Governo lança novo programa de apoio aos portugueses e lusodescendentes na Venezuela
Uma associação de médicos e a rede consular na Venezuela vão liderar a nova fase de apoio alimentar, médico e medicamentoso aos portugueses e lusodescendentes na Venezuela. O plano foi negociado pelo MNE com o poder em Caracas.
Fruto das negociações com o Governo da Venezuela, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) lançou em Julho o Projecto Rede Portuguesa de Assistência Médica e Social na Venezuela, que representa uma nova fase na prestação de apoio financeiro para alimentação, cuidados médicos e medicamentos aos portugueses e lusodescendentes na Venezuela.
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Fruto das negociações com o Governo da Venezuela, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) lançou em Julho o Projecto Rede Portuguesa de Assistência Médica e Social na Venezuela, que representa uma nova fase na prestação de apoio financeiro para alimentação, cuidados médicos e medicamentos aos portugueses e lusodescendentes na Venezuela.
Este programa será liderado pela Associação de Médicos de Origem Luso-venezuelana (Asomeluve) em conjunto com a embaixada portuguesa em Caracas, os dois consulados gerais em Caracas e Valência e os oito consulados honorários.
Presidida por Adérito de Sousa Ferreira e criada em 2003, a Asomeluve conta actualmente com uma rede nacional de cerca de 300 médicos e já abriu com apoio financeiro do Governo português cinco postos em cinco cidades da Venezuela para coordenar a prestação de auxílio médico e rastrear as necessidades da comunidade portuguesa e lusodescendente. Os postos estão localizados nas cidades venezuelanas de Caracas, Barcelona, Valência, Barquisimeto e Puerto Ordaz e quatro deles serão visitados pelo secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, na sua deslocação à Venezuela entre este sábado e a próxima quinta-feira. Na terça-feira, José Luís Carneiro reúne-se com Ivan Gil, vice-ministro venezuelano para a Europa.
“Estamos instalados a nível nacional. Nos últimos anos dedicámo-nos a causas humanitárias devido à profunda crise social e económica que a Venezuela vive”, afirmou ao PÚBLICO Adérito de Sousa Ferreira, explicando que “a comunidade portuguesa é muito importante e muito trabalhadora, tem peso social e uma grande actividade económica”. Com o “actual regime político, a classe média em que a maioria da comunidade portuguesa se inseria tem sido prejudicada; hoje é uma classe depauperada, é impressionante ver como há pessoas a viver em pobreza extrema”, frisa o presidente da Asomeluve, que foi condecorado pelo Presidente da República em 2017.
“A associação vai fazer o encaminhamento de remédios e serviços de saúde e apoio a quem não tem meios” e também “ser porta-voz destas pessoas, que são cidadãos portugueses perante as autoridades portuguesas”, explica Adérito de Sousa Ferreira, sublinhando que a intenção é disponibilizar meios para que possam ser tratados, sempre que possível na Venezuela, “os casos mais dramáticos de doentes oncológicos ou crónicos”. Quando não haja tratamento na Venezuela, serão encaminhados para Portugal.
Rede de apoios
A rede portuguesa de assistência médica e social foi autorizada depois de negociações entre o Governo da Venezuela, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva – que visitou Caracas em Janeiro, tendo reunido com o presidente Nicolás Maduro –, e o secretário de Estado José Luís Carneiro, que tem ido com regularidade àquele país.
Em cima da mesa das conversações entre os dois governos esteve também outro dossier, o do apoio aos empresários portugueses e lusodescendentes que perderam os seus bens devido a distúrbios aquando das eleições para a Constituinte em 2017. Em causa estão os sectores da panificação, cafés, restaurantes, hotelaria e distribuição.
O Governo da Venezuela abriu uma linha de crédito de cinco milhões de dólares para comparticipar o investimento das 93 empresas identificadas como tendo perdido os seus estabelecimentos naqueles distúrbios. Libertou também matérias-primas para a panificação e facilitou a regulação de preços. Nas negociações foi ainda agilizado o regime de visitas aos detidos portugueses.
O Governo português passará assim a dar abertamente apoio que, desde 2016, tem sido prestado de forma discreta pela embaixada e pela rede consular através de inúmeras associações de portugueses e lusodescendentes. O sucesso do modelo português levou a que fosse já copiado por Itália para apoiar a sua comunidade na Venezuela.
Quilos de medicamentos
O apoio consistiu até agora sobretudo em dinheiro para alimentação, assistência a idosos, tratamento médico e medicamentos. Estes últimos foram sendo, nos últimos três anos, introduzidos na Venezuela através de canais próprios criados pelo MNE, já que o auxílio humanitário ou medicamentoso prestado por outros países está proibido.
Terá sido a percepção pelas autoridades venezuelanas de que Portugal estava a enviar medicação de forma consistente e regular que levou à fase negocial que resultou na autorização para a constituição da rede de apoio centrada na Asomeluve.
Nestes três anos, com a colaboração da indústria farmacêutica, do Infarmed e do Ministério da Saúde, entraram na Venezuela literalmente quilos de medicamentos para serem distribuídos pelos portugueses e lusodescendentes. Só de uma vez estiveram nas instalações do MNE, em Lisboa, 300 quilos de remédios.
