prémios fosse canalizado para aumentos de salários para todos (o Governo vai desbloquear, no próximo ano, a atribuição de prémios de desempenho aos funcionários públicos).

Helena Rodrigues, do Sindicato dos Quadros Técnicos, alinha nas mesmas críticas: “O senhor ministro das Finanças, quando diz que há apenas 50 milhões, esquece-se de dar outros números. Devíamos comparar com ajuda que vai dar ao Novo Banco e tem que tem sido dada à banca há vários anos.”

Sobre os 800 milhões de euros referidos por Centeno, considera “inaceitável a forma como o ministro das Finanças está a colocar a questão”: “Não vale a pena dizer que o país está a crescer, quando os trabalhadores estão a empobrecer. É falso que haja um crescimento da massa salarial de 3%. Um crescimento da massa salarial não é um crescimento dos salários. Nestes anos, com os cortes da troika, foram retirados oito mil milhões de euros aos trabalhadores da Função Pública. Os trabalhadores nem estão a reivindicar esse valor, mas apenas os direitos que têm”, acrescenta.

Também a dirigente da Frente Comum, Ana Avoila, deixa uma mensagem ao executivo de António Costa: “Carreiras não são salários. Foi para acabar com as restrições da troika que se candidatou, para repôr os direitos que foram tirados aos trabalhadores. O ministro está a meter tudo nos 800 milhões e não pode fazer as contas assim.” E recusa as propostas do Governo: “Cinco euros? Deviam ter vergonha de fazer a proposta. E não pode ser para uns e não para outros.”

Para Ana Avoila, as declarações de Centeno são “uma conversa que não engana ninguém”. “50 milhões não é nada”, afirma, contrapondo que o Governo tem dinheiro para resolver os problemas da banca e para “reduzir o défice e agradar a Bruxelas”. Não tem para ir mais longe com a Função Pública? “Eles que vejam bem os números, que comprem óculos ou binóculos”, ironiza.