De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, e a título de exemplo, em Junho de 2017, o MNE mandou para a Venezuela 377 embalagens de 36 medicamentos, para serem distribuídos às principais associações portuguesas em Caracas e em Valência. Em Março e Abril de 2018, seguiram outras 289 embalagens de 30 fármacos, entregues pelos consulados gerais aos portugueses mais carenciados. Já em Setembro último, foram enviadas mais 360 embalagens de 27 medicamentos. No final de Setembro, o MNE tinha em seu poder cerca de 150 quilos (2750 embalagens de nove medicamentos) oferecidos pela indústria farmacêutica para seguirem para a Venezuela.
Chegados a Caracas, os medicamentos são canalizados pela embaixada, consulados e cônsules honorários e daí partem para uma rede de distribuição nos 23 estados da Venezuela. Esta distribuição tem sido organizada por conselheiros sociais e é entregue a associações da comunidade portuguesa, que representam cerca de 30 mil pessoas, as quais serão agora inseridas na rede legal centrada na Asomeluve.
O Governo português tem insistido em manter o controlo directo do processo e recusou mesmo delegar funções, dinheiro e medicamentos a organizações como a Venexus e a Cáritas. A estas organizações foi pedido que identificassem situações de carência e informassem a embaixada portuguesa em Caracas, mas até ao final de Setembro ainda não tinham fornecido dados sobre nenhum caso.
Esta rede de apoio foi montada ao longo dos últimos três anos por equipas que viajaram de Lisboa para a Venezuela. Todo o processo é minuciosamente documentado. A distribuição é feita mediante o preenchimento de fichas em que são individualizadas as necessidades, incluindo apoio médico, oncológico ou necessidades de repatriamento. Desta actividade é feito um relatório mensal que é enviado para o MNE.
Repatriamento por doença
Uma das facetas mais significativas do apoio prestado é a referenciação de pessoas a necessitar de repatriamento para Portugal por motivos de carência ou de saúde – uma via que tem assegurado o regresso ao país de inúmeros portugueses e lusodescendentes sem qualquer custo para estes. Estes doentes têm via verde nos hospitais públicos portugueses e, em regra, quando chegam a Lisboa, pernoitam em instalações da Misericórdia.
Com o objectivo de financiar este apoio, o Governo decidiu não aumentar os emolumentos consulares nos últimos três anos, apesar da desvalorização galopante. A perda de receitas para o erário público português por esta não actualização de preços orça em oito milhões de euros em 2016 e 2017 e 1,3 milhões de euros nos primeiros meses deste ano. Portugal foi o único país da União Europeia que não o fez. Foi também decidido que toda a receita consular fica na Venezuela para financiar o apoio. E o cartão de cidadão tem uma validade de dez anos.
Outra medida tomada por acordo do MNE com o Ministério do Trabalho e Segurança Social foi a dispensa de apresentação de documentos na Venezuela a quem requer a atribuição de apoio social a emigrantes carenciados. Os postos diplomáticos e os conselheiros sociais são soberanos na decisão para agilizar este apoio pontual.
O mesmo acontece em relação ao apoio social a idosos carenciados, que é permanente e que desde 2015 entregou, em média, 223 mil euros por ano. No primeiro trimestre de 2018 foram entregues 47 mil euros.
Para facilitar o regresso de portugueses e de lusodescendentes, na Venezuela está a ser preparado entre os secretários de Estado das Comunidades e do Emprego um levantamento nacional para identificação de mão-de-obra necessária em Portugal para garantir emprego. Já foram identificados 20 mil postos de trabalho.
Com o Ministério da Justiça foi feita uma parceria com o objectivo da deslocação de uma missão especial do Instituto de Registos e Notariado, o que possibilitou a agilização da atribuição da nacionalidade portuguesa aos lusodescendentes: entre Janeiro e Agosto de 2018 foram atribuídas 7896 nacionalidades.
Foi também reforçado o ensino do português e actualmente há 1103 alunos de Português, mais 204 que no ano anterior, no básico e secundário, e 910 no ensino superior. E este ano lectivo inicia-se o ensino de Português nas escolas públicas venezuelanas com seis turmas a funcionar em Caracas. Por seu lado, o Instituto Camões tem enviado livros e materiais didácticos, num valor que em 2018 deverá ultrapassar os cem mil euros.
Toda esta operação tem levado equipas de Portugal à Venezuela para tarefas específicas. Em 2017, iniciou-se um “roteiro social” que levou técnicos sociais e consulares a 22 dos 23 estados do país, durante o qual foram percorridos mais de 10.500 quilómetros e contactados cerca de 1800 portugueses.
Na viagem que inicia este sábado, José Luís Carneiro é acompanhado pela secretária de Estado da Saúde, Rosa Valente de Matos, pelo secretário regional da Educação da Madeira, Jorge Carvalho, que tutela as comunidades, pelo director-geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, Júlio Vilela, e pelo vice-presidente do Instituto de Emprego e Formação Profissional, Paulo Feliciano.
O Governo reforçou também os funcionários permanentes nos consulados, com seis contratações, o que aumentou a capacidade de praticar mais 25 a 30 mil actos consulares por ano. No total, em 2017 foram praticados 123.485 actos consulares na Venezuela. Foram ainda contratados mais dois conselheiros e uma conselheira para a embaixada em Caracas. Desde 2016, houve também o reforço de recursos humanos em termos de segurança nas missões portuguesas que levou a um investimento de 174,7 mil euros. Já em 2018, foram gastos 1871 euros em material informático nos postos na Venezuela.